Professores
Yanomami voltam a reivindicar reconhecimento de escolas e de curso
de formação
Um
grupo de 22 professores Yanomami entregou, dia 24 de março
último, carta à Secretaria de Educação
e Cultura de Roraima (Seduc), ao Conselho Estadual de Educação
e ao governador Flamarion Portela, reivindicando, mais uma vez, o
reconhecimento do curso de formação de docentes e das
escolas indígenas.
Desde 2001, os professores vêm fazendo a mesma solicitação
sem obter resposta dos órgãos estaduais de educação
sobre o atendimento do pleito. Na carta, eles descrevem os cursos
de capacitação já realizados e também
de informática voltado à produção do próprio
material didático para utilização nas escolas
Yanomami.
No mesmo documento, o grupo de professores questiona o anunciado apoio
da Secretaria de Educação ao Projeto Político
Pedagógico que estão elaborando e cobram os motivos
que levam o órgão a demorar tanto para editar decreto
necessário à oficialização das escolas
em funcionamento na Terra Indígena Yanomami. Cobram também
o fornecimento de material escolar. A seguir,a íntegra da carta:
“Boa
Vista, 24 de março de 2003
Para:
Seduc/RR
CEE/RR
Governador Flamarion Portela
Nós
Yanomami estamos enviando a nossa escrita.
Aproveitando que nós Professores Yanomami estamos aqui perto,
fizemos este documento para entregá-lo a todos que trabalham
com educação. Se nós não escrevemos documento
todos nós, Yanomami e napë pë [não indígenas],
não vamos nos entender. É por isso que nós estamos
enviando o nosso documento, para que vocês que trabalham com
Educação estejam de acordo com a gente. Somos um grupo
de Professores Yanomami estudando aqui em Boa Vista. Por que os Yanomami
estão fazendo computação ?
Porque
nós estamos estudando na universidade. Por que os Yanomami
estão fazendo curso de computação? Nós
estamos estudando na universidade e aproveitando para enviar este
documento para vocês da Educação. Nós Yanomami
queremos fazer livros na nossa língua materna para depois ensinar
aos alunos.
Nós Yanomami enviamos muitos documentos, mas vocês nunca
responderam, por isso agora nós estamos enviando outro documento.
Primeiro, no ano de 2001, nós enviamos um documento, éramos
60 professores. Em 2002, nós fizemos outro documento, durante
o curso de formação na aldeia Ajuricaba, éramos
75 professores e as lideranças também ajudaram, os napë
pë também. Foi assim que nós fizemos o documento,
mas vocês não nos responderam. Nós continuaremos
elaborando o nosso Projeto Político Pedagógico no próximo
curso.
Você Secretária queria apoiar os Yanomami, mas será
que você mudou de idéia? Nós queremos que você
nos escute por isso nós continuaremos a falar, mesmo que você
não nos apoio. Nós queremos ficar contentes recebendo
o seu apoio, mas se você não nos ajudar nos continuaremos
falando.
Nós Professores Yanomami estamos aqui em Boa Vista e queremos
aproveitar para ouvir (a Secretária) pois quando estivermos
na nossa floresta será difícil respondermos (caso ela
venha a nos falar).
Como você pretende fazer a prova (seleção) para
nós Yanomami? Nós Yanomami também queremos perguntar
isto a você. Nós queremos perguntar se você vai
mesmo nos apoiar, porque nós não queremos ficar falando
à-toa. Se nós Yanomami não explicarmos direito
vocês não entenderão, tá certo?
E assim para nós Yanomami. Sobre o decreto de criação
das escolas, nós professores o queremos muito. Por isso, se
vocês autoridades não fizerem o decreto de criação
nós queremos saber os motivos. Nós estamos pensando
que talvez vocês nos apóie.
Nós Yanomami queremos que vocês autoridades assinem,
por isso nós estamos lembrando para vocês sobre o decreto
de criação. Sobre isso nós pensamos que vocês
devem nos ajudar. Todos nós professores estamos pensando assim
por isso nós estamos atentos (de olho).
Nós Yanomami ensinamos muito os nossos alunos por isso nós
pedimos material escolar para vocês da Secretaria de Educação:
caderno, borracha, lápis, canetas, apagador, giz, cartolina,
papel A4, pincéis, quadro, etc.
Awei, a escrita acabou.
Atenciosamente,”
Professores
participam da segunda edição do curso de intercâmbio
nas aldeias Macuxi e Wapixana
Dentro
da estratégia de aprendizado da língua portuguesa, o
Programa de Educação Intercultural (PEI) realiza, desde
o início de março, a segunda edição do
curso de intercâmbio nas aldeias Macuxi e Wapixana. Participam
19 professores Yanomami, procedentes das aldeias Catrimani (5), Homoxi
(2), Alto Catrimani (3), Paapiu (6), Toototobi (1), Surucucu (1) e
Auaris (1). No ano passado, participaram do curso de intercâmbio
apenas professores das regiões atendidas pela Comissão
Pró-Yanomami (CCPY). Agora, há professores enviados
pela Diocese (5) e pela Urihi (2).
A primeira edição desse curso de intercâmbio ocorreu
em abril de 2002, quando dois jovens professores Yanomami conviveram
com os índios Macuxi, que já dominam o português.
A proposta faz parte do processo de formação dos professores
Yanomami para o magistério. Adquirir fluência em português
num contexto social favorável, além de agregar conhecimento,
reforçar a capacitação dos professores, significa
também mais um passo para o fortalecimento da autonomia dos
Yanomami como povo. A experiência possibilita ainda estreitar
a solidariedade entre os povos indígenas de Roraima e, aos
professores, a realização de pesquisa como forma de
adquirir conhecimento. (ver Boletim 29)
Os resultados positivos alcançados com a primeira edição
do curso puderam ser constatados com o aumento do número de
participantes e também com a indicação de dois
professores pela Diocese que fora contrária ao processo coordenado
pelo professor Martin, assessor da CCPY. Ele é responsável
também pelos contatos com as organizações parceiras
– Conselho Indígena de Roraima (CIR), OPIR (Organização
dos Professores Indígenas de Roraima (OPIR) e APIR –
e as aldeias anfitriãs. A Fundação Nacional do
Índio (Funai) e OPIR têm participado das visitas de acompanhamento
desse curso. A edição atual do curso de intercâmbio
termina no final deste mês.
Docentes
Yanomami fazem o segundo curso de informática
Começou
no dia 17 de março, em Boa Vista, o segundo curso de informática
para 22 professores Yanomami oriundos das aldeias Demini (3), Toototobi
(7), Parawau (5), Surucucu (2), Hakoma (1), Okomou (1), Homoxi (1)
e Paapiu (2). O curso tem a finalidade de capacitar os professores
a editar o material didático para as aulas ministradas nas
escolas Yanomami.
Durante os cursos, os professores revelam enorme potencial criativo,
adaptando os caracteres especiais a sua língua e criando um
conjunto de neologismos compatíveis com o seu idioma. Aprendem
a utilizar programas como winword, excell e paintbrush.
O curso é ministrado por três assessores da Comissão
Pró-Yanomami e um da Urihi-Saúde Yanomami. Por sua importância
e singularidade, trabalho mereceu uma reportagem da TV Roraima.
Programa
de Educação Intercultural
O
Programa de Educação Intercultural (PEI) foi criado,
em 1995, pela Comissão Pró-Yanomami, atendendo a uma
reivindicação dos Yanomami. Para eles, o processo escolar
é importante para fortalecer sua língua por meio da
alfabetização e dar-lhes acesso às informações,
conhecimento técnico e científico da sociedade nacional,
imprescindíveis à manutenção de sua autonomia
sócio-política e econômica.
A
Comissão Pró-Yanomami aceitou o desafio e, desde então,
vem ampliando a área de atuação do PEI, buscando
apoiar um número cada vez maior de comunidades Yanomami na
implantação e manutenção de suas escolas,
na elaboração de materiais didáticos e na formação
de professores. Investe também na formação da
equipe de assessores, dando condições para que conheçam
outras experiências de educação escolar indígena
e adquiram proficiência nas línguas Yanomami.
Hoje, o PEI mantém 34 escolas, em sete regiões distintas
– Demini, Tootobi, Parawau, Homoxi, Alto Catrimani, Paapiu e
Kayanau (antigo Paapiu Novo). Cerca de 1.480 Yanomami vivem nessas
regiões, dos quais 331 são estudantes. Com uma equipe
de seis assessores de campo, o PEI faz o acompanhamento pedagógico
dos 40 professores Yanomami responsáveis pelas escolas.
A formação de professores é oferecida a mais
de 90 Yanomami, oriundos de 68 escolas existentes na Terra Indígena
Yanomami nos estados de Roraima e Amazonas. A formação
tem a parceria das organizações não-governamentais
Secoya (Serviço e Cooperação com o Povo Yanomami)
e Urihi-Saúde Yanomami.
O PEI tem como meta global o surgimento de uma rede escolar para e
dos Yanomami, com um quadro de docência formado por professores
Yanomami.
O objetivo é conquistar o reconhecimento e a manutenção,
pelo governo brasileiro, da escola e dos professores Yanomami, incluindo-os
no sistema escolar nacional, considerando as especificidades dos Yanomami,
a começar pelo respeito à sua organização
social, tradições, visão de mundo, história
e língua.
Sobre essas bases deverá ser construído o currículo
de formação dos professores e alunos, o que significa
elaborar material didático próprio para as escolas Yanomami,
dando preferência àquele produzido por eles próprios,
e garantir autonomia para que organizem o espaço físico
da escola, o calendário escolar e as turmas de alunos.
A meta global deverá ser alcançada no final de 2008,
com a formação, a nível de magistério,
da primeira turma de professores Yanomami. Há, portanto, a
grande expectativa de que o governo brasileiro reconheça as
escolas Yanomami e aprove o currículo de formação
dos professores.