Curso
de Economia e Ecologia capacita 76 professores Yanomami
Na Aldeia Ajuricaba (AM), grupo aprende
a realizar operações básicas de matemática,
utilizar o dinheiro, a identificar as potencialidades naturais do
seu território e avaliar o impacto dos produtos industrializados
sobre o meio ambiente.
Um
grupo de 76 professores yanomami, procedentes de todas as áreas
yanomami no Brasil e falantes de três línguas –
yanomae, sanuma e yanõmamï (xamathari) –, participou,
de 16 de maio a 15 de junho, do curso de Economia e Ecologia, organizado
pela Comissão Pró-Yanomami (CCPY), Urihi-Saúde
Yanomami e Serviço de Cooperação com o Povo Yanomami
(Secoya). O projeto foi aprovado e financiado pelo Ministério
da Educação e Fundação Nacional do Índio
(Funai), com contrapartida das organizações não-governamentais
organizadoras do curso.
Foram
200 horas/aula, na Aldeia Ajuricaba, rio Demini, município
de Barcelos (AM). Nesse período, o grupo de professores indígenas
aprendeu a realizar operações básicas de matemática,
a lidar com dinheiro a partir de transações de compra
e venda, a identificar as potencialidades naturais do seu território
e o impacto que o uso de produtos industrializados causa ao ambiente.
A tendência crescente de sedentarização do povo
yanomami e a retomada do seu crescimento demográfico vêm
causando em várias áreas maior pressão sobre
os recursos naturais disponíveis, o que justifica a discussão
sobre o uso sustentável desses recursos, a fim de evitar o
comprometimento da qualidade de vida da população indígena.
Dentre
os objetivos do curso está também o de reforçar
a autonomia econômica dos Yanomami face às novas condições
econômicas impostas pela situação de contato com
a sociedade envolvente, tais como a aquisição de manufaturados,
a comercialização de artesanato, e o uso do dinheiro
de salários (agentes de saúde, professores).
O líder yanomami, Davi Kopenawa, discursou na abertura do curso.
Destacou a importância da educação e do papel
dos professores indígenas na luta pela defesa dos seus direitos
e da terra. Enfatizou o fato de que é a partir do entendimento
dos códigos da sociedade envolvente que será possível
às comunidades indígenas adquirirem o saber necessário
para manter sua autonomia frente à sociedade dos brancos. Ele
alertou também para a importância da unidade, evitando
que eventuais divergências internas sejam utilizadas pelos napë
(estrangeiro) para fragilizar o povo yanomami. Neste aspecto, a escola
tem sido também instrumento de superação de conflitos
tradicionais entre grupos. Davi afirmou que mais importante que o
dinheiro “é a nossa terra” e alertou para os aspectos
práticos positivos e os perigos psicológicos do uso
da moeda como meio de transação dos jovens yanomami
com os brancos.
As
aulas práticas envolvendo o uso do dinheiro ocorreram em um
ambiente simulado de mercado, instalado no local do curso. Os professores
indígenas puderam realizar a compra de diferentes produtos,
o que propiciou intimidade com a moeda e o treinamento das operações
matemáticas. O ábaco (calculador manual para efetuar
operações elementares de matemática) foi o instrumento
utilizado nas primeiras lições sobre adição,
subtração e multiplicação. As transações
no mercado simulado também serviram para ampliar o vocabulário
português dos professores yanomami.
No
decorrer do curso, ao mesmo tempo em que os professores ampliavam
seu entendimento sobre as relações comerciais em situação
interétnica, foram também mapeando os principais problemas
que afetam a terra demarcada. Eles destacaram a presença de
garimpeiros, a ameaça de ingresso de mineradoras, fazendas
vizinhas aos limites da reserva, presença do Exército
nas regiões de Auaris e Surucucus, construção
de estradas e as cidades próximas ao baixo Marauiá.
Os debates sobre alternativas econômicas mostraram as diferentes
realidades presentes na Terra Yanomami: a riqueza de recursos naturais
existentes na região do Ajuricaba contrastando com a escassez
de alimentação em Auaris e Homoxi ou a falta de água
no verão em aldeias como Toototobi e Homoxi.
Para
dar suporte aos debates sobre o uso dos recursos naturais destinados
à aquisição de manufaturados e o impacto ambiental
daí decorrente, os educadores contaram com um vídeo
em que Davi Kopenawa denuncia a expansão da ocupação
da terra indígena pelos não-índios e a conseqüente
destruição da floresta. No documentário, o líder
indígena questiona o conceito de desenvolvimento ao apontar
para a construção de estradas, loteamento de zonas rurais
e surgimento de cidades, além de uma maloca que, afetada pelo
contato indiscriminado, acabou se assemelhando a uma favela na cidade.
Além
da demanda para adquirir maior competência nos processos de
acesso a produtos e serviços da sociedade envolvente, os professores
yanomami manifestaram a vontade, no futuro, se tornarem médicos,
odontólogos, professores, entomologistas, enfermeiros, auxiliares
de enfermagem, rompendo com a relação de dependência
da sociedade majoritária.
No
seu relatório final , o coordenador do Projeto de Educação
Yanomami (PEI), Marcos Wesley de Oliveira, destaca a dedicação,
seriedade, determinação e bom humor dos professores
Yanomami durante todo o curso de Ajuricaba. Ele também elogiou
o trabalho dos consultores e educadores externos que ministraram o
curso, além dos quadros do PEI-CCPY e dos projetos de educação
da URIHI e da Secoya. A equipe de consultores era formada por Cristina
Troncarelli, que desenvolve projeto de Educação no Parque
Indígena do Xingu pelo Instituto Socioambiental (ISA), Matari
Kayabi (professor indígena, Xingu), Makaulaka Aweti Mehinaku
(professor indígena, Xingu), Eliane Bastos (professora) e Martin
Charles Nicholl (professor), Jackeline Rodrigues Mendes (professora),
Gersem Baniwa (professor) e Bruce Albert.
O curso também teve a participação de Fernando
Bittencourt, administrador da CCPY, e Inês, representante da
Funai/AM.
Conforme
previsto na programação do curso, foi iniciada a discussão
sobre a elaboração do currículo de formação
de professores Yanomami, cujos eixos temáticos são terra,
saúde e língua. Os professores confeccionaram também
o calendário de suas escolas, buscando indicar os meses e períodos
mais adequados para as atividades escolares. O currículo contempla
também cursos intensivos, acompanhamento às escolas,
intercâmbios, pesquisa e registro de aula (diário de
classe). Esse debate precedeu o da elaboração do Projeto
Político-pedagógico das Escolas Yanomami (PPP). A meta
dessas iniciativas é obter das secretarias e conselhos estaduais
de educação (Amazonas, Roraima) o reconhecimento da
educação ministrada na Terra Yanomami.
Yanomami
quer reconhecimento de suas escolas
Professores reivindicam
aos Conselhos Estaduais de Educação Indígena
do Amazonas e de Roraima o reconhecimento das escolas indígenas
em funcionamento na Terra Yanomami.
O
grupo de 76 professores Yanomami, participante do curso de Economia
e Ecologia, elaborou documento reivindicando junto às Secretarias
de Educação e aos Conselhos Estaduais de Educação
Indígena do Amazonas e de Roraima o reconhecimento das escolas
existentes na Terra Yanomami e do trabalho que realizam. A carta foi
elaborada no encerramento do curso para formação de
professores, realizado na Aldeia Ajuricaba, município de Barcelos
(AM).
No
documento, líderes e professores indígenas informam
que nas escolas yanomami, além da alfabetização
na língua indígena, é ensinada aos alunos a história
tradicional do seu povo em defesa da sua terra
Os estudantes indígenas têm também aulas de disciplinas
da escola tradicional, como história e geografia do Brasil,
matemática, português, ecologia e saúde.
No
entanto, esse trabalho pedagógico yanomami ainda necessita
de reconhecimento oficial por parte das Secretarias Estaduais de Educação
e nem dos Conselhos Estaduais de Educação Indígena
do Amazonas e de Roraima. O reconhecimento das instituições
de ensino indígenas, por meio de decreto, é fundamental
para que ela possam receber materiais didáticos e os professores
serem remunerados pelo trabalho que realizam.
A seguir, a íntegra da carta elaborada pelos líderes
e professores yanomami
“Nós
lideranças juntamente com os professores indígenas das
escolas yanomami estivemos reunidos no Curso Economia e Ecologia para
Formação de Professores Yanomami.
Por isso nós queremos dizer sobre o trabalho nas escolas Yanomami,
na nossa Terra Indígena tem: escolas e professores atendendo
alunos.
Nós professores ensinamos nossa língua Yanomami, por
isso nós estamos participando do curso de formação
dos professores. Nas nossas escolas nós ensinamos a nossa língua
Yanomami, nossa História para defender nossa floresta, nossa
Terra, nossos rios, nossa cultura. Nós também ensinamos
o que aprendemos com os brancos, ensinamos Matemática, Português,
Geografia, Ecologia, Saúde, História, também
para defender nossa Terra.
Por isso nós estamos escrevendo esse documento para mostrar
o trabalho nas nossas escolas.
A comunidade também participa das escolas. Os pata thë
pë (os velhos) ensinam os professores, as crianças e os
jovens. Nós professores Yanomami escrevemos no Diário
de Classe o que ensinamos para os nossos alunos. Nós professores
Yanomami trabalhamos muito bem, por isso nós queremos o reconhecimento
das nossas escolas pela Secretaria de Educação dos Estados
de Roraima e Amazonas.
Queremos
que estas duas Secretarias Estaduais de Educação façam
o decreto de criação de nossas escolas, parra podermos
receber materiais escolares: cadernos, lápis, borrachas, canetas,
lousas, giz, cartolinas, lápis de cor, hidrocor, e também
recebermos salários para os professores Yanomami.
Junto com esta carta estamos enviando um documento com maiores explicações
sobre o nosso trabalho nas escolas Yanomami.
Sim, a escrita acabou.
Atenciosamente
Lideranças e professores Yanomami.”
Professores
Yanomami e Comissão Pró-Yanomami reivindicam participação
no Conselho estadual de Educação Indígena do
Amazonas
Professores e CCPY
enviam carta à presidência do CEEI e indicam representantes.
Professores
Yanomami enviaram, dia 15 de julho, carta ao presidente do Conselho
Estadual de Educação Indígena do Amazonas, Jecinaldo
Barbosa Cabral, reivindicando participação na instituição.
No documento, assinado por representantes dos grupos das regiões
de Demini, Toototobi, Parawau, Ajuricaba, Marauiá e Aracá,
eles argumentam que querem trabalhar em conjunto com os demais professores
indígenas do estado e participar das discussões do Conselho.
Para isso, indicaram dois representantes Antônio Paquidari Dias,
como titular, e Dário Vitório Watorikï, como suplente,
para representá-los no CEEI. Os dois foram escolhidos durante
o curso Economia e Ecologia, realizado na Aldeia Ajuricaba, município
de Barcelos (AM), que reuniu 76 professores Yanomami.
A
mesma reivindicação foi apresentada pela Comissão
Pró-Yanomami (CCPY), por intermédio do coordenador do
seu Programa de Educação Intercultural (PEI), Marcos
Wesley de Oliveira.
A
Comissão Pró-Yanomami deseja ter assento no Conselho
como “organização não-governamental que
atua na área da Educação Escolar Indígena
no Estado do Amazonas”. Na carta Marcos Oliveira destaca o trabalho
da Comissão Pró-Yanomami em 14 escolas Yanomami no Amazonas
– nas regiões de Demini, Toototobi e Parawau –
e em outras 20, em Roraima – nas regiões de Homoxi, Alto
Catrimani e Paapiu.
O
Programa de Educação Intercultural da CCPY realiza acompanhamento
pedagógico das escolas, por meio de visitas periódicas
às aldeias. Este trabalho conta com seis assessores não-indígenas
que falam a língua Yanomami. Além disso, em parceria
com as ONGs Serviço e Cooperação com o Povo Yanomami
(Secoya) e Urihi-Saúde Yanomami, o PEI vem oferecendo formação
a nível de magistério a 90 professores yanomami. A expectativa
do coordenador do PEI é de que esta formação,
cuja proposta curricular está em fase de conclusão e
deverá ser entregue aos CEEI do Amazonas e de Roraima nos próximos
meses, seja, ainda este ano, reconhecida pelos dois conselhos.
Marcos
Oliveira argumenta que é imprescindível o apoio do CEEI/AM,
por meio da experiência dos seus integrantes indígenas
e não-indígenas, para levar adiante a importante tarefa
de apoiar os Yanomami no fortalecimento da sua forma de vida autônoma
nas suas terras tradicionais. A participação de um representante
da Comissão Pró-Yanomami no Conselho, segundo o coordenador
do PEI, possibilitará a troca de experiências com os
integrantes e permitirá compartilhar os resultados da atuação
com os Yanomami.
O
CEEI do Amazonas, vinculado à Secretaria Estadual de Educação,
é composto por 17 índios e 12 não índios,
sendo oito deles membros de órgãos governamentais e
quatro não-governamentais. Jecinaldo Cabral, presidente do
Conselho, é um índio Sateré Maué, que
reconhece a importância da participação de representantes
dos professores Yanomami e da CCPY na instituição.
A
seguir a íntegra da carta dos professores Yanomami:
“Nós
estamos mandando esta carta para vocês do Conselho Estadual
de Educação Indígena do Amazonas. Nós
também temos muitas escolas em nossa terra. Por essa razão,
nós queremos realmente nos tornarmos professores. Com essa
certeza, nós estamos mandando esta carta.
Nós, professores, queremos dizer isso nesse documento, por
isso estamos escrevendo. Somos dos grupos do Demeni, do Toototobi,
do Balawau, do Ajuricaba, do Marauiá e do Aracá.
Nós queremos um representante nosso no CEEI/AM. Nós
queremos entrar em agosto, na próxima reunião dos Conselheiros.
Durante o Curso de Formação dos Professores Yanomami,
nós escolhemos nossos representantes: Antônio Paquidari
Dias foi escolhido como titular e Dário Vitório Watoriki
como suplente.
Quando os professores Indígenas forem se reunir, nós,
professores Yanomami, queremos escuta-los e participar das discussões,
para que esses professores indígenas reconheçam os professores
Yanomami. Nós queremos trabalhar em conjunto com o corpo de
professores indígenas do Amazonas.”
Yanomami
fazem intercâmbio com os Macuxi para praticar conversação
em português
Experiência pioneira permite a professores
yanomami acelerar aprendizado do português a partir da convivência
em comunidades macuxi.
Saber
falar e compreender o português não significa apenas
cumprir um quisito curricular. Para os Yanomami, aprender a língua
dos brancos representa dar mais um passo rumo ao fortalecimento da
sua autonomia como povo no relacionamento com a sociedade envolvente.
A primeira experiência pioneira nesse sentido ocorreu em abril
último, quando dois jovens professores do grupo foram conviver
com os índios Macuxi, que já dominam o português,
como parte do processo de formação para o magistério.
O intercâmbio entre professores yanomami e comunidades macuxi
teve ainda por objetivo promover a solidariedade entre os povos indígenas
de Roraima.
Segundo o coordenador do Programa de Educação Intercultural
(PEI) da Comissão Pró-Yanomami (CCPY), Marcos Wesley
de Oliveira, a partir de 1998, os Yanomami passaram por vários
cursos intensivos de português. Mas, uma avaliação
realizada três anos depois por uma equipe de consultores independentes
revelou que o grupo tinha uma grande frustração em relação
à comunicação oral. Esse sentimento dos professores
yanomami sinalizou a necessidade urgente de lhes proporcinar oportunidades
para aumentar sua fluência em protuguês.
Para
isso, um dos métodos mais eficazes é levar os alunos
para um ambiente no qual apenas a língua alvo do aprendizado
seja falada. Em agosto do ano passado, a idéia de intercâmbio
foi debatida e entusiasmou o grupo de 56 professores que participaram
do curso Terra (ver Boletim Pró-Yanomami 19, de 17 de agosto
de 2001), realizado na Missão Catrimani.
A
proposta foi discutida com o presidente e secretário da Organização
dos Professores Indígenas do Estado de Roraima (Opir), professor
Enilton André da Silva. Em seguida, ocorreram discussões
para identificar as áreas para as quais poderiam ser levados
os professores yanomami e, por fim, escolhidos os pioneiros do projeto.
A primeira oportunidade de efetivar o intercâmbio surgiu em
março último. Os professores yanomami Daniel de Watorikï
e Rafael de Parawau, que tinham disponibilidade, foram levados às
comunidades macuxi de Sorocaima (região de São Marcos)
e Câmara (Raposa/Serra do Sol), respectivamente. Apesar de todas
as dificuldades de transporte, a iniciativa apresentou resultado positivo
e deverá ser ampliada.
Se
a proposta puder contar com a colaboração do Conselho
Indígena de Roraima (CIR) e do Departamento de Educação
da Fundação Nacional do Índio (Funai), será
possível oferecer a mesma experiência a um grupo de até
20 alunos yanomami, a partir de agosto de 2002. Mantido o mesmo ritmo,
no prazo de dois anos, será possível habilitar um considerável
grupo de jovens yanomami na fala da língua portuguesa.
Diante
do êxito desta primeira experiência, os professores Yanomami
estão reivindicando a continuidade destes estágios lingüísticos
entre os Macuxi para exercitarem com mais eficiência o uso oral
do português. No encerramento do curso Economia e Ecologia,
ocorrido na Aldeia Ajuricaba (AM), eles elaboraram uma carta, dirigida
à Funai, submetendo a proposta à apreciação
do órgão indigenista. No documento argumentam que, “se
não aprendermos a falar a língua dos brancos nós
não conseguiremos responder aos que cobiçam a nossa
terra, porque nós não falamos português”.