A
Comissão de Aeroportos da Região Amazônica
(Comara) começou a desembarcar na região do Posto
Indígena Surucucu da FUNAI, no coração da
Terra Indígena Yanomami, o material para “ampliação
e reforço do pavimento asfáltico” da pista
de pouso do Pelotão Especial de Fronteira (PEF) Surucucu,
que deve passar dos atuais 1.100 metros para 1.500 metros. Segundo
a FAB, a justificativa para tal ampliação seria
a substituição de sua frota de aeronaves Bandeirantes
e Búfalo por outras de maior porte, como os modelos Brasília
e Hércules.
No site da COMARA [http://www.comara.aer.mil.br/obras_2.htm],
a obra está entre as metas de 2005. Apesar disso, até
agora, não foi produzido Estudo e Relatório de Impacto
Ambiental, exigência do artigo 225 da Constituição
Federal (Capítulo VI - Do Meio Ambiente) para obras desse
porte.

A impossibilidade de acesso ao PEF Surucucu por meio terrestre
ou fluvial exige o transporte aéreo de equipamentos e materiais
necessários à obra, o que alongará o seu
prazo de conclusão até 2010. As obras anteriores
de ampliação da pista de Surucucu, realizadas entre
abril e setembro de 1986, causaram graves transtornos às
comunidades yanomami da região de Surucucu no âmbito
sanitário (epidemias de gripe e complicações),
social (emprego dos yanomami, inclusive crianças, em tarefas
pesadas com pagamento irrisório, aliciamento das mulheres)
e ambiental (poluição, fuga da caça). Na
época, aquela experiência negativa foi amplamente
documentada por médicos, antropólogos e indigenistas
e permanece gravada na memória indígena.
Em
junho de 2004, um grupo de líderes yanomami da região
de Surucucu enviou um documento ao Administrador Regional da Funai
de Roraima (Memo
FUNAI: Surucucus 28/06/04), manifestando sua contrariedade
com os planos da Comara e denunciando o comportamento inadequado
dos operários durante a primeira ampliação
da pista em 1986, cujo impacto foi tão nefasto para o grupo.
“Os trabalhadores da Comara carregavam nossas mulheres para
o mato. Tomavam muito caxiri”(...)“Os brancos deixaram
aqui muitos tambores com resto de piche, sujaram nossas águas,
matando todos os peixes e camarão, por isso sofremos muito.
Nossos filhos ficaram muito doentes bebendo água suja e
também nossa caça fugiu para muito longe, porque
tinha muita zoada”, recordam os índios no documento
em que pedem ajuda à Funai para que os mesmos episódios
do passado não se repitam e que a ampliação
da pista não seja permitida.
Na tentativa
de controlar os impactos sanitários, sociais e ambientais
da construção prevista e o descontentamento dos
Yanomami, representantes da Funai, do 7º Comando da Aeronáutica
e da Comara elaboraram, em dezembro de 2004, um conjunto de normas
e procedimentos que deveriam ser seguidos durante a obra [Ver
documento de Normas e Procedimentos].
Entretanto, no documento, o espaço previsto para a assinatura
da “Comunidade yanomami” permaneceu sintomaticamente
em branco. Lideranças e moradores yanomami de Surucucu
continuam preocupados devido à sua péssima experiência
de 1986 e com a perspectiva de enfrentar os mesmos problemas durante
seis anos de ampliação da pista, com o agravante
de que, desta vez, a obra requer até a dinamitação
de um morro próximo.
Yanomami
do Amazonas denunciam impacto da pesca predatória nos rios
da Terra Indígena Yanomami
Depois da
degradação ambiental provocada pelos garimpeiros
- muitos ainda atuando na Terra Indígena - os Yanomami
estão enfrentando hoje a entrada de pescadores profissionais
nos seus rios, o que vem sistematicamente empobrecendo os recursos
alimentícios de suas comunidades. Em carta dirigida ao
Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e de Recursos Naturais (Ibama),
um importante grupo de Yanomami do Amazonas denunciou a pesca
predatória em grande escala para comercialização
pelos brancos no rio Komixiwë (Marauiá), ulitizando
redes (“malhadeiras”).
No
documento de 27 de janeiro 2005, eles denunciam também
a omissão dos fiscais do Ibama. “Pensávamos
que os bancos do Ibama fossem corajosos e valentes, que eles morariam
onde desemboca o rio Komixiwë (Marauiá), para proteger
suas águas, mas eles apenas fizeram sua casa e a abandonaram.
Estes brancos diziam que nos ajudariam a proteger o rio, que vigiariam
suas águas e deixariam os peixes passarem. Foi assim que
fizeram, mas depois abandonaram suas casas, para onde foram estes
valentes brancos? Não existem mais brancos valentes que
vigiam o rio”.
Os Yanomami
afirmam que a situação está “muito
ruim” e ameaçam cortar as redes dos pescadores que,
mesmo quando agem no limite da Terra Indígena, represam
a passagem dos peixes para os rios do território indígena
e, assim, reduzem drasticamente a disponibilidade de peixes, produto
essencial à dieta alimentar das comunidades yanomami da
região. Os assinantes da carta reivindicam ainda que o
Ibama coloque fiscais na região para impedir a pesca predatória
entre o baixo rio Marauiá e o rio Negro.
Segue-se na
íntegra a carta assinada por líderes, professores,
agentes de saúde e moradores yanomami da região
do Marauiá.
Bicho
Açu, 27 de janeiro de 2005.
Nós,
Yanomami, queremos enviar para longe nossas palavras, por isso
fizemos este documento. Nascemos e crescemos na região
do Marauiá, estamos atentos ao que ocorre aqui, por isso
estamos lhes informando sobre o que está acontecendo. Sabemos
o que falar, nosso pensamento é vasto e abrangente.
Os brancos estão acabando com nossos peixes, os peixes
do rio Komixiwë (rio Marauiá). “Vocês
brancos não devem acabar com nossos peixes! Não
teimem em fazer isso! Somente nós, Yanomami, deveríamos
comer os peixes do rio Komixiwë, pois passamos fome (de carne),
as crianças também passam fome! Queremos tomar caldo
de peixe! Vocês, brancos, devem comer os peixes dos locais
onde moram! Vocês podem pescar e comer os peixes do grande
rio Negro, próximo de onde moram, não teimem em
acabar com nossos peixes”, é o que nós pensamos.
Não queremos dividir os peixes desta forma, comê-los
junto aos brancos. “Esse nosso rio é de onde nossos
pais retiraram os peixes com os quais se alimentaram, nós
também descemos este rio nos alimentando desses peixes”.
Quando morávamos no alto rio Marauiá, nós
nos alimentávamos com esses peixes, nós os comíamos
com bananas. Pescávamos também piranhas. Era o que
comíamos antes de conhecermos os brancos.
Quando os nossos pais desceram o rio, encontraram com um branco
chamado Emílio, com quem travaram relações
amistosas. Nesta época, eles não conheciam os brancos.
Emílio subiu o rio para nos visitar; foi quando vimos o
rosto do branco pela primeira vez.
Nós não conhecíamos a face do branco, agora
já a conhecemos, sabemos o que pensam e o que pretendem,
por isso estamos alertas quanto aos peixes deste rio. “Ei
! Vocês, brancos, devem ficar nos seus rios, não
venham acabar com os peixes daqui”, é o que dizemos.
Nós já amadurecemos, nossa forma de pensar se ampliou,
por isso não queremos ver esses brancos aqui em nossa floresta.
Nossos avós, que já comiam os peixes do rio Komixiwë
(Marauiá), utilizavam a casca da árvore xinakotorema
para pescar piranhas. Eles faziam anzóis com os ossos do
macaco coatá para pescar peixes. Antes dos brancos aparecerem,
nossos avós não comiam sal, eles saboreavam a comida
pura. Não havia sal entre os alimentos que comíamos
no passado. Também assávamos piranhas embrulhadas
em folhas de açaí. Foi com o caldo desses peixes
que eles nos fizeram crescer saudáveis.
“Onde estão os brancos, para onde eles vão”,
era o que constantemente pensavam nossos pais. Quando os brancos
subiram o rio Aracá, os Yanomami conseguiram terçados
com os quais fizeram também uma espécie de machado.
Depois de conseguirem os terçados, eles abriram roças
e plantaram sementes de pupunha.
Na região rio acima, quando os igarapés secavam,
os Yanomami comiam peixes tamoatá. Comiam também
frutas baraturi. Foi com esses peixes que nossos pais nos criaram,
nos fizeram crescer, por isso não queremos que os brancos
acabem com eles. “Onde comeremos, quando tivermos fome de
carne”, é o que pensamos. Onde poderemos flechar
animais para comê-los? Pensamos desta forma, por isso não
queremos que os brancos acabem com os peixes. Este é o
nosso costume, a nossa forma de viver.
No início, pensávamos que os brancos do Ibama fossem
corajosos e valentes, que eles morariam onde desemboca o rio Komixiwë
(Marauiá) para proteger suas águas, mas eles apenas
fizeram sua casa e a abandonaram. Estes brancos diziam que nos
ajudariam a proteger o rio, que vigiariam suas águas e
deixariam os peixes passar. Foi assim que fizeram, mas depois
que abandonaram sua casa, para onde foram estes valentes brancos?
Não existem mais brancos valentes que vigiam o rio, foram-se
e a casa permanece vazia.
Hoje, quando nós vamos pescar, não conseguimos peixes.
“Onde estão os peixes”, nós perguntamos
aos que pescam. “Os peixes não mordem mais o anzol”,
eles respondem. “Ah, é porque os brancos acabaram
com os peixes do rio”, é o que pensamos. “Huuu,
sim meu pai! A situação ficou muito ruim, por isso
vamos cortar as malhadeiras dos brancos”, foi o que já
dissemos. “Meu pai, quando formos novamente, destroçaremos
as malhadeiras”.
Os brancos estão pescando fora da área Yanomami,
mas eles fecham as margens do rio com malhadeiras, por isso não
deixam que os peixes passem e cheguem até onde moram outras
comunidades nossas, rio acima. Os brancos pescam e levam para
longe esses peixes, pois querem vendê-los para outros.
Este pedido não é porque cobiçamos mais terra,
queremos apenas que vocês ajudem a proteger o baixo rio
Komixiwë (Marauiá) dos brancos que insistem em acabar
com nossos peixes. Pedimos, com estas palavras, que o Ibama coloque
pessoas para vigiar essa região do rio Komixiwë (Marauiá),
até onde desemboca no rio Negro. Com este documento que
escrevemos, solicitamos que vocês mandem fiscais. Se o Ibama
enviar fiscais para vigiar e proteger o rio, fará com que
os peixes voltem a passar.
Assinam lideranças,
professores, agentes de saúde e moradores do Marauiá:
Renato Yanomami, Gabriel Yanomami, Martinho Yanomami, João
Yanomami, Domingos Yanomami Ironasi teri, Henrique Yanomami, Joana
Yanomami, Alípio Yanomami, Francisca Yanomami, Alberto
Yanomami, Mateus Yanomami, Alda Yanomami, Damião Yanomami
Iximau teri, Osmar Yanomam Iximau teri, Euzébia Yanomami
Iximau teriyoma, André Yanomami, Sabá Yanomami,
Rubens Yanomami,Celestina Yanomami, Joãozinho Yanomami,
Mariota Yanomami, Rubens Yanomami Pohoropiwei teri, Maria Yanomami,
Paula Yanomami, Dalvinha Yanomami, Naciota Yanomami, Rui Yanomami,
Elizeu Yanomami, Mateus Yanomami Xamatau teri, Pirina Yanomami,
Paulinho Yanomami, Virginel Yanomami, Terezinha Yanomami, Carlinhos
Yanomami, Cassiano Yanomami, Batista Yanomami Iximau teri (professor),
Manoel Yanomami Ironasi teri (professor), Marielza Yanomami Pukimapiu
teriyoma (professora), Vitorino Yanomami Iximau teri (professor),
Vicente Yanomami Ironasi teri (professor), José Yanomami
(agente de saúde), Janete Yanomami (agente de saúde),
Emerson Yanomami Pukimapiu teri (professor), Ferreira Yanomami
Xamatau teri (professor), Daniel Yanomami, Raita teri (professor),
Daniel Yanomami Ironasi teri (professor), Cláudio Yanomam,
Pukimapiu teri (professor), Hipólito Yanomami Pukimapiu
teri (agente de saúde), Lico Yanomami Raita teri, Elizeu
Yanomami, Luiza Yanomami, Lucina Yanomami, Auria Yanomami, Rute
Yanomami, Laura Yanomami, Margarida Yanomami, Almir Yanomami,
Mariana Yanomami, Cleonice Yanomami, Antônio Yanomami, Irene
Yanomami, Jorgina Yanomami, Helena Yanomami, Vanda Yanomami, Rita
Yanomami, Sueli Yanomami, Fátima Yanomami, Adriana Yanomami,
Samuel Yanomami, Catarina Yanomami, Gilberto Yanomami, Ana Yanomami,
Paulo Yanomami Ironasi teri, Telma Yanomami Ironasi teriyoma,
Otávio Yanomami Ironasi teri.
Coordenação
de Educação da Funai elogia projeto da CCPY
O trabalho
pedagógico realizado pela assessoria da Comissão
Pró-Yanomami como parte do Projeto de Educação
Intercultural Yanomami voltado à formação
de professores indígenas foi acompanhado, entre 20 de janeiro
e 1º de fevereiro, pelo antropólogo Gustavo Hamilton
de Sousa Menezes, da Coordenação Geral de Educação
da Fundação Nacional do Índio (CGE-Funai).
A visita faz parte da estratégia do órgão
para estabelecer uma parceria mais duradoura com a CCPY no setor
educacional. Nos últimos três anos, a Funai vem dando
apoio financeiro ao projeto, sem participação direta
em seu desenvolvimento.
O antropólogo
destacou a sensibilidade da equipe da CCPY em reconhecer e utilizar
uma metodologia diferenciada e a qualidade do material didático
produzido em língua yanomami, disponível a todos
os alunos. Ele observou ainda que as comunidades beneficiadas
pelo projeto demonstram dedicação às aulas
e excelentes relações de trabalho com a equipe da
CCPY, “com resultado claramente observável já
que o conhecimento de alfabetização, de língua
portuguesa e de matemática, tem sido reproduzido pelos
professores indígenas”.
O antropólogo reconheceu que o processo é lento,
mas destacou o empenho da CCPY diante dessa dificuldade e a necessidade
de apoio de órgãos como a Funai, acrescentando que
“é da constância desse investimento e da freqüente
atualização do programa que resultados mais expressivos
devem surgir”. Gustavo Menezes ressaltou a experiência
e a atuação da CCPY nos últimos 27 anos e
elogiou o “trabalho difícil e pioneiro com profissionalismo
e criatividade” que a instituição realiza
e que “deve servir de exemplo para outras iniciativas na
educação indígena”.
MEC
intercede a favor de professores Yanomami de Roraima aprovados
em concurso
O
coordenador de Educação Indígena do Ministério
da Educação e Cultura, Kleber Matos, reuniu-se com
a atual secretária de Educação de Roraima,
Ilma Xaud, e cobrou a contratação dos professores
indígenas, entre eles 16 Yanomami, aprovados em concurso
público para o preenchimento de 214 vagas para docentes
em língua indígena. Embora a relação
dos aprovados tenha sido publicada no Diário Oficial do
Estado no dia 26 de janeiro 2005, até a segunda quinzena
de fevereiro os professores indígenas aprovados não
haviam sido convocados.
A seleção dos docentes indígenas foi concluída
no dia 2 de janeiro de 2005 com a entrega dos documentos de títulos.
No entanto, a maioria dos aprovados estava insegura quanto à
sua contratação efetiva devido à crise política
que culminou com a cassação do mandato do governador
de Roraima, Flammarion Portela, e sua substituição
pelo ex-governador, Ottomar Pinto. O processo seletivo foi iniciado
no governo passado pela então secretária de Educação,
Lenir Veras, que garantiu a contratação dos professores
aprovados no começo de 2005. Espera-se que o apoio direto
do MEC leve a Secretaria de Educação de Roraima
a apressar os trâmites necessários para a efetiva
contratação dos 16 professores yanomami e também
os das etnias Waiwai, Yekuana, Makuxi e Wapixana.