Professores
Yanomami participam do III Curso de Formação de Professores
Yanomami para o Magistério-Economia, Ecologia e Tecnologia
A
Comissão Pró-Yanomami (CCPY), juntamente com a Urihi-Saúde Yanomami,
o Serviço e Cooperação com o Povo Yanomami (Secoya) e a Diocese de
Roraima, está realizando o III Curso de Formação de Professores Yanomami
para o Magistério, intitulado "Economia, Ecologia e Tecnologia", com
a participação de 126 yanomami, sendo 111 professores e 15 líderes
tradicionais. A abertura do curso ocorreu dia 1º último, na Casa Paulo
VI, em Boa Vista, Roraima, e o encerramento será no final deste mês.
A cerimônia começou por volta das 9h30, com os agradecimentos do coordenador
do Projeto de Educação da CCPY, Marcos Oliveira, às entidades e instituições
que apoiaram a iniciativa, como a Rainforest da Noruega, o Exército
brasileiro, a Fundação Nacional do Índio e a Fundação Cartier da França.
O líder Davi Kopenawa afirmou que a escola é como uma ferramenta de
que os Yanomami agora lançam mão para poderem conviver melhor com
os não-yanomami e poderem garantir seus direitos enquanto cidadãos
brasileiros. Davi discursou por quase uma hora. Primeiro ele falou
na língua do seu povo para os líderes e participantes indígenas. Em
seguida, em português, para os visitantes, cerca de 100 pessoas. O
elevado número de índios e convidados, quase 230 no total, fez da
abertura do III Curso um grande evento na capital roraimense, atraindo
a atenção dos meios de comunicação local.
A cerimônia de abertura não foi apenas um momento festivo para índios
e não-índios. Foi sobretudo um momento para mostrar à sociedade de
Roraima que é possível construir uma nova relação, forjada com a tolerância,
respeito e colaboração, da qual participam organizações não-governamentais,
igreja, militares e governos estadual e federal, contando ainda com
a colaboração internacional, por meio da Rainforest da Noruega e da
Fundação Cartier da França.
O
General de Brigada, Paulo Studart Filho, Comandante da 1ª Brigada
de Infantaria da Selva-Exército Nacional, reafirmou a disposição dos
militares de criar e manter um canal de diálogo com os Yanomami, para
que o convívio entre o Exército e os índios seja sustentado no respeito
e na colaboração mútua. O Exército pôs à disposição dos Yanomami o
seu Búfalo para transportar os professores das regiões de Surucucus
e Auaris para Boa Vista, e se comprometeu a levá-los de volta.
O Administrador Regional da Funai em Boa Vista, Martinho Alves de
Andrade Junior, manifestou o seu contentamento com a realização de
mais um curso de Formação de Professores Yanomami, e Norberto Cruz,
Vice-coordenador do CIR (Conselho Indígena de Roraima), reafirmou
o seu apoio aos Yanomami e enfatizou a necessidade de os povos indígenas
de Roraima se unirem para assegurar os seus direitos garantidos por
lei.
Participam deste terceiro curso de Formação de Professores Yanomami
para o Magistério professores de 19 regiões da Terra Indígena Yanomami:
Demini, Toototobi, Parawau, Homoxi, Alto Catrimani, Paapiú, Kayanau,
Surucucus, Hakoma, Arathaú, Parafuri, Auaris, Ajuricaba, Marauiá,
Catrimani, Ajarani, Ericó, Aracá e Alto Mucajaí. Os participantes
falam várias línguas que compõem a família lingüística yanomami, a
saber: Xamathari, Yanomae, Sanuma, Ninam e Yawari, o que levou os
organizadores a criar turmas e produzir materiais em cada uma delas,
de modo a garantir a formação adequada dos professores yanomami, que,
juntos, atendem a uma população estudantil de 1.407 alunos.
Xamanismo
encerra cerimônia de abertura do III Curso de Formação
de Professores Yanomami
A
solenidade de abertura do III Curso de Formação de Professores Yanomami
para o Magistério foi encerrada com uma cerimônia de xamanismo, realizada
pelo xamã Manoel, da região do Toototobi. Todos os passos e significados
do xamanismo foram explicados aos participantes do evento pelo líder
Davi Kopenawa. Explicou que alguns espíritos importantes foram ao
local para conhecer os presentes e tinham por objetivo auxiliá-lo
na luta para manter a perenidade do mundo e a saúde das pessoas.
As atividades paralelas no primeiro dia do curso estenderam-se até
à noite, quando foram exibidas fotos do curso Terra, realizado na
aldeia Catrimani, em 2001. Foi um momento de grande participação dos
índios. À medida em que as fotos eram mostradas, os professores yanomami
comentavam o que havia acontecido, contextualizando a imagem e relembrando
temas estudados e as discussões que surgiram naquela ocasião. Quem
participou do curso teve a oportunidade de relembrar como foi.
Quem não participou pôde entender o que ocorreu no curso Terra e como
se desenvolvem os cursos intensivos.
Projeto
Formação de Professores Yanomami para o Magistério
A
escola, e todo o acervo de conhecimento que ela propicia, deixou de
ser algo distante para os Yanomami. Hoje, o aprendizado da língua
e da escrita dos não-índios está associado à defesa da cultura e da
terra dos Yanomami. A escola é vista como importante instrumento para
a defesa da língua indígena e também para a obtenção de novos e úteis
saberes advindos da sociedade nacional.
Nos últimos quatro anos, dezenas de escolas foram abertas na Terra
Indígena Yanomami, em parte devido ao esforço dos próprios índios
e, em grande medida, graças ao apoio das organizações não-governamentais
que atuam em defesa dos interesses desse povo, como a Comissão Pró-Yanomami
(CCPY), o Serviço e Cooperação com o Povo Yanomami (Secoya), a Urihi-Saúde
Yanomami e a Diocese de Roraima. Criado em 1995 para atender à reivindicação
dos índios das regiões do Demini, Toototobi e Parawau, o Programa
de Educação Intercultural da CCPY (PEI) para os Yanomami ampliou-se
desde então e se articulou com iniciativas semelhantes de outras organizações
não-governamentais, até formar-se a rede de colaboração que atualmente
sustenta os cursos de formação dos professores para o magistério.
Hoje, aprimorar a formação dos professores possibilita expandir o
acesso das comunidades à escola e, ao mesmo tempo, permite que elas
participem da gestão do novo processo educativo intercultural, criando
um corpo docente yanomami. Essa formação, promovida pelas organizações
envolvidas, apoia-se em três temas: terra, língua e saúde. A sua implementação
ocorre de quatro maneiras: cursos intensivos, acompanhamento pedagógico
aos professores, intercâmbio com outras escolas indígenas e programa
de formação de professores indígenas, além de pesquisa e estudos autônomos.
A terceira edição do curso - Economia, Ecologia e Tecnologia - está
inserida na proposta curricular que prevê a realização de oito cursos
intensivos, ainda em fase de elaboração. Os dois cursos anteriores
- Terra, realizado em julho de 2001, e Economia e Ecologia, em maio
do ano passado - foram aprovados pelo Ministério da Educação, por
meio da Coordenação Geral de Apoio às Escolas Indígenas (CGAEI/MEC).
Segundo relatório do coordenador do programa, Marcos Oliveira, a situação
das 78 escolas beneficiadas pelo projeto é bastante diversificada.
Há aldeias que dispõem de escola há mais de dez anos. É o caso de
Catrimani e Aracá. Outras, como Bicho Açu e Saula, têm escola há pouco
meses. As aldeias de Demini, Toototobi e Paapiu ganham destaque pela
atuação dos professores, que, com experiência de quatro ou cinco anos
de docência, já alfabetizaram muitos alunos. Há escolas, como no Parafuri,
em que os professores ainda estão em processo de alfabetização.
Em
algumas outras, como as do Ajuricaba e Demini, já estão equipadas
com computadores. E ainda outras, como Kona e Raita, carecem de espaço
físico destinado ao uso específico de uma escola. Todas as escolas
têm dois pontos em comum: são mantidas por organizações não-governamentais
ou pela igreja e não têm ainda o reconhecimento dos Conselhos de Educação
dos estados de Roraima e Amazonas.
O material didático das escolas yanomami é elaborado em conjunto pelos
professores indígenas, assessores das organizações de apoio e consultores
convidados. A maior parte do material é produzido nas línguas yanomami.
Já o calendário escolar é definido por cada comunidade, levando em
contas suas necessidades e prioridades.
Durante o último curso de formação de professores, realizado em 2002,
foi elaborada a primeira versão do Projeto Político Pedagógico das
Escolas Yanomami (PPP-Yanomami) que foi submetido aos Conselhos Estaduais
de Educação de Roraima e do Amazonas. No documento encaminhando o
projeto, os líderes e professores indígenas cobraram das respectivas
Secretarias Estaduais de Educação o reconhecimento das escolas, de
modo a garantir o recebimento de materiais escolares e os devidos
salários dos docentes . Neste terceiro curso, o tema será retomado,
juntamente com o debate sobre o currículo de formação dos professores.
Além do aprendizado da língua portuguesa, os professores yanomami
querem ampliar seus conhecimentos sobre matemática, já iniciados no
curso anterior. Assim, um dos principais objetivos da formação continua
sendo capacitar os professores yanomami a efetuar operações aritméticas
em diversas situações, especialmente naquelas que envolvem, entre
outras, comercialização, censo, medidas, calendário e orçamentos.
Será utilizado o ábaco e realizadas atividades práticas que envolvem
o uso do dinheiro, com simulações de compra e venda de mercadorias.
Durante o atual curso, a intenção é estimular os professores Yanomami
a uma reflexão crítica sobre a produção de mercadorias, com suas opções
tecnológicas e conseqüências sociais (desigualdade social, má distribuição
de renda, exploração da força de trabalho) e ambientais (resíduos
do processo de produção e lixo). Serão incluídas na pauta as alternativas
econômicas que os Yanomami pretendem criar ou incrementar.
A temática da tecnologia, inserida nesta terceira edição do curso,
dá continuidade ao trabalho com os mapas da Terra Indígena Yanomami,
iniciado no primeiro curso. O objetivo desta vez é ensinar os Yanomami
a interpretar as imagens de satélite de sua terra. Para isso, a CCPY
vai pôr à disposição dos professores indígenas imagens de satélite
de toda a Terra Indígena Yanomami, como parte de um projeto financiado
pela Fundação Cartier.
Ministro
da Justiça almoça com professores yanomami
O
ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, reuniu-se no dia 12 último
com os professores que participam do III Curso de Formação para o
Magistério, na Casa Paulo VI, em Boa Vista. O ministro almoçou com
o grupo e segundo o professor yanomami da aldeia Ajuricaba, Antonio
Paquidari, o encontro foi importante para que o ministro pudesse "ver
de perto a nossa cultura, nossos projetos e a nossa capacidade de
nos comunicarmos através da leitura e da escrita". Uma sessão de xamanismo
por Levi Yanomami do Toototobi abriu a reunião organizada após o almoço
com explicações de Davi Kopenawa sobre a importância fundamental deste
aspecto da cultura yanomami para sua continuidade.
Embora demarcada, a Terra Indígena Yanomami ainda é alvo da ganância
e da falta de escrúpulos de garimpeiros e fazendeiros, fato sublinhado
por Davi em sua fala durante o evento. O encontro do ministro com
os líderes e professores indígenas foi mais uma oportunidade de reivindicar
do Estado brasileiro uma atuação mais firme e rigorosa contra as invasões
da Terra Yanomami, considerando todo o impacto negativo que essas
ações representam para a cultura e a saúde yanomami. Por fim, os Yanomami
reafirmaram o seu apoio inconteste à homologação da demarcação da
Terra Indígena Raposa Terra do Sol, como área contínua, conforme promessa
do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e entregaram ao ministro
os documentos apresentados a seguir.
CARTA DOS PROFESSORES YANOMAMI AO MINISTRO
Boa Vista, 11 de Junho de 2003.
Senhor Ministro da Justiça
Márcio Thomaz Bastos
Tradução para a Língua Portuguesa:
As lideranças Yanomami e nós, jovens Yanomami, fizemos esta carta.
Nós Yanomami queremos ajudar nossos parentes Macuxi. Os que vivem
aqui, em Roraima, não querem que o Presidente Luiz Inácio Lula da
Silva faça a homologação das terras Macuxi. Por isso nós, Yanomami,
ficamos muito tristes. Os que vivem em Roraima querem arrancar nossa
floresta, por isso nós também falaremos em defesa deles.
Vocês, autoridades, devem fazer rapidamente a homologação das terras
Macuxi. É a terra deles, por isso eles devem morar lá. Quando vocês,
autoridades, preservarem as terras deles, nós, Yanomami, também ficaremos
felizes. Quando isso ocorrer, nós, Yanomam,i e vocês, brancos, todos
nós, viveremos bem e com saúde.
Nós, professores Yanomami, fizemos este documento.
Vocês, grandes homens, autoridades, devem ver este documento, vocês
nos ajudarão. Quando nós vamos à cidade nós nos sentimos carentes,
pois não temos documentos. Por isso, nós queremos nossas carteiras
de identidade, nosso CPF. Nós queremos também poder fazer outros documentos,
quando você ordenar o pessoal da Funai de Roraima e do Amazonas.
Você é um grande homem, uma autoridade, você é ministro, por isso,
ordene.
No início nós pedimos documentos à Funai, mas eles não nos responderam.
Por isso queremos pedir agora novamente a você. Agora você realmente
nos ouve. Você é importante, se não nos ajudar, os documentos não
surgirão. Se não tivermos documentos não conseguiremos nossos salários.
Se você nos ajudar com os documentos, nós, professores Yanomami, ficaremos
muito felizes. Quando você nos ajudar, nós lhe demonstraremos toda
nossa amizade
. Há ainda outras palavras. Não nos esqueça. Vocês devem resguardar
nossa floresta. Os garimpeiros ainda insistem em vir à nossa floresta.
Há também fazendeiros. Vocês devem retirá-los rapidamente de nossas
terras. Nós não os queremos, pois não desejamos voltar a sofrer com
as grandes epidemias. Já foram feitas a demarcação e a homologação
de nossa terra, mas há ainda fazendeiros que vivem dentro dela, no
Ajarani. Garimpeiros ainda trabalham no alto do rio Catrimani (Wakathau).
Há também garimpeiros em outros locais: Paapiu, Surucucu, Parafuri,
Koniu, Ericó, Parimiu, Uraricuera, Baixo Mucajai, Baixo Catrimani,
Maturacá (Amazonas), Yawaratau.
CARTA DOS AGENTES YANOMAMI DE SAÚDE AO MINISTRO
Boa Vista, 11 de junho de 2003
Exmo. Sr.
Sim, Senhor Ministro da Justiça, enquanto 'grande homem' (liderança),
escute a voz dos Yanomami.É assim que nós pensamos.
Se o Senhor, 'homem importante', escrever para a demarcação da Raposa/Serra
do Sol, nós, Yanomami, estaremos felizes. De fato, nós queremos ajudar
os parentes que moram nesta terra e por isto escrevemos estas palavras.
Os Macuxi há muito tempo pediram esta demarcação, mas ela não aconteceu.
Por isso, hoje, nós, Yanomami, queremos dar nosso apoio a eles.
Assim sendo, Senhor Ministro da Justiça, faça realmente esta demarcação
agora e não nos engane! Há muito tempo os brancos nos enganaram com
isto, e não queremos mais ser enganados.
Sim, Senhor Ministro da Justiça, temos outra coisa a dizer, porque
quando chegamos à cidade ouvimos uma notícia, uma notícia ruim e por
isso queremos clarear as coisas. Os políticos de Roraima falaram mal
das ONGs e nós, todos os Yanomami, ficamos preocupados. Por isso,
Senhor Ministro, queremos que o Senhor fique ciente: estas ONGs trabalham
muito bem; assim, no começo, a malária era muito grande entre nós
e as ONGs a reduziram muito agora. Por isso, quando os políticos de
Roraima falam estas coisas, por favor, não escute as palavras deles.
Sim, nós contamos as coisas para o Senhor da maneira como nós, Yanomami,
pensamos, para que agora elas fiquem claras para o Senhor. Por isso,
não escute só os políticos daqui, escute também a palavras dos indígenas.
Se o Senhor fizer isto, vai ser realmente muito bom.
Sim, é isto que nós, Yanomami, queríamos dizer ao Senhor, por isto
escrevemos estas palavras.
Nós, verdadeiros Yanomami que fizemos esta escrita, colocamos nossos
nomes aqui.