Leia nesta edição:
________________________________________________


Organizações criam fórum em defesa dos direitos indígenas

Davi Yanomami decepciona-se com o Governo Lula



Organizações criam fórum em defesa dos direitos indígenas

Com o apoio da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público ? Comunidades Indígenas e Minorias, foi lançado, dia 23 último, o Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas, na sede da Procuradoria Geral da República, em Brasília. A fim de abrir um canal de diálogo com o governo federal, a iniciativa foi promovida pela Comissão Pró-Yanomami (CCPY), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Instituto Socioambiental (ISA), Frente Parlamentar Indígena, Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Conselho Indígena de Roraima (CIR) e Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

O objetivo do Fórum é debater e acompanhar as políticas públicas e a aplicação dos direitos dos povos indígenas, bem como as proposições em tramitação no Congresso Nacional. Além disso, propõe-se a apoiar as demandas das organizações indígenas e divulgar informações qualificadas sobre a situação dos direitos indígenas no Brasil.

Para as organizações e líderes indígenas, a atual política indigenista representa uma ameaça aos direitos e conquistas dos grupos garantidos na Constituição Federal. Há um claro retrocesso na formulação das políticas públicas dirigidas às comunidades indígenas do País. No manifesto, as instituições ressaltam que a Constituição de 1988 mudou as concepções ideológicas vigentes e ampliou as garantias dos povos indígenas contempladas nas constituições anteriores.

Além disso, assegurou-lhes o respeito à sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Reconheceu o direito dos índios às terras que ocupam. “Inovou conceitualmente ao abandonar a perspectiva assimilacionista, que entendia os índios como categoria social transitória fadada ao desaparecimento”, diz o documento. Segundo as organizações, a Constituição estabeleceu novos marcos nas relações entre o Estado e a sociedade brasileira, de um lado, e os povos indígenas, de outro, melhorando essas relações e efetivando os direitos reconhecidos.

No lançamento do Fórum, as instituições presentes divulgaram um manifesto chamando a atenção para a real ameaça aos direitos indígenas que está em marcha. “Antigos conceitos e pré-conceitos, que balizaram as relações entre Estado e índios, voltam a ser reivindicados por alguns setores do Estado e do governo, amparados nos mesmos argumentos ultrapassados e, como dantes, em interesses privados. Os resultados desse retrocesso já são visíveis no acirramento de conflitos, no aumento da violência contra indígenas, no incremento de posturas racistas e preconceituosas, e na iniciativa de agentes do Estado em cercear a aplicação dos direitos indígenas”.


Davi Yanomami decepciona-se com o Governo Lula

“O Lula nos enganou”, afirmou Davi Kopenawa, expressando a decepção dos líderes indígenas com a atual política indigenista do governo federal, no lançamento do Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas, dia 23 último, na sede da Procuradoria Geral da República. A declaração do líder indígena está relacionada à política oficial que trilha um caminho diferente do que fora prometido durante a campanha presidencial, em 2001.

Cresce a violência contra os povos indígenas, os territórios não estão sendo demarcados e há crise no atendimento à saúde. Mas, dentre todos os problemas, Davi qualificou como inaceitável a intenção do governo federal de abrir as terras indígenas à exploração mineral. Essa disposição do governo é agravada pelo fato de as comunidades não serem ouvidas sobre a proposta de regulamentação da atividade mineradora em suas terras.“Eu falo isto porque ele não fala com os índios, se ele quer usar os recursos naturais, ele fala com o dono da terra indígena. Tem que escutar nós também, povos indígenas, da floresta”, declarou Davi que acusou o presidente Lula de mentir aos povos indígenas durante a campanha eleitoral. “(...) ele ia para as áreas indígenas só para agradar a gente. Ele foi em Boa Vista, na terra dos Macuxi, e disse que ia homologar a Raposa/Serra do Sol (...)”

Em discurso indignado, afirmou que seu povo não quer a mineração em suas terras, recordando a amarga experiência vivida por eles durante a invasão garimpeira de 1987 que quase dizimou o grupo. “Os povos indígenas já sofreram, Yanomami já morreram e agora temos experiência de como foi ruim para nós. Agora, o governo nunca sofreu como nós sofremos (...) com a malária, com a gripe e com a tuberculose”, afirmou. Enquanto os índios padecem com as doenças, o governo, segundo Davi, está na cidade “na boa, gastando dinheiro”, sem saber o que significa contrair malária. Além das doenças, a mineração implica a destruição dos recursos ambientais e a contaminação dos rios. “Os rios que nascem na terra indígena, vão contaminar tudo”, advertiu.“A terra é patrimônio, não pode ser destruída, tem que ser preservada e respeitada. O governo brasileiro está desrespeitando os povos indígenas e as terras do Brasil”, afirmou o Davi, enfatizando que os Yanomami repudiam a mineração em suas terras.

Condenou o Projeto de Lei 1.610/96, de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR), regulamentando a extração de minérios em áreas indígenas e lembrou que o senador já foi presidente da Fundação Nacional do Índio, período em que os índios foram igualmente enganados. Agora Jucá está propondo uma “lei suja” e “criminosa”. Segundo Davi, há cerca de 520 mineradoras interessadas em explorar a Terra Yanomami, esperando apenas a aprovação do projeto do senador que facilita o seu ingresso na terra indígena. Ele repetiu que os índios não querem a presença das empresas em suas terras.

O temor de Davi e de outros líderes indígenas justifica-se pela rápida tramitação do projeto de Romero Jucá nos últimos meses. O senador utiliza o recente conflito entre garimpeiros e os índios Cinta Larga, em Espigão D´Oeste (RO) para reforçar a necessidade de aprovação da sua proposta. Líderes indígenas e as organizações que atuam com as comunidades não foram ouvidos para opinar sobre o projeto, deixando claro que o objetivo é mesmo abrir todas as áreas às empresas de mineração.

O representante dos Yanomami criticou também a Fundação Nacional do Índio. Como órgão responsável pela execução da política indigenista, não abriu diálogo com os povos indígenas sobre os projetos do governo. Junto com Davi vieram para a instalação do Fórum Antonio Yanomami (Toototobi), Genivaldo Yanomami (Paapiú), Denílson Borari Yanomami (Paapiú Novo), Raimundo Yanomami (Catrimani I), Edmar Yanomami (Demini) e Rafael Wanari Yanomami (Balawaú).

Segue a íntegra do discurso de Davi Kopenawa no lançamento do Fórum em Defesa dos Direitos dos Indígenas, 23 de junho de 2004.

Bom dia a todos. Agradeço vocês que me convidaram para conversar aqui. Estou aqui, nesse momento de luta para defender os nossos direitos. Os brancos estão atacando nós, querendo destruir a natureza, a nossa terra.

O governo está voltando atrás. Está querendo matar mais os povos indígenas do Brasil, como aconteceu com nossos antepassados. Não estou gostando dessa política. Não estou gostando do governo do Lula, eu falo a verdade [e porisso] não tenho medo do governo, não estou roubando.... mas ele está querendo acabar com o povo indígena, com a nossa terra, destruir. Eu falo isto porque ele não fala com os índios, se ele quer usar os recursos naturais, ele fala com o dono da terra indígena.

Tem que escutar nós também, povos indígenas, da floresta. Para nós, povos indígenas de Roraima, [a mineração] é muito ruim. Os povos indígenas já sofreram,Yanomami já morreram e agora temos experiência de como foi ruim para nós. Agora, o governo nunca sofreu como nós sofremos. Como está sofrendo de doença: malária, gripe, tuberculose. Mas o governo mora aqui na cidade, na boa, gastando dinheiro, nunca pegou doença de malária.

Eu não vou aceitar que o governo está querendo usar a nossa terra indígena, onde tem minério, onde tem ouro. Eu não quero que o governo meta a mão... porque nós sabemos que para nós não presta, cortar madeira, colocar veneno no rio, morrer peixe. Os rios que nascem na terra indígena, vão contaminar tudo. O Lula enganou nós. Ele é mentiroso. Eu sempre falo isso, porque é mentira mesmo. Eu estou falando com razão, ele ia para as áreas indígenas só para agradar a gente. Ele foi em Boa Vista , terra Macuxi pra homologar terra, homologar Raposa/Serra do Sol... [referindo-se à promessa do então candidato Lula à Presidência da República].

Agora, ele está mentindo em outros países, dizendo que o índio vai abrir mão para a mineração entrar em área indígena. Eu não vou querer mesmo. Porque já morreu meu pai, meu irmão, minha mãe, já morreram muitos parentes. Branco não conhece o meio ambiente, não conhece mato, só conhece no mapa. Nunca sofreu. Nós já sofremos muito de doenças dos brancos. A Funai também não falou nada, não chamou os índios para participar [da discussão] da mineração, Lei do Jucá.... Essa lei do Jucá é muito suja.

Essa lei do Jucá para nós não vale nada. É crime também. Tá querendo matar tudo novamente porque o Romero Jucá foi presidente da Funai para proteger nós, e [sua proteção] foi mentira também. Agora, ele virou senador [PMDB-RR] e está lá em Boa Vista querendo deixando entrar mineradores. É muita gente! A área Yanomami é grande, mas 520 mineradoras [mineradoras que pleiteiam licença para extração mineral na Terra Yanomami] vão entrar e vão matar muitos parentes. Não queremos não. Mas se outros parentes quiserem...., vão garimpar em outro lugar. ..com outros parentes. Os Cinta Larga, se eles quiserem...

A minha Terra Yanomami está demarcada, homologada e registrada, conhecida no mundo inteiro. E o governo brasileiro fazendo sacanagem, maltratando os povos indígenas do Brasil, eles querem deixar fazer mineração na área Yanomami. Era isso que eu queria dizer para vocês ...é a minha palavra...sempre falo porque moro na minha terra. A terra é patrimônio, não pode ser destruída, tem que ser preservada e respeitada. O governo brasileiro está desrespeitando os povos indígenas e as terras do Brasil.


Boletim Pró-Yanomami Nº 50 - Fechamento: 28/06/2004
Coordenação Editorial: Alcida Rita Ramos, Bruce Albert, Jô Cardoso de Oliveira
Redação: Rosane A. Garcia
Distribuição e Secretaria: Andréia Laraia Ciarlini


 

Escritórios da Comissão Pró-Yanomami__________________________

  Brasília:
SCLN 210 Bl "C" sl 209
CEP: 70862 -530 - Asa Norte / Brasília - DF
proyanomamidf@proyanomami.org.br
Tel/Fax: (55 61) - 3347 2980
Boa Vista:
Rua Presidente Costa e Silva, 116
CEP: 69306-030 - São Pedro - Boa Vista - RR
proyanomamibv@proyanomami.org.br
Tel: (55 95) 224-7068 / Fax: (55 95) 224-3441
 
Para informações adicionais favor enviar e-mail para o escritório central da Comissão Pró-Yanomami no seguinte endereço: proyanomamidf@proyanomami.org.br

 
Financiadores:
 
..
 
 
Comissão Pró-Yanomami 2004 - A comissão incentiva a veiculação dos textos desde citadas as fontes.