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Yanomami reivindicam retirada de invasores do Ajarani
Em reunião ocorrida em Boa Vista, presidente da Funai promete solução para a intrusão do extremo leste da Terra Yanomami, onde conflitos provocaram a morte de um posseiro em março
Impasse no Ajarani decorre de políticas oficiais dos anos 70
Intrusão ocorreu como conseqüência da construção da BR-210, uma das obras do Plano de Integração Nacional, que pretendia induzir a ocupação das regiões consideradas despovoadas pelo governo militar.


Permanência das fazendas traz graves prejuízos à saúde dos Yawaripë
Alcoolismo e malária são dois dos principais problemas enfrentados pelas famílias indígenas do Ajarani.

 


Yanomami reivindicam retirada de invasores do Ajarani
Presidente da Funai promete solução para a intrusão do extremo leste da Terra Yanomami, onde os conflitos provocaram a morte de um posseiro no último mês de março

Representantes do povo yanomami reivindicaram ao presidente da Funai, Glênio Alvarez, a retirada de todos os posseiros que permanecem habitando fazendas e sítios localizados na região do Ajarani, extremo leste da Terra Indígena Yanomami. A reivindicação foi feita em uma reunião realizada na segunda semana de julho, em Boa Vista (RR), ocasião em que as lideranças yanomami denunciaram vários conflitos decorrentes da permanência dos invasores na área. O mais recente, ocorrido em março passado, resultou na morte do posseiro Gentil Batista após um desentendimento com um Yanomami morador do Ajarani I, uma das malocas da região.

A retirada dos invasores do Ajarani tem sido demandada pelos Yanomami desde a conclusão da demarcação de suas terras, ocorrida em 1991. Entretanto, até o momento, a desintrusão não foi providenciada pela Funai. Em junho último, 133 representantes de várias malocas yanomami enviaram uma carta ao presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, com cópias para o ministro da Justiça, José Gregori, o presidente da Funai e a administração regional do órgão em Boa Vista, ao Ibama, e à Comissão dos Direitos Humanos da Câmara dos Deputados reivindicando a retirada dos invasores. “Nós, os moradores da floresta, não queremos os fazendeiros, eles estão derrubando e queimando a nossa floresta, plantando capim e introduzindo muito gado e estamos muito preocupados porque eles dizem que querem matar os Yanomami”, escreveram os signatários.

Agora, na reunião de julho em Boa Vista, o presidente da Funai, Glênio Alvarez, afirmou que em agosto deverá dar encaminhamento para solucionar o problema. De acordo com o diretor de Assuntos Fundiários da Funai, Artur Nobre Mendes, um levantamento realizado pela Funai, em 1993, deverá servir como referência para um novo cálculo das indenizações pelas benfeitorias erguidas pelos posseiros. À época em que foi realizado, foram identificados 37 ocupantes indenizáveis, que demandariam R$ 1,5 milhão em indenizações. Entretanto, segundo Nobre Mendes, a Funai tem informações de que há novos intrusos morando no Ajarani desde então.

O diretor de Assuntos Fundiários da Funai informou que os pagamentos poderiam ser iniciados ainda este ano, começando pelas indenizações menores. Antes disso, porém, será necessário fazer a atualização dos dados do levantamento realizado em 1993, incluindo a verificação da existência de novas benfeitorias, para que então o valor a ser pago seja atualizado, inclusive monetariamente. Adicionalmente, será necessário discutir com o Incra a realocação dos posseiros retirados do Ajarani. Para ser posta em prática, no entanto, esta operação depende da disponibilidade de recursos orçamentários, exíguos no momento, já que metade do orçamento da Funai previsto para este ano está contingenciado, ou seja, retido, por conta do ajuste fiscal.

A solução dos problemas no Ajarani pode passar ainda pelo Judiciário, já que tramita na Justiça Federal de Roraima uma ação de demarcação pública contra a Funai, movida pelos fazendeiros Walter Miranda e seu filho Walter Miranda Júnior, Miguel Schultz e Ermilo Paludo, desde a homologação da área Yanomami. Embora o ingresso em juízo tenha ocorrido em 1991, apenas em 1999 o pedido de laudo pericial sobre o assunto foi deferido pelo juiz do caso, Helder Girão Barreto, da 1ª Vara da Justiça Federal em Boa Vista. Realizado pela antropóloga Nádia Farage, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o laudo foi entregue em janeiro de 2000. Até o momento, o juiz não se manifestou a respeito.


Impasse no Ajarani decorre de políticas oficiais dos anos 70
Intrusão ocorreu como conseqüência da construção da BR-210, uma das obras do Plano de Integração Nacional, que pretendia induzir a ocupação das regiões consideradas despovoadas pelo governo militar

Os problemas que afligem os Yanomami moradores do Ajarani, região também conhecida como “Repartimento”, tiveram início na década de 70, com a abertura da BR-210, a Perimetral Norte, que, ao lado da Transamazônica (BR-230), constituía o projeto central do Plano de Integração Nacional (PIN), deflagrado pelo então presidente Emílio Garrastazu Médici. No caso da Perimetral, sua finalidade era induzir a ocupação ao longo da fronteira da calha norte do rio Amazonas, por meio da criação de núcleos de colonização. Foi na região do Ajarani que os operários da construtora Camargo Corrêa se depararam com os Yawaripë, um dos subgrupos yanomami que habitam a região.

A construção da estrada, após avançar mais de 100 quilômetros pelas terras tradicionalmente habitadas pelos Yanomami, foi interrompida, deixando um rastro de depopulação e desagregação cultural na região pela qual passou. Em 1979, um relatório produzido pela antropóloga Alcida Ramos, hoje presidente da Comissão Pró-Yanomami, informava sobre as desastrosas conseqüências do contato ocorrido anos antes no vale do rio Ajarani: desaldeamento dos Yanomami, alcoolismo, mendicância, prostituição feminina e disseminação de doenças altamente contagiosas, como tuberculose e doenças venéreas.

Em 1977, o Incra criou o Distrito Agropecuário de Roraima, um amplo projeto de colonização agropecuária instalado sobre 600 mil hectares, às margens da Perimetral Norte, incluindo grande parte das terras tradicionais dos Yawaripë. À revelia da inegável presença dos índios, contrariando mesmo a Constituição e a legislação da época, o órgão fundiário federal iniciou a titulação e a venda de lotes aos colonos, de modo a consolidar a ocupação no Ajarani. Entretanto - e apesar da desastrosa convivência com os colonos -, nos anos seguintes, os Yawaripë não abandonaram a região, instalando três malocas que ainda hoje lá estão, e iniciando uma disputa com os intrusos pelos recursos necessários às suas demandas tradicionais, como a caça, a pesca e áreas para o plantio de roças.

Pela Constituição Federal de 1988 (páragrafo segundo do artigo 231), “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se à sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”. Embora a Terra Indígena Yanomami esteja demarcada e homologada desde maio de 1992, os intrusos do Ajarani permanecem fazendo uso de recursos existentes dentro da área reconhecida oficialmente pelo Estado brasileiro como Yanomami. Alexandre Yanomami, morador do Catrimani – maloca localizada a oeste do Ajarani – denuncia que os fazendeiros continuam expandindo seus pastos e implantando novas benfeitorias, o que acaba ampliando as dificuldades para solucionar o impasse. Mas, a julgar por suas últimas manifestações, os Yanomami, legítimos donos das terras do Ajarani, parecem estar perdendo a paciência.


Permanência das fazendas traz graves prejuízos à saúde dos Yawaripë
Alcoolismo e malária são dois dos principais problemas enfrentados pelas famílias indígenas do Ajarani

Degradação ambiental e conflitos pela posse dos recursos naturais são apenas duas das visíveis conseqüências prejudiciais ao modo de vida dos Yawaripë provocadas pela longa permanência de fazendeiros e posseiros no vale do Ajarani. Outros problemas, com grandes impactos sobre sua saúde, têm sido registrados ao longo dos anos. Um exemplo é a arregimentação de índios como mão-de-obra para as fazendas e sítios: além de trabalharem em condições que não observam as mais elementares regras do direito trabalhista, esta relação tem favorecido a introdução de hábitos nefastos entre as famílias indígenas, como o consumo recorrente de bebidas alcoólicas.

De acordo com o médico Cláudio Esteves de Oliveira, presidente da Urihi Saúde Yanomami – entidade que atende a 52% dos Yanomami no Brasil, dentro do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami -, muitos índios consomem os poucos recursos que recebem por seu trabalho nas fazendas em bebidas alcoólicas, vendidas sem restrições em bares de Caracaraí (município cuja sede fica próxima ao Ajarani, fora dos limites da Terra Indígena Yanomami). O alcoolismo, segundo o médico, é um dos grandes problemas de saúde enfrentados pelos Yawaripë do Ajarani.

As condições de saúde da população indígena do Ajarani são consideradas “indiscutivelmente péssimas” pelos profissionais da Urihi se comparadas com a realidade de outras regiões da Terra Indígena Yanomami. Um exemplo é o caso do Demini, uma maloca localizada também às margens da Perimetral Norte, de características ecológicas semelhantes às do Ajarani, mas por estar afastada do trecho inicial tomado por posseiros, conseguiu manter-se livre da degradação ambiental provocada pela exploração agropecuária que marcou a história dos Yawaripë. Em 2000, foram verificados apenas dois casos de malária em uma população de 117 índios que vivem no Demini. No mesmo período, foram registrados 57 casos de malária entre os 51 Yawaripë que habitam o Ajarani – ou seja, mais de um registro por indivíduo.


..Coordenação Editorial: Alcida Rita Ramos, Bruce Albert, Jô Cardoso de Oliveira


 

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