De acordo com fontes locais contatadas pela CCPY, os três
índios presos em Puerto Ayacucho, Venezuela, mencionados
recentemente na imprensa, são os Baniwa de São Joaquim
(Rio Içana), Misael Garcia Castro e Omar Rodriguez Manto
(um deles ferido a faca na perna), e o Yanomami da aldeia de Ariabú
(região de Maturacá, rio Cauaburis), Marcelino Serrano
Alípio.
De acordo com as autoridades venezuelanas, os três índios
foram presos durante uma viagem de canoa pelo rio Orinoco em que
acompanhavam nove garimpeiros brasileiros e um colombiano. Os
garimpeiros brasileiros transportavam cerca de oito toneladas
de rancho e duas toneladas de material de garimpo, incluindo mercúrio.
Eles foram presos no Parque Nacional Yapacana, no estado do Amazonas
venezuelano, onde existem minas clandestinas e onde foi denunciada,
em janeiro 2005, a presença de guerrilheiros das FARC.
O caso não tem qualquer ligação com garimpo
no território yanomami e por isso é falsa a “notícia”
que afirmava que “os Yanomami” serviam de guia para
os garimpeiros brasileiros (O Globo 2/9/04). O Parque Nacional
Yapacana está situado no médio Orinoco (confluência
com o Ventuari) e é habitado, principalmente, por índios
Curripaco, Piaroa e Puinave.
Defensores dos garimpeiros, vários deles políticos
de Roraima com posições anti-indígenas, têm
se empenhado em divulgar na imprensa que todos os índios
presos são Yanomami, acusando a FUNAI e as ONGs de omissão,
com o intuito de atrair a atenção da mídia
sobre o caso, aproveitando a alta visibilidade nacional e internacional
dos Yanomami (Isto
É 16/3/05, Brasil Norte 22/3/05 – notícia
1, notícia
2).
Na realidade, além de ter sua situação manipulada
em benefício da causa dos garimpeiros, os três presos
indígenas não contam com nenhuma atenção
jurídica específica, apesar de estarem envolvidos
numa situação sobre a qual não têm
nenhum controle; apenas dizem terem sido contratados pelos garimpeiros
como ajudantes na navegação e como cozinheiros.
Por sua vez, a CCPY empenha-se em destacar que o caso desses índios
é totalmente alheio aos demais presos e que deve ser objeto
de nova investigação pela justiça venezuelana.
Yanomami
querem aprofundar debate sobre a ampliação da pista
de pouso de Surucucu
No Boletim Pró-Yanomami nº 61, a CCPY
veiculou a preocupação dos Yanomami com o projeto
de ampliação da pista de pouso do 4° Pelotão
Especial de Fronteira (4° PEF) de Surucucu (Roraima) - região
onde vivem aproximadamente 1780 Yanomami em cerca de 83 malocas
(6 das quais num raio de 1500 metros da pista) - bem como a obrigação
constitucional de se realizar um estudo prévio pelo IBAMA.
No último dia 17 de março, o comando
militar convocou uma nova reunião realizada na base aérea
de Boa Vista (RR), ligada ao Sétimo Comando Aéreo
Regional (VII COMAR). Apesar da presença de várias
dezenas de oficiais e representantes de diversas administrações
públicas (FUNAI, FUNASA, Ministério Público),
o encontro contou com apenas cinco Yanomami de Surucucu, alojados
na própria base aérea. Chamado em caráter
emergencial no mesmo dia, o líder yanomami e presidente
da HUTUKARA Associação Yanomami, Davi Kopenawa,
compareceu ao encontro acompanhado por um representante da CCPY.
A reunião a portas fechadas foi dirigida
pelo Major Brigadeiro do Ar, Cleonilson Nicácio Silva.
Seu porta-voz leu uma carta de intenções (até
aí desconhecida dos participantes) descrevendo, principalmente,
os objetivos da ampliação da pista e afirmando,
entre outras coisas, a vontade de resguardar a cultura yanomami
e recuperar as áreas degradadas pela futura obra. Davi
Kopenawa foi em seguida chamado a comentar o documento.
Ele lembrou (em yanomami e português) a
história da construção do pelotão
e da primeira ampliação da pista de Surucucu em
meados de 1980, insistindo no impacto negativo que essas obras
tiveram sobre os Yanomami da região. Expressou a preocupação
de ver os Yanomami passarem novamente pelos mesmos transtornos
sociais, sanitários e ambientais. Afirmou, entretanto,
entender a importância dos pelotões militares na
proteção das fronteiras do país.
Falou também da preocupação
de ver aumentar as instalações do PEF na Terra Indígena
Yanomami até formar uma Vila, lembrando que na história
dos Índios do Brasil, a ocupação das terras
indígenas muitas vezes começou assim. Insistiu,
enfim, sobre a necessidade de organizar outras reuniões
na região de Surucucu para que os Yanomami potencialmente
afetados pela obra possam entender a proposta dos militares, manifestando-se
com conhecimento de causa sobre ela, suas possíveis conseqüências
negativas e os meios de neutralizá-las.
Em seguida, o porta-voz militar leu o documento da FUNAI de dezembro
de 2004, mencionado no Boletim Pró-Yanomami n° 61,
intitulado “Normas
e procedimentos para a realização dos serviços
de ampliação da pista de pouso de Surucucus”.
Cada um dos itens apresentados foi traduzido para o yanomami por
Davi Kopenawa. Durante a tradução, os cinco Yanomami
de Surucucu presentes no encontro manifestaram dúvidas
e repudiaram diversos pontos do documento, mostrando o quão
pouco haviam entendido na reunião anterior e o quanto a
questão deve ser rediscutida amplamente e in loco. Conforme
a insistente sugestão de Davi Kopenawa, essas futuras reuniões
são fundamentais para dirimir as dúvidas e atender
às reivindicações da maioria dos Yanomami
de Surucucu, e não apenas de 5 dos 1780 Yanomami da região.
O representante da FUNAI (Brasília) lembrou
que o aval do IBAMA para a obra de ampliação da
pista é um pré-requisito que deve ser cumprido antes
das discussões com os Yanomami sobre eventuais compensações
e medidas preventivas. Esse representante acabou manifestando-se
a favor da ampliação da pista de Surucucu, posição
também adotada pelos servidores da FUNASA. Os membros do
Ministério Público insistiram novamente sobre a
necessidade do relatório de impacto ambiental do IBAMA
e reafirmaram seu compromisso de zelar pela salvaguarda dos direitos
yanomami.
Davi Kopenawa concluiu dizendo que, para evitar
qualquer conflito com os militares, o que considera desfavorável
a seu povo, os Yanomami poderiam ser, como os brancos, “favoráveis”
à idéia de aumentar a pista, mas, novamente, com
a condição de ampliar o processo de discussão:
“nós já temos muitas coisas contra nós,
contra nosso povo, vamos então resolver esse problema da
pista, nós não queremos mais brigar, mas nós
queremos conversar primeiro melhor com vocês, com todo mundo,
todas as comunidades Yanomami, os militares, a Funai (...) os
Procuradores, a Funasa (...), tem que chamar outros amigos dos
Yanomami, como a CCPY que nos conhece bem (...) então tem
que chamar todo mundo. Mas, nós, Yanomami se podemos ser
favoráveis para melhorar a pista, nós não
queremos a municipalização do Surucucu (...).”
Diante do teor daquela reunião, a posição
da CCPY é de apoiar os Yanomami para que haja uma verdadeira
ampliação do processo de diálogo oportunamente
aberto pelo comando militar e que esse diálogo deverá
seguir as recomendações de Davi Kopenawa : várias
reuniões in loco, com um leque de lideranças yanomami
de toda a região e representantes de administrações
e ONGs relevantes. Recrutar às pressas uns poucos Yanomami
monolíngües de Surucucu para a base aérea de
Boa Vista, reduzidos a uma minoria cercada de brancos, sem entender
o contexto e sem tempo para se expressar de maneira informada
e independente, não pode constituir um método de
diálogo democrático aceitável.
Entendemos que naquela reunião os Yanomami
adotaram uma atitude pragmática, mostrando-se “favoráveis”
ao princípio de não hostilizar imediatamente o projeto
de ampliação da pista, mas entendemos também
que seria um erro considerar que isso se traduz em aprovação
da obra. A posição dos Yanomami deve ser compreendida
como uma prova de boa vontade no início do processo de
diálogo e certamente não como um cheque em branco
para sua conclusão.
Além disso, a CCPY insiste na necessidade de um estudo
do IBAMA como fase preliminar do processo de aprovação
da obra (ver
Boletim Pró-Yanomami n° 61).
Entendemos,
porém, que esse relatório de impacto não
deve limitar-se a um estudo ambiental (a Terra Yanomami não
é uma mera unidade de conservação), mas sim
contemplar possíveis impactos sanitários e sócio-econômicos
para as comunidades yanomami direta e indiretamente afetadas pela
obra.
Assim,
consideramos que tal estudo, para ser legítimo, deve contar
com a participação de biólogos, antropólogos
e médicos reconhecidos e independentes, e acatar os estudos
já realizados sobre os impactos negativos da ampliação
anterior da pista de Surucucu em 1986 (ver
Boletim Pró-Yanomami n° 61).
Juiz
condena publicação racista contra os Yanomami
“Vende-se
filhotes de ianomâmi com 1 ano e 6 meses. R$ 1 000,00. Tratar
9971 3287”.
O
anúncio, publicado no dia 1º de novembro de 2002 nos
classificados do jornal Folha de Boa Vista, resultou, no fim de
2004, na condenação do seu autor, Paulo César
Cavalcanti Lima, a dois anos de prisão e pagamento de dez
dias-multa (o equivalente a um trigésimo do salário
mínimo vigente) pelo juiz substituto da 2ª Vara da
Justiça Federal de Roraima, Giovanny Morgan. Considerou-se
que o réu cometeu crime de incitação ao preconceito
racial, previsto no artigo 20 da Lei 7.716/99. Ele cumprirá
a pena em liberdade, por ser réu primário e não
apresentar maus antecedentes.
Na sentença, o juiz afirma que a conduta do acusado “fomenta
a discórdia e a animosidade entre as diferentes culturas,
dilacerando ainda mais o já tormentoso relacionamento entre
as comunidades indígenas locais e a população
não-índia(...)”.
Para
o juiz, a alegação da defesa de que o acusado não
havia agido como dolo (má-fé) não se sustenta.
“Ao publicar o anúncio discriminatório e preconceituoso,
o réu tinha consciência de sua conduta, e ainda que
se pudesse admitir que o acusado não quisesse produzir
o resultado lesivo, agiu com indiferença, admitindo, tolerando,
enfim, assumindo o risco de produzir esse resultado lesivo”,
afirma o juiz Giovanny Morgan.
O anúncio publicado na seção “Achados
e Perdidos”, sob o título “animais”,
foi levado ao Ministério Público Federal em Roraima
em julho de 2003 por um grupo de jovens professores yanomami indignados
com o que consideraram um insulto inadmissível. Com base
nessa denúncia, o Procurador da República, Carlos
Fernando Mozzoco, ingressou com a ação contra Paulo
César Lima por prática de racismo.
CCPY
apóia associações Yanomami
A Comissão
Pró-Yanomami (CCPY) tendo como um de seus objetivos fundamentais
promover e reforçar a autonomia dos Yanomami na defesa
dos seus direitos, desenvolve um programa de capacitação
e representação cujas metas prioritárias
são a formação de jovens yanomami para exercer
funções de representação interétnica
a nível regional, nacional e internacional e o apoio ao
fortalecimento das associações yanomami e de seus
projetos.
Nessa perspectiva,
a CCPY deu apoio logístico e administrativo à assembléia
de fundação da HUTUKARA Associação
Yanomami em novembro de 2004, reunindo lideranças e professores
de onze regiões da Terra Indígena Yanomami, bem
como representantes da AYRCA (Associação Yanomami
do Rio Cauaburis e Afluentes) do Amazonas. Na última semana
de março de 2005, a HUTUKARA, já devidamente registrada,
assinou seu primeiro convênio de apoio institucional com
a NORAD, agência de cooperação norueguesa.
O acordo permitirá à associação começar
a implementar sua própria rede de radiofonia na Terra Indígena
Yanomami, facilitando o contato independente tanto entre os seus
representantes regionais como com outras associações
yanomami existentes ou a se formar no futuro.
Nos últimos
meses, a CCPY procurou também apoiar a realização
de uma assembléia geral da AYRCA, reunião destinada,
entre outros assuntos, a definir a estratégia econômica
da entidade em proveito das comunidades yanomami da região,
no que tange tanto à compra de bens manufaturados que lhes
são hoje necessários, como ao escoamento de sua
produção agrícola no mercado local. Naquela
assembléia de Maturacá, foram ainda discutidas as
atividades de ecoturismo e vigilância no Parque Nacional
do Pico da Neblina, cuja área se sobrepõe à
Terra Indígena Yanomami, bem como questões de educação
e saúde.
Além
de colaborar com a Ayrca na captação de recursos
financeiros para a realização do evento, a CCPY
doou a esta associação um microcomputador e manteve
contato com órgãos federais, como a Fundação
Nacional do Índio (FUNAI) e a Companhia Nacional de Abastecimento
(CONAB), para ajudar na resolução dos problemas
que afetam o escoamento da produção dos Yanomami
da região do rio Cauaburis. A CCPY encaminhou ainda à
Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) as principais
demandas dos Yanomami da área de atuação
da AYRCA, de modo a se aprimorar o atendimento em saúde
das comunidades da região.