Davi
Yanomami decepciona-se com o Governo Lula
“O
Lula nos enganou”, afirmou Davi Kopenawa, expressando a decepção
dos líderes indígenas com a atual política
indigenista do governo federal, no lançamento do Fórum
em Defesa dos Direitos Indígenas, dia 23 último, na
sede da Procuradoria Geral da República. A declaração
do líder indígena está relacionada à
política oficial que trilha um caminho diferente do que fora
prometido durante a campanha presidencial, em 2001.
Cresce
a violência contra os povos indígenas, os territórios
não estão sendo demarcados e há crise no atendimento
à saúde. Mas, dentre todos os problemas, Davi qualificou
como inaceitável a intenção do governo federal
de abrir as terras indígenas à exploração
mineral. Essa disposição do governo é agravada
pelo fato de as comunidades não serem ouvidas sobre a proposta
de regulamentação da atividade mineradora em suas
terras.“Eu falo isto porque ele não fala com os índios,
se ele quer usar os recursos naturais, ele fala com o dono da terra
indígena. Tem que escutar nós também, povos
indígenas, da floresta”, declarou Davi que acusou o
presidente Lula de mentir aos povos indígenas durante a campanha
eleitoral. “(...) ele ia para as áreas indígenas
só para agradar a gente. Ele foi em Boa Vista, na terra dos
Macuxi, e disse que ia homologar a Raposa/Serra do Sol (...)”
Em discurso indignado, afirmou que seu povo não quer a mineração
em suas terras, recordando a amarga experiência vivida por
eles durante a invasão garimpeira de 1987 que quase dizimou
o grupo. “Os povos indígenas já sofreram, Yanomami
já morreram e agora temos experiência de como foi ruim
para nós. Agora, o governo nunca sofreu como nós sofremos
(...) com a malária, com a gripe e com a tuberculose”,
afirmou. Enquanto os índios padecem com as doenças,
o governo, segundo Davi, está na cidade “na boa, gastando
dinheiro”, sem saber o que significa contrair malária.
Além das doenças, a mineração implica
a destruição dos recursos ambientais e a contaminação
dos rios. “Os rios que nascem na terra indígena, vão
contaminar tudo”, advertiu.“A terra é patrimônio,
não pode ser destruída, tem que ser preservada e respeitada.
O governo brasileiro está desrespeitando os povos indígenas
e as terras do Brasil”, afirmou o Davi, enfatizando que os
Yanomami repudiam a mineração em suas terras.
Condenou o Projeto de Lei 1.610/96, de autoria do senador Romero
Jucá (PMDB-RR), regulamentando a extração de
minérios em áreas indígenas e lembrou que o
senador já foi presidente da Fundação Nacional
do Índio, período em que os índios foram igualmente
enganados. Agora Jucá está propondo uma “lei
suja” e “criminosa”. Segundo Davi, há cerca
de 520 mineradoras interessadas em explorar a Terra Yanomami, esperando
apenas a aprovação do projeto do senador que facilita
o seu ingresso na terra indígena. Ele repetiu que os índios
não querem a presença das empresas em suas terras.
O temor de Davi e de outros líderes indígenas justifica-se
pela rápida tramitação do projeto de Romero
Jucá nos últimos meses. O senador utiliza o recente
conflito entre garimpeiros e os índios Cinta Larga, em Espigão
D´Oeste (RO) para reforçar a necessidade de aprovação
da sua proposta. Líderes indígenas e as organizações
que atuam com as comunidades não foram ouvidos para opinar
sobre o projeto, deixando claro que o objetivo é mesmo abrir
todas as áreas às empresas de mineração.
O representante dos Yanomami criticou também a Fundação
Nacional do Índio. Como órgão responsável
pela execução da política indigenista, não
abriu diálogo com os povos indígenas sobre os projetos
do governo. Junto com Davi vieram para a instalação
do Fórum Antonio Yanomami (Toototobi), Genivaldo Yanomami
(Paapiú), Denílson Borari Yanomami (Paapiú
Novo), Raimundo Yanomami (Catrimani I), Edmar Yanomami (Demini)
e Rafael Wanari Yanomami (Balawaú).
Segue
a íntegra do discurso de Davi Kopenawa no lançamento
do Fórum em Defesa dos Direitos dos Indígenas, 23
de junho de 2004.
Bom
dia a todos. Agradeço vocês que me convidaram para
conversar aqui. Estou aqui, nesse momento de luta para defender
os nossos direitos. Os brancos estão atacando nós,
querendo destruir a natureza, a nossa terra.
O governo está voltando atrás. Está querendo
matar mais os povos indígenas do Brasil, como aconteceu com
nossos antepassados. Não estou gostando dessa política.
Não estou gostando do governo do Lula, eu falo a verdade
[e porisso] não tenho medo do governo, não estou roubando....
mas ele está querendo acabar com o povo indígena,
com a nossa terra, destruir. Eu falo isto porque ele não
fala com os índios, se ele quer usar os recursos naturais,
ele fala com o dono da terra indígena.
Tem que escutar nós também, povos indígenas,
da floresta. Para nós, povos indígenas de Roraima,
[a mineração] é muito ruim. Os povos indígenas
já sofreram,Yanomami já morreram e agora temos experiência
de como foi ruim para nós. Agora, o governo nunca sofreu
como nós sofremos. Como está sofrendo de doença:
malária, gripe, tuberculose. Mas o governo mora aqui na cidade,
na boa, gastando dinheiro, nunca pegou doença de malária.
Eu não vou aceitar que o governo está querendo usar
a nossa terra indígena, onde tem minério, onde tem
ouro. Eu não quero que o governo meta a mão... porque
nós sabemos que para nós não presta, cortar
madeira, colocar veneno no rio, morrer peixe. Os rios que nascem
na terra indígena, vão contaminar tudo. O Lula enganou
nós. Ele é mentiroso. Eu sempre falo isso, porque
é mentira mesmo. Eu estou falando com razão, ele ia
para as áreas indígenas só para agradar a gente.
Ele foi em Boa Vista , terra Macuxi pra homologar terra, homologar
Raposa/Serra do Sol... [referindo-se à promessa do então
candidato Lula à Presidência da República].
Agora,
ele está mentindo em outros países, dizendo que o
índio vai abrir mão para a mineração
entrar em área indígena. Eu não vou querer
mesmo. Porque já morreu meu pai, meu irmão, minha
mãe, já morreram muitos parentes. Branco não
conhece o meio ambiente, não conhece mato, só conhece
no mapa. Nunca sofreu. Nós já sofremos muito de doenças
dos brancos. A Funai também não falou nada, não
chamou os índios para participar [da discussão] da
mineração, Lei do Jucá.... Essa lei do Jucá
é muito suja.
Essa
lei do Jucá para nós não vale nada. É
crime também. Tá querendo matar tudo novamente porque
o Romero Jucá foi presidente da Funai para proteger nós,
e [sua proteção] foi mentira também. Agora,
ele virou senador [PMDB-RR] e está lá em Boa Vista
querendo deixando entrar mineradores. É muita gente! A área
Yanomami é grande, mas 520 mineradoras [mineradoras que pleiteiam
licença para extração mineral na Terra Yanomami]
vão entrar e vão matar muitos parentes. Não
queremos não. Mas se outros parentes quiserem...., vão
garimpar em outro lugar. ..com outros parentes. Os Cinta Larga,
se eles quiserem...
A minha Terra Yanomami está demarcada, homologada e registrada,
conhecida no mundo inteiro. E o governo brasileiro fazendo sacanagem,
maltratando os povos indígenas do Brasil, eles querem deixar
fazer mineração na área Yanomami. Era isso
que eu queria dizer para vocês ...é a minha palavra...sempre
falo porque moro na minha terra. A terra é patrimônio,
não pode ser destruída, tem que ser preservada e respeitada.
O governo brasileiro está desrespeitando os povos indígenas
e as terras do Brasil.