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Assassinato de funcionário da Funai expõe inoperância do Estado

Problema da parceria da Funasa com a Urihi Saúde Yanomami continua

Yanomami da Venezuela enfrenta crise na saúde


Assassinato de funcionário da Funai expõe inoperância do Estado

No dia 23 de janeiro de 2004, o funcionário da Fundação Nacional do Índio, Valdez Marinho Lima, índio Xerente, 39 anos de idade, foi assassinado por garimpeiros que continuam agindo ilegalmente no rio Couto de Magalhães, região do Paapiú, Terra Indígena Yanomami. Ele não foi a primeira e, possivelmente, não será a última vítima da incompetência dos gestores da atual política indigenista e da inoperância estatal em lidar com invasores naquela terra indígena.

A maneira como o Estado brasileiro tem combatido os garimpeiros, o chamado Plano Operacional de Retirada de Garimpeiros do Interior da Terra Indígena Yanomami, tem se mostrado insuficiente para resolver o problema. Falta-lhe um serviço de inteligência que permita rastrear o movimento de garimpeiros e identificar os indivíduos e as estruturas que promovem e mantêm as atividades de garimpo dentro da área indígena.

Valdez Lima foi vítima da distorção gerada pela competição por poder criada pelo garimpo que, à semelhança do crime organizado, põe os garimpeiros em pé de igualdade com os policiais federais em termos de armamento e logística. Desde o governo Collor o governo brasileiro vem tentando evacuar a Terra Yanomami utilizando, entre outras estratégias, a mesma técnica de explosão de pistas clandestinas, sem sucesso duradouro. Uma semana antes do Natal de 2003, algumas pistas foram dinamitadas, mas, já no início de janeiro, todas estavam novamente em uso. As autoridades sabem que em questão de horas os garimpeiros recuperam as pistas danificadas e voltam a operar suas aeronaves, numa demonstração de desafio frontal ao poder do Estado que, até agora, não encontrou um modo de pôr um fim a essa criminalidade de uma vez por todas.

Políticos locais argumentam que a demarcação das terras indígenas em áreas contíguas às de países vizinhos deixam as fronteiras nacionais vulneráveis a invasões. Nada poderia ser mais falso. Não fosse pelos índios e pelos servidores de campo da Funai, a vigilância da fronteira estaria seriamente comprometida e maiores seriam as invasões. O papel dos índios brasileiros como verdadeiros guardiões das fronteiras é explicitamente reconhecido pelo próprio exército brasileiro que mantém dois pelotões de fronteira na Terra Yanomami. “A grande realidade é que somente aqueles que conviveram ou que convivem com os indígenas, seja dentro de uma reserva indígena ou não, sabem da importância que eles desempenham na manutenção da Integridade Nacional, em particular no tangente a área de segurança, pois eles conhecem como ninguém a região onde habitam, sendo então um grande aliado para os órgãos federais no cumprimento de seus deveres constitucionais (FUNAI, PF e FA)”. Este é o depoimento do Comandante do 5º Pelotão Especial de Fronteira em Auaris, no extremo norte da Terra Indígena Yanomami.

Apesar da retórica sobre defesa nacional e preservação do patrimônio do estado, os discursos dos políticos de Roraima nunca incluem, nem chegam mesmo a mencionar a predação garimpeira e os danos que causa ao meio ambiente e ao bem-estar social.

A morte de Valdez Lima é mais uma trágica demonstração da impotência do Estado face à organização ilícita desses predadores. A CCPY lamenta profundamente a perda desse abnegado servidor do Estado brasileiro que cumpria o seu papel de defensor dos Yanomami.


Problema da parceria da Funasa com a Urihi Saúde Yanomami continua

Apresentamos a seguir a nota divulgada pela coordenação da Urihi.

“Durante a reunião ocorrida no dia 25 de março em Brasília, não houve acordo entre a organização não governamental Urihi e a FUNASA para a assinatura de um novo convênio para dar continuidade às ações de saúde para cerca de 50% da população Yanomami.

Durante o encontro ficou evidente o intransigente interesse da direção da FUNASA de assumir o controle de recursos essenciais para a assistência no Distrito Sanitário Yanomami (DSY), como o transporte aéreo e terrestre e a compra de medicamentos e combustíveis, sem que o órgão tenha realizado qualquer ação concreta no sentido de adquirir capacidades técnica e operacional para tanto.

É importante lembrar que, durante a década de 90, quando a FUNASA foi responsável pela execução direta das ações no DSY e a situação de saúde dos Yanomami era um escândalo internacional, ocorreram graves crises de abastecimento e falta de transporte por deficiências operacionais, além de inúmeras irregularidades já apuradas por auditorias oficiais.

A Urihi não se opõe à transferência da totalidade ou de parte de suas atividades atuais no DSY para a FUNASA. Pelo contrário, desejamos unicamente que esta transição ocorra de forma responsável, a partir de um processo de fortalecimento técnico, administrativo e político da instituição que garanta que as extraordinárias conquistas na saúde dos Yanomami não sejam ameaçadas.

Ficou acertado que o convênio da Urihi, assim como os da Diocese de RR, Secoya e IBDS, que também atuam no DSY, será prorrogado por um prazo de 3 meses, período no qual será elaborado o Plano Distrital 2004/2005, a ser aprovado no Conselho Distrital de Saúde, com a participação das lideranças indígenas.

Esperamos que no decorrer deste tempo o governo reavalie a condução da implantação das novas diretrizes, colocando o interesse público em primeiro lugar.

Boa vista, 27 de março de 2004
URIHI – Saúde Yanomami”

O colapso das negociações entre a Funasa e a Urihi pode comprometer seriamente a continuidade da assistência á saúde dos Yanomami. A possível interrupção dos serviços de saúde foi uma preocupação já manifestada pelo Conselho Distrital do Distrito Sanitário Yanomami (DSY). Reunido de 8 a 10 de março, em Boa Vista, o Conselho divulgou um documento de avaliação do modelo de gestão, destacando que é “notória a atual falta de condições da Funasa em assumir, de imediato, a execução da saúde indígena”.

No documento, o Conselho Distrital reconhece que a condução da política de saúde indígena é atribuição do governo federal. No entanto, o direito de controle social da execução dessa política deve ser garantido aos povos indígenas. Lembra também que, a partir de 1999, a saúde indígena foi reestruturada graças à experiência das organizações não governamentais na prestação da assistência em contraste com a deficiência estrutural da Funasa para atender às demandas no setor. Com essa mudança o DSY passou a contar com o trabalho de várias organizações da sociedade civil, dentre as quais, a Urihi-Saúde Yanomami que apresentou resultados extremamente positivos no combate às principais doenças que afetavam esse povo, como malária, tuberculose, leishmaniose, principalmente depois das invasões garimpeiras. (Ver em anexo a íntegra do documento do Conselho Distrital).

Essas apreensões já haviam sido manifestadas por outras instituições. O Conselho Geral da Tribo Ticuna (CGTT) entendeu que do ponto de vista político a decisão foi autoritária, e rebateu as afirmações de Ricardo Chagas, diretor do Departamento de Saúde Indígena (Desai), de que as ONGs são “poderes paralelos que transgridem a lei”. Para os Ticuna, o diretor fechou intencionalmente o diálogo entre o Desai e as organizações conveniadas com a Funasa.

Por sua vez, o Instituto Socioambiental (ISA), embora reconhecendo o direito do Estado brasileiro de mudar suas políticas, questiona até que ponto esse Estado terá condições de manter o atual padrão de assistência à saúde indígena, e conclui: “A história recente demonstra que não”. O ISA cita como exemplo a situação dos Yanomami que, entre 1999 e 2003, teve uma redução bastante acentuada dos casos de malária e mortalidade infantil, em contraste gritante com o período anterior, quando o atendimento era de responsabilidade exclusiva da Funasa.

O ISA cita a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e o Conselho Indígena de Roraima (CIR) segundo os quais a política anunciada pela Funasa equivale a “um andar para trás”. Para o Instituto, essa insatisfação das organizações não-governamentais deve-se ao fato de que a proposta da Funasa agradou aos políticos de Roraima, inimigos históricos dos povos indígenas, por retirar das ONGs a execução da saúde indígena.


Yanomami da Venezuela enfrenta crise na saúde

A assistência à saúde dos Yanomami da Venezuela passa por um momento crítico. Somente no Alto Orinoco houve uma redução de 60% nos atendimentos médicos. Faltam medicamentos e combustível, além de funcionários capacitados no distrito sanitário local. Para agravar a situação, o órgão indigenista daquele país, passou a autorizar o turismo na região. Embora o orçamento para o Plano de Saúde Yanomami já esteja liberado, sua execução tem sido protelada por falta de definição sobre qual será a instituição gestora. Aparentemente, cogita-se de uma ONG.

Em fevereiro de 2004, o Ministério da Saúde venezuelano organizou um encontro na cidade de La Esmeralda do qual participaram o próprio ministro, autoridades do governo, médicos tradicionais e xamãs yanomami. Na ocasião, o ministro revelou que o governo está definindo novas políticas de saúde para os índios e que há interesse em incorporar esses médicos tradicionais e xamãs na sua execução. Vista com preocupação por alguns profissionais não ligados ao governo que trabalham com saúde indígena, a proposta contempla a criação de uma escola de xamãs, um censo que identifique os autênticos e o pagamento de salários para que trabalhem em regime de tempo integral.

Além disso, o ministério pretende apoiar um programa de formação de indígenas em medicina simplificada e criar um conselho regional de saúde indígena composto por xamãs. Enquanto perdura essa indefinição do governo, o Caicet, instituto de pesquisas biomédicas financiado pelo Estado venezuelano, tem coordenado visitas pontuais a algumas áreas para vacinar e dar atendimento emergencial.


Boletim Pró-Yanomami Nº 47 - Fechamento: 29/03/2004
Coordenação Editorial: Alcida Rita Ramos, Bruce Albert, Jô Cardoso de Oliveira
Redação: Rosane A. Garcia
Distribuição e Secretaria: Andréia Laraia Ciarlini


 

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