Yanomami
realizam assembléia e cobram a retirada de invasores da
Terra Indígena
O
avanço de invasores – garimpeiros, pescadores e madeireiros
– sobre a Terra Indígena Yanomami (TIY) continua
sendo a maior preocupação dos índios. Líderes
de 15 regiões da TIY reuniram-se em assembléia,
dia 11 de janeiro, no Baixo Mucajaí para discutir e avaliar
os principais problemas afetando a terra indígena. Ao final
do encontro, foi elaborada uma carta destinada as administrações
governamentais que atuam na área bem como ao Ministério
Público, na qual os Yanomami reivindicam a retirada dos
invasores de suas terras e a manutenção dos representantes
das organizações não-governamentais brasileiras
que os apoiam nos setores da educação e saúde.
Os Yanomami pedem ainda que sejam realizados exames nos peixes
e nos rios para a identificação de possíveis
poluentes que estariam afetando a sua saúde. Participaram
da assembléia representantes da Comissão Pró-Yanomami
(CCPY), da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA
de Roraima e de Brasília), da URIHI-Saúde Yanomami,
da Diocese de Roraima e da Missão Evangélica da
Amazônia (MEVA).
Abaixo a íntegra do documento, assinado por representantes
das regiões de Demini, Paapiú, Maloca Paapiú,
Missão Catrimani, Toototobi, Alto Catrimani, Xitei, Ericó,
Uraricoera, Saúba, Alto Mucajaí, Baixo Mucajaí,
Haxiú e Hakoma (Surucucus).
Íntegra
da Carta
“Baixo
Mucajaí, 11 de janeiro de 2004”.
Nós aqui nos reunimos em 2004 e fizemos a Assembléia
Yanomami. Nós não nos reunimos à toa. Os
napëpë (os não-índios) estão destruindo
a nossa floresta e por isso nós fizemos este documento.
Nossa população vem aumentando. Nós Yanomami
não queremos que a nossa população diminua
outra vez. Por isso, a vocês autoridades da Procuradoria
Geral da República mandamos este documento.
Nós lideranças yanomami de várias regiões
(Surucucu, Demini, Papiu, Maloca Papiu, Missão Catrimani,
Toototopi, Alto Catrimani, Xitei, Ericó, Uraricoera, Saúba,
Alto Mucajaí, Haxiú, Baixo Mucajaí e Hakoma)
participamos da Assembléia e assim decidimos: os garimpeiros,
os madeireiros, os colonos e fazendeiros do Repartimento (Ajarani),
os pescadores, nenhuma dessas pessoas queremos em nossa terra,
porque essas pessoas trazem epidemias e destroem. E o que elas
destroem? Destroem os rios e a floresta, fazendo desaparecer os
peixes e a caça. O fogo já queimou nossa floresta
duas vezes. Não queremos outro incêndio de novo.
Por isso, nós lideranças pedimos a vocês autoridades
que nos ajudem, para que essa destruição acabe.
Pedimos também que se façam exames nos peixes e
nos nossos rios para ver se estão doentes, porque nós
achamos que eles estão.
Hoje nós estamos com saúde. Por isso não
queremos que as organizações que trabalham com saúde
saiam da terra yanomami. Queremos que a Urihi, a Diocese/RR e
a Meva continuem trabalhando junto com a Funasa, cuidando da nossa
saúde.
Pedimos que vocês autoridades napëpë nos ouçam.”
Funai
realiza nova operação contra garimpeiros na Terra
Indígena Yanomami
Fundação
Nacional do Índio (FUNAI), Polícia Federal (PF) e
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA) realizaram, em dezembro último, uma operação
conjunta para a destruição de pistas clandestinas
e retiradas de garimpeiros invasores da Terra Indígena Yanomami,
situada nos estados do Amazonas e Roraima.
Durante 16 dias – 7 a 23 de dezembro – 34 homens (18
agentes da PF, 12 da FUNAI e 4 do IBAMA) dinamitaram quatro pistas
clandestinas, além de destruírem ranchos, acampamentos
e pequenas plantações. Segundo o coordenador de Proteção
às Terras Indígenas da Coordenação Geral
de Patrimônio Indígena e Meio Ambiente da FUNAI, Wagner
Tramm, as últimas operações ocorreram há
cinco anos atrás. Nesse intervalo, a Terra Indígena
Yanomami tem sido alvo freqüente da ação dos
garimpeiros. Hoje, a Funai estima que cerca de 200 garimpeiros retornaram
à terra dos Yanomami.
O administrador da FUNAI em Boa Vista, Marinho Alves denunciou que,
em certas regiões, os garimpeiros estão armando os
Yanomami e acirrando conflitos entre as aldeias a fim de facilitar
sua entrada e permanência na Terra Indígena. Para se
contrapor a essa prática, a FUNAI está tentando substituir
as armas por trocas de objetos úteis aos Yanomami como machados,
facões e sementes.
Em agosto de 2003, os Yanomami denunciaram que os garimpeiros haviam
intensificado as invasões em suas terras. Alertaram as autoridades
sobre esta situação e exigiram a imediata retirada
dos garimpeiros, em função do impacto altamente negativo
que causam à saúde da população indígena
e aos recursos naturais. Na ocasião os Yanomami registraram
os horários dos vôos e mapearam os locais onde os garimpeiros
estavam implantando novas pistas clandestinas para pouso de monomotores.
Apesar da persistência dos garimpeiros em invadir a Terra
Indígena Yanomami, os índios estão cada vez
mas preparados para monitorar e denunciar essas investidas. Assim,
no início de dezembro, um grupo de quatro garimpeiros foi
detido pelos índios na região do Paapiú. Os
invasores foram levados ao posto da FUNAI e os Yanomami ficaram
na expectativa de que seriam presos em Boa Vista e, assim, não
mais retornariam à terra indígena.
A presença de garimpeiros na Terra Indígena Yanomami
tem deixado, desde o fim dos anos oitenta, um rastro de destruição
com a contaminação dos rios pelo lançamento
de mercúrio, incitamento aos conflitos inter-aldeias e a
transmissão de doenças como DST (doenças sexualmente
transmissíveis), malária, gripe e tuberculose, responsáveis
pela mortalidade entre os Yanomami.
As ações inescrupulosas dos garimpeiros, além
de constituírem uma ameaça à vida dos índios
e à integridade do meio ambiente, implicam altos gastos de
recursos federais, em função da realização
periódica de operações de extrusão da
área, e do contrabando de riquezas para fora do território
nacional sem pagamento dos devidos impostos. O administrador regional
da Funai Martinho Alves estima que os garimpeiros já retiraram
da terra indígena cerca de R$ 6 milhões em ouro. Nenhuma
parcela desses recursos favoreceu os índios, os cofres do
estado de Roraima ou da União.
Yanomami
temem paralisação na assistência em saúde
Como
expressaram na sua assembléia de Mucajaí, os Yanomami
também estão hoje preocupados com as mudanças
que possam ocorrer a partir do novo modelo de atenção
à saúde dos povos indígenas que passa a entrar
em vigor, a partir de recentes portarias (n°69 e 70 de 20 de
janeiro de 2004) editadas pela Fundação Nacional de
Saúde (FUNASA). A instituição decidiu assim
reassumir, a partir de 2004, a execução direta das
ações de assistência à saúde dos
índios. O novo modelo estabelece ainda que a FUNASA será
responsável pelas aquisições de medicamentos,
transporte da equipes de campo e combustível, além
de obras e licitações. Pelo novo modelo, os convênios
com as organizações não-governamentais e outras
entidades parceiras funcionarão apenas de forma classificada,
sem maiores precisões, como “complementar”, parecendo
reduzir, de fato, seu papel efetivo essencialmente à contratação
e formação de pessoal e participação
em instância de controle social.
De 1991 até 1999, as ações governamentais de
execução direta da assistência sanitária
na área Yanomami (pela então FNS, Fundação
Nacional de Saúde) foram insuficientes para conter o avanço
de doenças como a tuberculose, malária, verminose,
sarampo, gripe, coqueluche, desnutrição infantil entre
outras que, por pouco, não dizimaram a população
Yanomami, hoje estimada em cerca de 22 mil indivíduos, dos
quais 13.600 em território brasileiro, nos estados de Roraima
e Amazonas, e o restante na Venezuela.
O início desta situação sanitária desastrosa
começou com a invasão maciça de garimpeiros
na Terra Indígena Yanomami no fim dos anos oitenta e começo
dos noventa, deixando um saldo trágico: a morte de cerca
de 15% da população Yanomami.
A inversão dessa tragédia começou a partir
do fim de 1999 com a intensificação das ações
de saúde promovidas pela organização não-governamental
URIHI-Saúde Yanomami convidada pela FUNASA a assumir a assistência
sanitária em grande parte da terra indígena. Em 2000,
a malária afetava ainda 47% da população Yanomami
que começava a ser assistida pela Ong. Em 2002, já
tinha tido uma queda de 98% no índice anterior. Nos últimos
três anos, não houve qualquer registro de morte por
malária entre os Yanomami assistidos pela entidade. Desde
2001, a organização também conseguiu consideráveis
avanços no tratamento da tuberculose, evitando, inclusive,
o deslocamento e a internação de portadores da doença
para Boa Vista. As mudanças ocorridas na forma de diagnosticar
e no tratamento reduziram em 69% o número de casos em comparação
com 1999, quando houve 35 ocorrências nas áreas atualmente
atendidas pela URIHI.
A URIHI reverteu também a elevada taxa de mortalidade infantil
na Terra Indígena Yanomami. Para isso, passou a realizar
acompanhamento sistemático do crescimento e do desenvolvimento
das crianças com menos de cinco anos de idade, em sua maioria
vítimas de acentuado grau de desnutrição (peso
inferior em 60% ao normal para a faixa etária). Nos últimos
três anos, o coeficiente anual de mortalidade infantil caiu
em 63%. Isso significa que comparando esse coeficiente com os de
1998, foi constatado que, de 161 a cada mil habitantes, por ano,
a média do primeiro semestre de 2003 foi de 45,7/mil habitantes.
Até maio de 2003, a URIHI prestava assistência direta
a 6.011 yanomami (44,52% da população estimada), distribuídos
em 142 comunidades de nove diferentes regiões. A partir de
junho, a URIHI expandiu seu trabalho, a pedido da FUNASA, para 16
regiões, abrangendo 7.110 índios, o equivalente a
52,6% da população total dos Yanomami no Brasil. O
convênio atual da URIHI com a FUNASA vigora até abril
de 2004. Sua renovação encontra-se hoje ameaçada
pela decisão governamental de voltar a um sistema de execução
direta da assistência em saúde pela FUNASA na Terra
Indígena Yanomami.
Yanomami
esperam que Justiça determine a saída de fazendeiros
do igarapé Repartimento
Os
Yanomami iniciam 2004 com expectativa que a Justiça Federal
decida favoravelmente às suas comunidades da região
do Ajarani (igarapé Repartimento) indevidamente ocupada por
fazendeiros. Estes invasores recorreram à Justiça
para garantir sua permanência nas terras Yanomami, embora
toda a documentação histórica comprove que
a região é ocupada por este povo indígena pelo
menos desde o começo do século passado . Os Yanomami
do Ajarani reivindicam na Justiça Federal respeito aos limites
da Terra Indígena Yanomami, demarcada em 1991 e homologada
em 1992.
Hoje, a área do igarapé Repartimento (Ajarani) é
objeto de disputa entre índios e fazendeiros em ação
judicial que tramita no Tribunal Regional Federal e aguarda decisão
pela 5ª Turma. O julgamento, marcado para setembro de 2004,
foi adiado com o pedido de vista apresentado pelo desembargador
João Batista Moreira.
Há mais de 13 anos está se arrastando no Judiciário
este processo de extrusão da Terra Indígena Yanomami.
Desde, então, os agricultores e fazendeiros têm se
revelado uma ameaça constante à integridade ambiental
da área indígena e ao bem estar das comunidades indígenas.
O desmatamento e as continuadas práticas de limpeza com fogo
das áreas de plantio e de pastos têm tido efeitos desastrosos
sobre o equilíbrio ambiental da região. Os grandes
incêndios que afetaram Roraima nos últimos anos resultaram,
em grande parte, dessas práticas rudimentares e altamente
destrutivas.
O impacto dos desmatamentos e das queimadas causou uma redução
drástica da caça, indispensável à alimentação
da população indígena. No período das
chuvas, o lixo produzido pelas fazendas é arrastado para
os rios, poluindo as águas e agravando os problemas de saúde
dos Yanomami na região. A convivência com a população
não-indígena indo e vindo das cidades (Boa Vista,
Caracaraí) e das vilas locais induz também uma constante
transmissão de doenças às comunidades indígenas.
Finalmente, na tentativa de cooptar os índios, os fazendeiros
oferecem-lhes também regularmente bebidas alcoólicas.