Saúde
Yanomami no Brasil: As preocupações de Davi Kopenawa
Corte no orçamento do Distrito Sanitário
Especial Yanomami pode provocar o recrudescimento de epidemias entre
a população indígena. O líder Yanomami
fala da sua preocupação e denuncia a permanência
de garimpeiros no território Yanomami.
A
Fundação Nacional de Saúde (Funasa) já
anunciou um corte de 20% no orçamento da ONG Urihi-Saúde
Yanomami, a maior prestadora de serviços de saúde na
Terra Indígena Yanomami (www.urihi.org.br).
Há temor de que este corte poderá chegar a 30% ou mais,
o que comprometerá irreparavelmente o atendimento aos Yanomami,
trazendo de volta a situação calamitosa dos anos 80
e 90. Preocupado, o líder dos Yanomami, Davi Kopenawa, em Brasília,
pediu ajuda ao Ministério Público e cobrou dos dirigentes
da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) a suspensão
dos cortes de verbas para o Distrito Sanitário Especial Yanomami.
Antes de retornar a Roraima, Davi concedeu ao Boletim Yanomami a seguinte
entrevista:
Boletim - Davi, você esteve na Procuradoria Geral da
República para tratar de problemas referentes ao orçamento
da Funasa para o Distrito Sanitário Especial Yanomami. De quais
problemas você tratou?
Davi - O Ministério da Saúde está
pensando de forma muito triste para todos nós, Yanomami. Estou
preocupado porque o presidente da Funasa está diminuindo o
dinheiro e, com isso, diminuindo o trabalho da Urihi, que trabalha
com nove áreas Yanomami. A Urihi deixou um bom trabalho tanto
para os Yanomami quanto para a Funasa. Se o Ministério da Saúde
reduzir o dinheiro, as doenças vão aumentar e eu não
quero que isso ocorra novamente.
Boletim - Como era antes da Urihi trabalhar na área
Yanomami?
Davi
- Antes da Urihi, a Funasa trabalha em toda a área.
Naquela época, não foi realizado um bom trabalho. Era
tudo muito atrapalhado. A Funasa contratou muitas pessoas, mas elas
não trabalhavam. Por isso, morriam muitos Yanomami, principalmente
lá no Auaris, uma região onde é difícil
o pessoal da saúde chegar. Isso ocorreu nos anos 90.
Boletim - Você teme que com a redução
do orçamento a situação anterior vá se
repetir?
Davi - Se o orçamento diminui é menos
dinheiro para comprar remédios que protegem o sangue dos Yanomami.
Estou preocupado, mesmo porque os garimpeiros ainda estão lá
e as doenças não acabaram. Com menos dinheiro, os Yanomami
vão continuar adoecendo. A malária vai se espalhar como
acontecia antes. Agora está bom porque o pessoal da Urihi está
lá trabalhando.
O
pessoal trabalhou bem e doenças como a malária diminuíram.
Mas, outras doenças como gripe, coqueluche e leishmaniose estão
aparecendo lá na fronteira com a Venezuela. Estou muito preocupado
porque as doenças vão aumentar em Homoxi, Parafuri,
Demini, Toototobi. Queria que o presidente da Funasa e as outras autoridades
entendessem que o dinheiro é necessário para continuar
o trabalho na área.
Boletim - Se o trabalho está indo bem e a saúde
está com um bom resultado, por que você acha que estão
reduzindo o orçamento do Distrito Sanitário Especial
Yanomami e da Urihi também?
Davi - Acho que aqui, em Brasília, tem gente
que não quer continuar dando dinheiro para o trabalho com os
Yanomami. Acho que tem gente dentro da Funasa que fica brigando e
criticando o trabalho da Urihi e da própria Funasa. Creio que
são pessoas que têm ciúmes do dinheiro, porque
a Urihi está fazendo um bom trabalho e gastando com coisas
certas. Esse pessoal da Urihi trabalhou bem e de forma organizada,
tanto que as doenças diminuíram.
Agora o Ministério da Saúde não está ajudando
mais. Isso está deixando os Yanomami e a Urihi muito tristes,
porque sabemos que tudo vai acontecer novamente. A doença vai
aumentar, porque os garimpeiros estão na reserva Yanomami,
no Paapiú ...
Boletim – Os garimpeiros estão em apenas uma
área ou em várias?
Davi - Os garimpeiros continuam entrando. Não
é só em Paapiú, mas em todas as pistas onde eles
garimpavam antes, onde deixaram garimpo. Está aumentando o
número de garimpeiros no Paapiú, no rio Mucajaí,
na Pedra Redonda, no Homoxi e também perto de Surucucu. Então,
nós estamos preocupados e já falamos com as autoridades
para tomarem providências urgentes. Eles também vão
levar outras doenças diferentes, como a Aids, porque os garimpeiros
não têm respeito por nós.
Eles
vão usar as índias. Vão causar problemas sérios
de novo... Nós estamos preocupados com essas doenças
porque a própria Funasa e a Urihi têm falado sobre isso
com a gente quando fazem reunião com o Conselho Indígena
Yanomami.
Os Yanomami
da Venezuela podem perder os direitos sobre seu território
Os índios
correm o risco de perder o direito às suas terras se, até
setembro de 2002, não receberem ajuda para a identificação
e demarcação de seus territórios, revela antropóloga
Janet Chernela, que dirige o Comitê dos Direitos Humanos da
Associação Americana de Antropologia. Falta de atendimento
médico e exclusão dos direitos de cidadania são
também motivos de preocupação.
Embora
a Constituição venezuelana, promulgada em 1999, garanta
a inalienabilidade das terras indígenas e respeite a pluralidade
étnica e política, a população yanomami
da Venezuela corre o risco de perder os direitos sobre seu território.
Para que isso não ocorra, os índios precisam de ajuda
para demarcar suas terras até setembro do próximo ano.
Mas esse não é o único problema desse povo na
Venezuela. Entre os dia 20 e 23 de novembro último, cerca de
500 índios reuniram-se na Conferência Nacional Yanomami,
realizada na pequena vila de Shakita, próxima ao rio Mavaca,
na região do Alto Rio Orinoco. Eles discutiram também
a falta de assistência médica adequada e o uso político
dos índios.
Conforme relato da antropóloga Janet Chernela, os Yanomami
da Venezuela não têm suas terras demarcadas, como inicialmente
se pensava. Estão vivendo dentro de uma reserva ambiental que
é disputada por outras etnias.
O risco de perderem os direitos sobre suas terras é grande.
Segundo Chernela, os Yanomami estão mal organizados e mal equipados
para enfrentar o complexo processo de negociação territorial
que já está em andamento. “Eles vão conseguir
menos terras que qualquer outro grupo e, como são seminômades
[sic], eles precisarão de mais”, alerta Chernela.
A Reserva da Biosfera do Alto Orinoco é habitada pelos Yanomami
e também por outros grupos indígenas. Os vizinhos Yekuana,
em número menor que os Yanomami, já concluíram
o processo de demarcação de suas terras.
O acesso dos Yanomami ao atendimento médico é mínimo
e o índice de mortalidade é muito superior ao registrado
entre o mesmo grupo no Brasil. No país vizinho os postos de
saúde são mal equipados e com também mal treinadas.
São menos de dez postos para atender a uma enorme área
que abriga uma população altamente dispersa. Em função
da precariedade ou da falta total de atendimento médico, os
Yanomami que vivem próximo à fronteira com o Brasil,
buscam atendimento médico adequado do lado brasileiro, o que
vem causando preocupação às autoridades do Brasil.
Outra questão preocupante é o direito de participação
política da população indígena. O exercício
desse direito constitucional exige que o cidadão tenha identidade
oficial. A maioria dos Yanomami, porém, não tem documento
de identidade, exceto os aliados do prefeito local. Conforme Chernela,
faltam mecanismos para o registro dos cidadãos yanomami. Esses
mecanismos estão sob o controle de políticos que têm
interesse em garantir identidades apenas para seus aliados partidários.
Representantes dos Yanomami e advogados pediram à Diretoria
de Identificação de Estrangeiros o fornecimento de barcos
itinerantes para que fossem feitos os registros dos índios.
O pedido, no entanto, foi rejeitado.
Associação
Americana de Antropologia discute coleta de sangue yanomami
Davi Kopenawa
dirige-se a antropólogos norte-americanos sobre devolução
de sangue yanomami.
Na reunião anual da Associação Americana de Antropologia
(AAA), realizada na cidade de Washington de 28 de novembro a 2 de
dezembro de 2001, foi novamente levantada a questão da coleta
de sangue yanomami pela equipe do geneticista norte-americano James
Neel nos anos 60, questão essa que foi objeto de denúncias
no livro Darkness in El Dorado. Como cientistas e jornalistas devastaram
a Amazônia do jornalista Patrick Tierney (vide Boletim Yanomami
11 e Documentos Yanomami 2).
Embora
a questão de coleta de sangue e ausência de consentimento
informado no caso yanomami não tivesse a repercussão
que merece, a Associação Americana de Antropologia como
um todo passou uma moção indicando a necessidade de
introduzir nos curriculos universitários cursos sobre ética
na pesquisa.
Sobre
o sangue yanomami que está depositado em laboratórios
de universidades norte-americanas, especialmente na Universidade da
Pensilvânia, Davi Kopenawa enviou mensagem aos participantes
da reunião da AAA nos seguintes termos: “Eu queria ir
outra vez para falar sobre esse livro e para conversar sobre o sangue
dos meus parentes que foi trazido para lá e que hoje estão
guardando na geladeira. Eu queria saber o que é que eles querem
fazer com esse sangue, para que eles guardaram. Mas eu não
quero ir só falar, eu quero decidir alguma coisa, quero que
eles devolver o sangue para mim para eu levar para o Brasil e derramar
o sangue no rio para o espírito do xapori (xamã) ficar
alegre".