Líderes
Yanomami pedem à Justiça rapidez na decisão para
retirada de invasores da região do Ajarani (RR)
Os
líderes Davi Kopenawa, Santarém Yanomami e Dorival Yanomami
reuniram-se, dia 12 último, com o juiz do Tribunal Regional
Federal (TRF) da 1ª Região, Antônio Ezequiel, em
Brasília, para pedir mais uma vez urgência no julgamento
da ação movida contra a Funai e a União Federal
pelos fazendeiros Walter Miranda e seu filho, Walter Miranda Júnior,
Miguel Schultz e Ermilo Paludo, reivindicando a propriedade de imóveis
dentro da Terra Indígena Yanomami. As fazendas estão
situadas na região dos rios Ajarani e Repartimento, extremo
sudeste da área indígena. Para os líderes indígenas,
quanto mais a Justiça demorar a tomar uma decisão, mais
os intrusos avançam sobre a terra Yanomami, ameaçando
a integridade do grupo, do seu território e dos recursos naturais
indispensáveis à sua sobrevivência.
No encontro os líderes foram acompanhados pela procuradora
da República, Dra Ela Wiecko Volkmer, e pelos representantes
da Comissão Pró-Yanomami (CCPY), Alcida Ramos, Bruce
Albert e Jô Cardoso de Oliveira. Para Davi Kopenawa é
fundamental que a Justiça tome uma decisão, considerando
que a área indígena já está demarcada
desde 1991. “É preciso respeitar a demarcação”,
afirmou. A reinvindicação indígena tem o respaldo
de dados históricos irrefutáveis: a presença
yanomami no rio Ajarani é atestada, pelo menos, desde os anos
1920 por viajantes (Salathé em 1929), missionários (Consolata
nos anos 1950) e o Serviço de Proteção aos Índios,
SPI (Gilberto Pinto em1967).
O líder indígena disse também que vem aumentando
a pressão dos invasores sobre as terras Yanomami. Denunciou
que os fazendeiros atraem os índios, oferecem bebidas alcoólicas,
transmitem doenças e causam graves danos ao meio ambiente.
As queimadas e os desmatamentos têm afastado a caça,
indispensável à alimentação da população
indígena. Além disso, no período das chuvas,
o lixo produzido nas fazendas é arrastado para os rios, poluindo
as águas e agravando os problemas da saúde dos Yanomami.
Com eloqüência Santarém Yanomami descreveu ao juiz
Ezequiel o desrespeito dos fazendeiros para com as tradições
dos índios. Para expandir a invasão, esses fazendeiros
assolam até mesmo as áreas sagradas, onde os Yanomami
enterraram as cinzas dos seus mortos em antigas aldeias. “Eles
reviram a terra onde estão enterrados nossos antepassados e
não têm respeito por nós”, denunciou Santarém.
O processo para a desintrusão da Terra Yanomami vem se arrastando
há 13 anos no Judiciário, embora as ocupações
irregulares tenham começado na década de 70 como resultado
das políticas oficiais de colonização patrocinadas
pelo regime militar. Além da construção da BR-210,
a política fundiária da época estimulava a transferência
de excedentes populacionais de outras regiões do País
para os projetos instalados às margens da BR-210 (Perimetral
Norte), que originalmente deveria cortar toda a calha norte do rio
Amazonas desde o Amapá até a fronteira com a Colômbia.
Com a chegada da rodovia às proximidades do Ajarani em 1973,
vieram as epidemias, mortes e a desestruturação social
dos Yawaripë, subgrupo Yanomami. Na época, 22% da população
indígena sucumbiram vítimas das epidemias transmitidas
pelos operários da rodovia.
Segundo relatório da antropóloga Alcida Ramos, atual
presidente da CCPY, em 1979, a rodovia avançara cerca de 200
quilômetros pelas terras dos Yanomami, provocando o abandono
de aldeias, o desenraizamento de seus habitantes, além de alcoolismo,
mendicância, prostituição feminina e disseminação
de doenças sexualmente transmissíveis (DST) e de tuberculose.
Em 1977, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra) criou o Distrito Agropecuário de Roraima,
um amplo projeto de colonização agropecuária,
abrangendo uma área de 600 mil hectares às margens da
Perimetral Norte, incluindo grande parte das terras tradicionais dos
Yawaripë. A iniciativa do Incra se deu à revelia da Constituição
Federal vigente na época, que garantia o usufruto exclusivo
das terras ocupadas pelas populações indígenas.
A resistência dos Yanomami foi fundamental para evitar a total
devastação do seu patrimônio ambiental. Apesar
de todos os danos causados pelos invasores, os índios ergueram
três malocas, que ainda estão no local, iniciando a disputa
pelos recursos naturais necessários à sua sobrevivência,
como a caça, a pesca e as áreas de plantio de suas roças.
De acordo com o segundo parágrafo do artigo 231 da Constituição
de 1988, “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios
destinam-se à sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto
exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”.
A Terra Indígena Yanomami está homologada desde 1992
e, mesmo assim, os invasores permanecem no Ajarani, utilizando e esgotando
os recursos naturais da área e ampliando seus pastos e benfeitorias,
em total afronta ao que determina a Constituição Federal.
Líderes
pedem ao Ibama a revogação de antigas Florestas Nacionais
do Projeto Calha Norte na Terra Indígena Yanomami
Os
líderes indígenas Yanomami Davi Kopenawa, Santarém
e Dorival, na recente viagem a Brasília, reivindicaram ao presidente
do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama), Marcos Barros, a revogação dos decretos que
criaram as Florestas Nacionais (Flonas) de Roraima e Amazonas, recortando
a Terra Indígena Yanomami, durante o governo do então
presidente José Sarney, hoje presidente do Congresso Nacional.
Estas unidades de conservação foram criadas no fim dos
anos 80, no quadro do Projeto Calha Norte, numa tentativa de escamotear
o desmembramento do território Yanomami em 19 áreas,
pequenas e descontínuas. Com a criação das Flonas,
nas quais estavam incrustadas as 19 ilhas indígenas, o governo
pretendia amenizar as pressões dos indigenistas e ambientalistas
nacionais e internacionais, mobilizados contra a espoliação
das terras Yanomami.
Com a demarcação da terra indígena, em 1991,
e sua homologação, em 1992, os Yanomami entenderam que
as Flonas de RR e AM estariam extintas. Hoje, os índios estão
inquietos por constatarem que ainda estão em vigor os atos
de criação dessas unidades de conservação.
A sua apreensão aumenta à medida em que ficam cada vez
mais cientes de que essas Flonas foram criadas para uso econômico,
como comercialização de madeira, uma atividade incompatível
com as formas indígenas de ocupação da floresta.
A constatação reforça entre os Yanomami a idéia
de que as Flonas de RR e AM, vestígios do antigo Projeto Calha
Norte, poderão servir de acelerada cabeça de um processo
de destruição da floresta que ocupam tradicionalmente.
Conforme salienta Davi Kopenawa, a Flona de Roraima incide sobre 95%
da parcela Terra Indígena Yanomami, naquele Estado. Segundo
ele, a existência das Flonas de RR e AM abre a possibilidade
de ingresso de invasores em território indígena para
a extração de madeira e de outras riquezas naturais,
ameaçando seriamente a qualidade de vida dos Yanomami. “Os
brancos só pensam em destruir. Não respeitam a floresta”,
afirma Davi, que teme o ingresso de madeireiros na terra indígena,
o seu desmatamento e a substituição da vegetação
nativa por espécies procedentes de outras regiões do
País, com graves conseqüências para o ecossistema
local.
No encontro com o Ibama, os líderes indígenas, ainda
acompanhados pelos representantes da CCPY, manifestaram sua grande
preocupação com o avanço da colonização
agrícola desordenada (apoiada por madeireiros e políticos
locais). Essa colonização, inadequada ao ecossistema
local, é, de fato, a causa direta dos incêndios que têm
ocorrido em Roraima (como em 1998 e em março de 2003), ao longo
dos limites orientais da Terra Indígena Yanomami. Pediram providências
aos dirigentes do IBAMA para conter esse avanço prejudicial
à integridade da terra indígena e à continuidade
da vida dos índios.
Ao longo dos limites orientais da Terra Indígena, na região
dos rios Mucajaí e Apiaú, os agricultores assentados
insistem em utilizar a queimada como forma de limpeza das áreas
de cultivo. Com isso, o fogo entrou novamente nas terras Yanomami.
No dia 14 de março último, o gerente executivo do Ibama,
Ademir Passarinho, anunciou que intensificaria as ações
na Terra Indígena para evitar a perda de controle da situação.
Passarinho
explicitamente associou o aumento dos focos de incêndio aos
agricultores que insistem em recorrer às queimadas neste período
de estiagem, quando essa atividade, mesmo controlada, está
terminantemente proibida.
Carta
de Davi Yanomami ao presidente do Ibama, Marcos Barros
“Brasília,
12 de março de 2003
Caro Amigo Marcos Barros,
Estou muito feliz que você seja agora o presidente do Ibama
porque você é amigo do povo Yanomami e já visitou
minha aldeia. Agora eu quero pedir seu apoio para jogar fora a velha
Flona de Roraima do Calha Norte e nos ajudar a criar nova área
de proteção a nossa natureza contra os fazendeiros e
colonos que tocam fogo em todo lugar no mato avançando para
nossa terra. Você é nosso amigo. Espero muito que vai
lembrar de nós e de nossa floresta.
Bom trabalho, abraço do amigo.
Atenciosamente
Davi Kopenawa Yanomami”
Davi
Kopenawa Yanomami exige documentos para agentes de saúde, professores
e representantes indígenas
O
exercício pleno da cidadania, garantido pela Constituição
Federal, ainda não foi alcançado pelos índios
Yanomami. Entraves burocráticos em Roraima têm praticamente
inviabilizado a obtenção de documentos aos quais os
índios têm direito, tais como carteira de identidade,
CPF e passaporte. A falta dos dois primeiros afeta principalmente
os professores e agentes de saúde Yanomami que ficam dessa
maneira impedidos de receber salários do Estado. Por sua vez,
qualquer Yanomami que viaje dentro do país (para cursos, eventos
ou reuniões) sem ter carteira de identidade, fica à
mercê de uma autorização da Funai, a exemplo do
que ocorre com os menores de idade. Para os que necessitam viajar
ao exterior, a obtenção do passaporte também
depende de autorização da Funai (ver Boletim Yanomami
No. 22). Em suma, as barreiras que os Yanomami têm que superar
para conseguir seus documentos são imensamente maiores do que
as enfrentadas pelo resto do país.
Esse problema foi tema do primeiro encontro entre os líderes
Davi Kopenawa, Santarém e Dorival, acompanhados dos representantes
da CCPY, com o atual Presidente da Funai, Eduardo Aguiar de Almeida,
ocorrido em Brasília. Davi Kopenawa reivindicou do novo presidente
providências que facilitem aos índios o acesso aos documentos
de que necessitam.
Ainda nesse encontro, os índios pediram a ajuda da Funai para
a solução dos problemas fundiários e ambientais
que afetam a porção oriental da Terra Indígena
Yanomami.