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Davi Yanomami faz apelo ao ministro da Justiça

Governo assume compromisso de criar Conselho Nacional de Política Indigenista
Mobilização reúne mais de 700 líderes de 89 povos indígenas

Davi Yanomami faz apelo ao ministro da Justiça

O presidente da Hutukara – Associação Yanomami, Davi Kopenawa, cobrou do Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, mais empenho do governo na demarcação das terras indígenas. “A terra é fundamental para todos nós”, afirmou Davi, durante a audiência, dia 28 de abril, com mais outros 29 líderes que participaram das mobilizações do Abril Indígena, em Brasília. Além da demarcação, Davi reivindicou também a retirada dos invasores das terras indígenas, a maioria posseiros e fazendeiros. Explicou ao ministro que a mobilização dos índios não buscava o conflito com o governo, mas a abertura do diálogo visando a solução dos problemas que afligem as comunidades de todo o País.

Na conversa com o ministro, Davi reiterou os sucessivos apelos que os povos indígenas vêem fazendo para que o governo se defina como aliado e ajude os índios na superação de suas dificuldades. Embora o governo tenha homologado a demarcação da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol, para Davi, é preciso que as outras áreas também recebam o mesmo tratamento. Na avaliação do representante dos Yanomami, a mobilização indígena Terra Livre teve um saldo positivo. “Foi bom para chamar a atenção dos brancos, para os nossos problemas. Ficar na aldeia sentado não resolve”, disse ele.

Davi relatou que os garimpeiros continuam invadindo a Terra Indígena Yanomami. A maioria deles ingressa pelas regiões de Ericó, Mucajaí, Paapiu, Alto e Baixo Catrimani e Maturacá. Explicou que “a Polícia Federal retira os invasores, mas passado um mês ou um pouco mais, eles retornam à Terra Yanomami”.

O resultado, afirmou ele, é o aumento das doenças e a falta de alimentos para as aldeias.


Governo assume compromisso de criar Conselho Nacional de Política Indigenista

O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, prometeu apresentar ainda em maio uma proposta para a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista, uma das principais reivindicações dos mais de 700 líderes indígenas, representantes de 89 etnias, que, de 25 a 29 de abril, participaram da mobilização Terra Livre, uma das ações do Abril Indígena. A criação do conselho teve ainda o apoio dos ministros José Dirceu da Casa Civil, e Luiz Dulci da Secretaria Geral da Presidência da República.

Tanto o Ministro José Dirceu quanto o Senador Delcídio Amaral (PT-MS), líder da bancada de apoio ao governo, assumiram o compromisso de orientar a base aliada para conter as iniciativas que representam retrocesso nos direitos e conquistas indígenas na Constituição.

A mobilização Terra Livre foi organizada pelo Fórum de Defesa dos Direitos Indígenas, composto pela Comissão Pró-Yanomami (CCPY), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Conselho Indígena de Roraima (CIR), Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Instituto Socioambiental (ISA), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme).

O movimento Abril Indígena, por sua vez, contou com o apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Os Yanomami foram representados pelos presidentes da Hutukara-Associação Yanomami, Davi Kopenawa, e da Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes (Ayrca), Armindo Góes Melo.


Mobilização reúne mais de 700 líderes de 89 povos indígenas

A mobilização Terra Livre, organizada pelo Fórum de Defesa dos Direitos Indígenas (FDDI), promoveu o maior acampamento indígena da história de Brasília. Foram 25 malocas, construídas com palha de coqueiro, organizadas em círculo, reunindo mais de 700 representantes de 89 povos indígenas, em plena Esplanada dos Ministérios.

Foi o principal ato do movimento Abril Indígena para forçar o diálogo com o governo federal e exigir o atendimento das principais reivindicações das comunidades indígenas do País, agrupadas em quatro grandes grupos temáticos:

1) saúde, educação e regularização das terras indígenas;
2) manutenção e respeito aos direitos e conquistas inseridos na Constituição, bem como da legislação infraconstitucional (Estatuto dos Povos Indígenas);
3) criação do Conselho Nacional de Política Indigenista, como órgão normativo e fiscalizador de uma nova política; e
4) gestão territorial e sustentabilidade das terras indígenas.
Durante a semana do acampamento, os líderes cumpriram uma agenda de discussões com os poderes Executivo e Legislativo, a fim de garantir o atendimento de suas propostas. No encerramento das atividades, foi aprovada a Carta da Mobilização Nacional Terra Livre – Abril Indígena. Apresentamos a seguir a íntegra do documento:

Carta da Mobilização Nacional Terra Livre - Abril Indígena
Nós, as mais de 700 lideranças indígenas abaixo assinadas, representantes de 89 povos indígenas de todo o Brasil, reunidos em Brasília no Acampamento Terra Livre, entre os dias 25 e 29 de abril de 2005, consideramos esta mobilização a mais significativa realizada pelos povos indígenas do Brasil desde a triste comemoração dos 500 anos em Porto Seguro, no ano 2000.

A presente mobilização consolidou uma aliança nacional entre dezenas de povos, organizações indígenas e entidades indigenistas, com o objetivo comum de defender e garantir a efetividade dos direitos indígenas no Brasil, o que renova a nossa esperança na conquista de dias melhores.

Vimos a seguir apresentar à sociedade brasileira, ao Governo Federal, ao Congresso Nacional e ao Poder Judiciário, os resultados das reuniões plenárias e audiências com autoridades realizadas durante esta mobilização nacional, em respeito aos 4 grandes eixos por nós reivindicados.

1. Nova Política Indigenista

  • a ausência da participação dos povos indígenas e de representantes da sociedade civil na definição da política indigenista resulta hoje em ineficiência das ações governamentais voltadas às populações indígenas;
  • sabemos que a elaboração e implementação da política indigenista hoje é de competência de vários órgãos de Estado (Ministério da Justiça, Saúde, Educação, Meio Ambiente, Desenvolvimento Agrário, Desenvolvimento Social, Funai, Incra, Conselho de Gestão do Patrimônio Genético- CGEN e outros);
  • para maior eficiência na execução dessas políticas é necessário que exista um órgão com competência para coordena-las;
  • reivindicamos para isso a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista, que deverá ser composto por representantes dos povos indígenas, das entidades de apoio à causa indígena e do Governo Federal, e que terá poder para coordenar as ações governamentais dos vários Ministérios voltadas aos povos indígenas;
  • o Conselho deve estar vinculado a Presidência da República;
  • o Conselho deve ter competência deliberativa, portanto ser criado por Lei;
  • o Governo Federal, por meio dos Ministros Márcio Thomas Bastos, José Dirceu, da Casa Civil, e Luiz Dulci, da Secretaria Geral da Presidência, se comprometeu a implementar o Conselho Nacional de Política Indigenista;
  • apoiaram a constituição do Conselho o Líder do PT no Senado, Senador Delcídio Amaral, o Senador Eduardo Suplicy e o Deputado Eduardo Valverde, coordenador da Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas, além do Presidente da Funai Mércio Gomes.

2. Terras Indígenas

  • manifestamos total apoio ao Governo Federal pela homologação da TI Raposa Serra do Sol, em Roraima, em área contínua;
  • o tratamento vacilante da FUNAI e do Ministério da Justiça na garantia dos direitos territoriais indígenas tem resultado em obstruções aos procedimentos de regularização de terras indígenas e lentidão na constituição de GTs de identificação, na publicação de resumos de relatórios e principalmente na expedição de Portarias Declaratórias, caso das 14 terras paradas no Ministério da Justiça cujo motivo da demora em declará-las não foi devidamente esclarecido pelo Ministro da Justiça e muito menos pelo Presidente da Funai;
  • nos preocupamos com o tratamento dado à regularização de terras indígenas nos Estados de Santa Catarina, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul onde pressões políticas tem se sobreposto aos direitos indígenas;
  • é preocupante a falta de uma política decidida para resolver, de uma vez por todas, os casos de ocupantes não-índios em Terras Indígenas já homologadas;
  • demonstramos preocupação quanto ao rumo que vem tomando o Poder Judiciário quanto aos direitos territoriais indígenas, e esperança de que ele venha a ser modificado para casos futuros, como é o da ação relativa à Terra Indígena Caramuru-Paraguassu do povo Pataxó Hã-hã-hãe, que aguarda há mais de 20 anos uma solução;
  • exigimos a revogação da determinação do Presidente da Funai em não iniciar os estudos para a revisão de limites de terras indígenas cujas demarcações excluíram indevidamente partes do território tradicional;
  • o Ministro da Justiça se comprometeu a estudar caso-a-caso as 14 terras paradas no MJ, sem estabelecer prazos ou esclarecer os motivos da demora, o que consideramos falta de compromisso objetivo;
  • o Presidente da Funai não se comprometeu em agilizar a regularização de terras indígenas no que se relaciona à formação de GTs, publicação de resumos de relatórios de identificação e tampouco prestou esclarecimentos quanto à indevida negociação dos direitos territoriais indígenas;
  • o presidente do Incra assumiu o compromisso de realizar uma análise das 74 áreas de conflito envolvendo povos indígenas e pequenos agricultores, com o objetivo de reassentar os pequenos agricultores fora dos territórios indígenas.

3. Ameaças aos direitos indígenas no Congresso Nacional

  • nos preocupamos com o grande volume de proposições legislativas que hoje tramitam no Congresso Nacional contra os direitos indígenas assegurados na Constituição Federal, especialmente os territoriais (destaques: PEC 38/99; PEC 03/04; PLS 188/04);
  • entendemos que os direitos indígenas não devem ser tratados isoladamente, mas de forma articulada dentro do Estatuto dos Povos Indígenas;
  • o Senador Delcídio, líder da Bancada de Apoio ao Governo no Senado Federal, comprometeu-se em agir para que os direitos garantidos nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal não sejam alterados pelo Congresso, bem como reunir numa única comissão todas as proposições que estão tramitando para preparar a discussão de reformulação do Estatuto dos Povos Indígenas;
  • o Senador Delcídio também comprometeu-se e garantiu que o PLS 188 não voltará a tramitar no Congresso, a partir do entendimento de que é uma matéria tratada isoladamente e contrária aos direitos indígenas.
  • o Ministro José Dirceu se comprometeu a orientar a base aliada para conter as iniciativas legislativas que signifiquem retrocesso nos direitos indígenas.

4. Gestão territorial e sustentabilidade das Terras Indígenas

  • constatamos uma dispersão dos recursos para gestão ambiental em Terras Indígenas hoje existentes no Ministério do Meio Ambiente e dificuldade de acesso dos povos e organizações indígenas a esses recursos;
  • entendemos ser necessário superar a lógica de projetos pontuais e de curto prazo em favor de uma estratégia nacional concretizada em programas etno-regionais de longo prazo, articulados com ações na área de educação;
  • estamos preocupados com a possível desvirtuação, no âmbito da Casa Civil, do Ante Projeto de Lei de acesso a recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados saído do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cgen) e elaborado com participação das organizações indígenas e da sociedade civil organizada;
  • repudiamos o projeto de transposição do rio São Francisco e apoiamos um programa de revitalização do rio;
  • propomos a criação de um programa nacional de gestão territorial e proteção da biodiversidade em Terras Indígenas, com participação das organizações indígenas em sua formulação e execução;
  • reivindicamos a participação indígena no Cgen com direito a voto;
  • o Ministério do Meio Ambiente assumiu o compromisso de finalizar a formulação da pré-proposta do programa nacional de gestão territorial e proteção da biodiversidade em Terras Indígenas até maio para encaminhar para aprovação do Fundo Global do Meio Ambiente (GEF);
  • o Ministério do Meio Ambiente comprometeu-se em defender dentro do Executivo a proposta de Anteprojeto de Lei de Acesso a Recursos Genéticos e Conhecimento Tradicional apresentado pelo Cgen;
  • o Ministério do Meio Ambiente comprometeu-se em trabalhar em articulação com as organizações indígenas na preparação e participação na 8a Reunião das Partes da Convenção da Biodiversidade, a ser realizada no Brasil em março de 2006;
  • O Ministério do Meio Ambiente comprometeu-se em reunir as várias ações para os povos indígenas dentro do Ministério para integrá-las.

5- Saúde Indígena

  • entendemos que o modelo de Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) deve ser assegurado, porém sua operacionalização encontra vários gargalos tais como: falta de estrutura e capacitação para os indígenas que integram os Conselhos Distritais; recursos incompatíveis com as suas demandas; falta de autonomia administrativa e financeira dos DSEIs;
  • recusamos a tendência de municipalização da gestão da saúde indígena e exigimos que a FUNASA se estruture para assumir de fato suas responsabilidades no setor, garantindo sua federalização;
  • requeremos a participação indígena efetiva na construção e realização da Conferência Nacional de Saúde Indígena;
  • reforçamos a necessidade de capacitação dos integrantes indígenas dos Conselhos Locais e Distritais de Saúde Indígena para a fiscalização da aplicação dos recursos e das ações da FUNASA;
  • exigimos que se garanta a autonomia administrativa e financeira dos DSEIs.
  • o Ministério da Saúde comprometeu-se em realizar a Conferência Nacional de Saúde Indígena em Março de 2006, assegurando ampla participação dos povos e organizações indígenas;
  • o Ministério da Saúde analisará e implementará regras próprias para as organizações indígenas conveniadas com a FUNASA e com o reconhecimento profissional dos agentes indígenas de saúde;
  • o Ministério da Saúde não se comprometeu com as demandas das plenárias quanto a melhoria da eficiência da participação indígena nos Conselhos Locais e Distritais e nem respondeu os questionamentos sobre a tendência à municipalização da gestão.

6 – Educação

  • entendemos que a transferência da execução das ações da educação escolar indígena para os estados – e destes para os municípios – é o principal problema para a implantação de uma educação escolar indígena diferenciada e de qualidade;
  • os Estados e os municípios não são capazes ou demonstram vontade política em seguir as orientações do MEC quanto a este tema;
  • exigimos do MEC a convocação de uma Conferência Nacional de Educação Indígena e que o Governo Federal estude formas de exigir dos estados e municípios o cumprimento da Constituição e das normais legais que nos asseguram uma educação escolar diferenciada de qualidade;
  • exigimos a ampliação dos convênios com as Universidades Públicas Federais e estaduais nas regiões e não só com a Universidade de Brasília;
  • exigimos do MEC que implemente junto aos Estados a abertura dos cursos de ensino médio nas aldeias;
  • o Ministério da Educação - MEC não se comprometeu a convocar a Conferência Nacional de Educação Indígena e nem tocou no assunto das escolas técnicas e dos cursos de ensino médio nas aldeias;
  • o MEC se comprometeu a implementar o que chama de “assistência estudantil” – uma bolsa de estudos para manter os estudantes indígenas nas universidades;
  • o MEC se comprometeu em pressionar os Estados para garantir a presença indígena nos Conselhos Locais e Nacional do FUNDEF e em aumentar o orçamento para a educação escolar indígena em 2006.

Ressaltamos que o Acampamento Terra Livre é a expressão da vontade de união dos povos indígenas do Brasil entre si e com seus aliados. Apesar das forças contrárias, continuamos determinados a lutar para garantir o irrestrito respeito aos nossos direitos assegurados na Constituição Federal de 1988 e na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).


Boletim Pró-Yanomami Nº 63 - Fechamento: 05/05/2005
Coordenação Editorial: Alcida Rita Ramos, Bruce Albert, Jô Cardoso de Oliveira
Redação: Rosane A. Garcia

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