Como
anunciamos em nosso boletim anterior, a VI reunião do Conselho
Distrital Yanomami e Ye’kuana (Roraima e Amazonas) teve
lugar de 1 a 3 de fevereiro, na Casa de Cura em Boa Vista RR.
A reunião contou com numerosos representantes e consultores
da FUNASA (entre os quais Alexandre Padilha, chefe do Departamento
de Saúde Indígena do órgão) e da Fundação
Universidade de Brasília (FUB-FUBRA), com a qual a FUNASA
mantém seu principal convênio na Terra Indígena
Yanomami, além de uma delegação venezuelana
de antropólogos e médicos que deverão dar
inícío a um programa de assistência à
saúde entre os Yanomami desse país. Participaram
do evento representantes de treze outras instituições
governamentais (Funai, SESAU, Exército) e não-governamentais
(ONGs: CIR, CCPY, URIHI, Secoya, IBDS); missões (MNTB,
MEVA, Diocese de Roraima) e sindicatos de profissionais de saúde
(RPS, SINDSEP).
Conselheiros
de treze regiões da Terra Indígena Yanomami (TIY)
discorreram longamente sobre sua avaliação dos serviços
prestados direta ou indiretamente pela FUNASA em suas áreas.
Seus depoimentos expressaram uma avaliação mais
positiva da atuação dos funcionários da FUNASA
na TIY se comparada às queixas apresentadas nos meses anteriores
(seja devida à recente substituição de funcionários
ou ao melhor enquadramento dos que continuam em serviço).
Entretanto, sérios problemas foram ainda apontados, com
grande preocupação e insistência, entre os
quais, um aumento descontrolado de doenças (malária,
gripe, diarréia, etc.) em muitas regiões da TIY
e, sobretudo, uma falta crônica e generalizada de remédios,
equipamentos e materiais médicos nas farmácias dos
postos de saúde da área, bem como de equipamentos
de transporte e comunicação.
Esta carência
de suprimentos básicos, que prejudica o desempenho dos
funcionários do DSEI-Yanomami e os deixa numa situação
desconfortável perante os Yanomami no campo, é difícil
de justificar em vista do importante aumento de recursos financeiros
à disposição da FUNASA para serem aplicados
na TIY desde julho de 2004. Devido ao caráter opaco e rudimentar
da prestação de contas fornecida durante o evento,
esse investimento ainda não pôde ser avaliado com
a precisão desejável. Entretanto, o “Consolidado
geral – período de 2004” apresentado aponta
para um total de quase 22 milhões de reais (dos quais R$
7.273.544,79 gastos somente no segundo semestre pela FUB–Fundação
Universidade de Brasília, uma das quatro conveniadas com
a FUNASA. As outras três, ao contrário, parecem sofrer
de uma falta crônica de recursos, segundo os depoimentos
dos índios de suas áreas de atuação
(Catrimani, Xitei, Maturaca e Marauiá).
Enquanto esperamos
a publicação da ata oficial da reunião, que
será em breve divulgada pela FUNASA-RR, apresentamos a
seguir, a título de registro, um resumo das falas dos Conselheiros
Yanomami conforme anotações feitas durante o evento
pelo professor Dário Yanomami (Demini).
Boa Vista,
01, 02 e 03 de Fevereiro de 2005
Fala
escrita da 6ª- Reunião do Conselho Distrital Yanomami
Ye’kuana
Nós,
Yanomami, nos reunimos na Casa de Cura (Hekura Yano) para conversar
novamente com os brancos. Queríamos falar com eles das
doenças (xawara) presentes em nossa terra. [...]
Fala
escrita dos Conselheiros Yanomami
Conselheiro
da região de Surucucus
Roberto Yanomami.
Os brancos
trabalham muito bem em nossa terra yanomami, por isso eles acabaram
com as doenças. Foi assim que aconteceu em nossa região,
por isso eu queria passar esta informação para vocês.
Tinha várias doenças: gripe, verminose e parahori
(?), e vocês acabaram com elas, por isso eu queria falar.
Por um lado, estava bom, mas, por outro, está ruim.
Queremos
que mandem realmente remédios para nossa terra yanomami,
como se deve, e tudo ficará bem. Se continuarem a nos enganar
sem parar por muito tempo, não vai ser nada bom. Mandem
remédios direito. Se vocês realmente mandarem remédios
contra malária, contra gripe, contra conjuntivite e contra
diarréia, as coisas ficarão realmente bem.
Conselheiro
da região de Auaris
Mateus Sanumá
Sim, apesar
do fato de que os brancos da Funasa trabalham em nossa região,
as coisas ainda não vão nada bem. Eu fico apoiando
o pessoal de saúde, [por isso] vou dizer como estamos.
Os brancos da saúde nos dão apoio, muito bem, mas
não nos curam como esperamos; assim, nós, Sanumá,
também estamos muito preocupados ainda. Tem muitas doenças
ainda, por isso continuamos inquietos. Se não tivesse doença,
então não ficaríamos preocupados. Também
ainda não tem remédios e, por isso, as coisas ainda
não estão indo realmente bem. Pedimos remédios
a vocês, da Funasa, porém vocês não
atendem a nenhum de nossos pedidos, por isso as coisas não
estão ainda endireitando. Tem malária, tem gripe,
tem conjuntivite, tem diarréia... Era isto que eu queria
dizer a vocês, da Funasa, por isso, falei.
Conselheiro
da região de Kayana u
João Davi Yanomami
Assim penso
eu também: em nossa terra yanomami tem muito poucos microscópios
por isso quem quer trabalhar como agente indígena de saúde
(AIS) está sem material; isto nos deixa muito preocupados
ainda. Vocês, da Funasa, devem mandar rapidamente outro
microscópio para a minha aldeia, por isso eu queria fazer
este pedido aqui. Os funcionários brancos [de vocês]
também estão desprovidos, por isto, peço
outro. Vim aqui para pedir microscópio porque nós,
Yanomami, tiramos sangue do dedo, nele procuramos malária
e, assim, [quando achamos] pedimos remédios para tratá-la.
Os remédios
acabaram mesmo, por isso também estou muito inquieto. O
que vocês estão realmente pensando para não
mandar muito remédios para nós, Yanomami? Se vocês
mandam só um pouquinho de remédios, as coisas não
ficam bem, mesmo. Faltam várias outras coisas: filtro,
radiofonia, motor de popa, médico. É isso que quero
pedir a vocês. Se vocês nos dão realmente apoio,
então as coisas ficarão muito bem.
Conselheiro
da região da Missão Catrimani
Alexandre Yanomami
Nós,
Yanomami da Missão Catrimani, pensamos assim. Nossa região
passou a ter muitas doenças, mesmo, por isso vim até
aqui falar. Essas doenças são as seguintes: malária,
diarréia, doença de pele–waxi a– e conjuntivite.
Por causa desse aumento, passei a ficar muito preocupado, mesmo.
Vim aqui também para pedir remédios a vocês,
brancos. Vocês devem nos ajudar com remédios como
era antes. Sem remédios nós, Yanomami, não
vamos curar assim, do nada. Se nós todos, Yanomami, não
tomamos remédio direito, as coisas não vão
ficar bem, de jeito nenhum. Se vocês mandam remédios
rápido, as doenças vão parar. É assim
que eu penso.
Conselheiro da região de Toototobi
Toto Yanomami
Assim nós
pensamos, realmente com ênfase. Em nossa região,
as coisas não andam nada bem. Vocês não mandam
remédios direito para Toototobi, por isso estamos muito
preocupados, mesmo. Lá tem muita verminose. E vocês
não mandam direito os remédios, por isto estou muito
inquieto. Também tem malária, na maloca de Kaxitao
passou a ter muita malária, mesmo, por isso, nós
todos, Yanomami, estamos muito preocupados. Vocês não
mandam remédios para matar as doenças, por isso
os funcionários de vocês estão desprovidos
e, assim, a malária surgiu de novo muito forte. Assim,
vocês devem mandar rapidamente remédios capazes de
matar as doenças. Vocês devem mandar esses remédios
para Toototobi enquanto as doenças não estão
[ainda] nos matando. Era isto que eu queria dizer a vocês,
da Funasa, e, assim, falei.
Conselheiro
da região do Palimi u
Augusto Xiriana
Eu quero passar
informações sobre os brancos que estão em
nossa terra yanomami. Em nossa região, os brancos acabaram
com a malária, por isso ficou bom. Nós, Yanomami
Xiriana, pensamos assim. Nós pedimos um motor de popa [à
Funasa], porém [sumiu e] parece que Luis Mayongong [índioYe’kuana
] o emprestou aos garimpeiros por ser amigo deles, assim pensamos.
Pedi também uma radiofonia, mas vocês nunca me responderam
nada. Pedi há muito tempo, em vão, e, por isso,
não está nada bem.
Conselheiro
da região de Homoxi
Maranhão Yanomami
Eu quero dar
meu depoimento sobre os brancos que trabalham na minha região,
por isso, vim falar aqui. [Nessa região] nós, Yanomami,
somos numerosos, por isso os [seus] funcionários se cansam.
Nós estamos ficando doentes de novo e eles são poucos
demais, por isto estou preocupado. Em nossa região, as
doenças estão realmente aumentando muito e eles
não dão conta.
Eu quero
três funcionários da FUNASA porque as doenças
aumentaram: tem diarréia, gripe, malária, conjuntivite,
dores de dente... Estas são as doenças de nossa
região, por isso, eu falei.
Conselheiro
da região de Xitei
Brasileiro Yanomami
Em minha região
as doenças voltaram a ser muitas mesmo, por isto, quero
informar de novo a vocês, brancos da Funasa. Nós,
Yanomami, estamos adoecendo muito forte, por isso, estou muito
inquieto e falo a vocês, brancos da Funasa. Tem malária,
diarréia, conjuntivite, gripe, vermes... É isso
que tem lá, por isso, se vocês mandam remédios
para nós, Yanomami, ficará tudo muito bem. [Ao contrário]
se vocês não atenderem ao nosso pedido, realmente,
não vai ser nada bom. Pensem então em mandar esses
remédios rápido para minha região de Xitei
contra as doenças das quais falei. Era isto que eu queria
dizer.
Conselheiro
da região do Maturacá
Francisco Yanomami
Em Maturacá
os funcionários brancos [do IBDS, ong conveniada com a
Funasa] realmente não conseguem trabalhar bem de jeito
nenhum. Todos nós, Yanomami, estamos muito preocupados,
mesmo, com isso: desse jeito, o que será da saúde
? Assim pensamos realmente da Funasa: ela não para de mentir
para nós e, por isso, as coisas não vão bem
para nós, Yanomami. Ela não manda dinheiro para
os brancos que trabalham entre nós e , assim, eles não
podem trabalhar direito. Falta remédio de todos os tipos,
por isso, eles estão desequipados até hoje [para
trabalhar]. Os brancos dizem que acabarão com as doenças,
mas é mentira, por isso, não dá certo.
Conselheiro
da região de Padauiri
Ricardo Yanomami
Sim, em nossa
região trabalha o pessoal da Secoya [ong conveniada com
a Funasa] e vou falar deles. No começo, quando tinha dinheiro,
o pessoal da Secoya podia trabalhar duro, mesmo. Mas hoje, [sem
dinheiro] eles ficaram desestimulados. Por isso, nós, Yanomami,
estamos realmente preocupados. As doenças voltaram muito
fortes em nossa região: diarréia, gripe, malária...
Por isso, vocês, da Funasa, devem mandar rapidamente remédios
para a Secoya. Não queremos recomeçar a morrer de
novo, por isso, pedimos remédios com urgência.
Conselheiro
da região de Demini
Raimundo Yanomami
Na minha maloca
de Watoriki, ainda tem doenças, por isso, queria falar
com vocês da Funasa. As doenças são muito
fortes, por isso, quero pedir a vocês remédios, gerador
[para nebulização de crianças], [concerto
da] bomba d’água, balança [acompanhamento
da crianças], lâmina [para diagnóstico de
malária] e também veneno para matar as baratas [borrifação].
Mandem isso rapidamente. Só faço este pedido por
causa das doenças. Já pedi tudo isto há tempo,
no começo, mas ninguém escutou. Agora atendam ao
meu pedido direito.
Presidente
do Conselho Distrital Yanomami (Região de Paapi u)
Arokona Yanomami
Eu também
queria falar a vocês. Os funcionários da Funasa fazem
um bom trabalho [na área], mas vocês ainda não
trabalham bem. Vocês, da Funasa, não devem pensar
que acabaram com as doenças. Tem tantas doenças
[na nossa terra] tanto quanto tem Yanomami, porque elas aumentaram
de novo. Por isso, nós, Yanomami, estamos muito preocupados
de novo e isso não é bom. Quando vocês mandarem
muitos remédios em todos lugares [da área], o tanto
que tem de Yanomami [doentes], aí as coisas nos parecerão
muito boas. Era isto que eu queria mesmo dizer.
Palavras
escritas sobre os gastos de dinheiro pela FUNASA
Nós,
Yanomami, queríamos saber realmente como vocês usaram
o dinheiro. Como vocês o gastaram? O que sobrou? Quanto
gastaram para remover Yanomami doentes? Isto nós, Yanomami,
queremos realmente saber.