As
recentes remoções de doentes yanomami de suas
aldeias para Boa Vista, capital de Roraima, revelaram que a
infra-estrutura deficiente da Casa do Índio (Casai) local
também prejudica o atendimento aos pacientes indígenas.
Faltam medicamentos e a maioria dos equipamentos está
danificada, impossibilitando a realização dos
exames necessários. Neste contexto crítico, os
Conselheiros indígenas do DSEI-Yanomami cobraram presença
mais constante dos técnicos de saúde nas aldeias,
a fim de evitar remoções para a cidade.
A
situação da Casa do Índio de Boa Vista
foi denunciada por diversos integrantes do Conselho do DSEI-Yanomami,
reunido no final de junho passado, bem como pela Comissão
Pró-Yanomami (CCPY). Em julho último, a Casa do
Índio de Boa Vista concentrava 120 Yanomami, entre pacientes
e acompanhantes. Mesmo com dez médicos teoricamente lotados
na instituição, a maioria dos doentes tem de esperar
entre 40 e 90 dias para a realização de exames,
o que favorece também a contração de outras
doenças no local e sua posterior disseminação
na terra indígena (como é o caso da disenteria
virótica que se alastra na área Yanomami desde
a semana passada).
Além
de superlotada, a Casa do Índio não garante aos
pacientes indígenas um atendimento em saúde culturalmente
diferenciado. Embora os Yanomami removidos falem quatro línguas
yanomami distintas, a maioria não falam português,
mas a instituição conta apenas com uma intérprete
em tempo parcial, tornando muito difícil a comunicação
entre os índios e os médicos ou auxilares de enfermagem.
Até hoje os pacientes comem sentados pelo chão
dos corredores, enquanto não são concluídas
as obras de uma cozinha e de um refeitório estimadas
em R$ 1,4 milhão de reais.
O
Presidente da Hutukara Associação Yanomami, Davi
Kopenawa Yanomami, visitou no dia 11 de julho a Casa do Índio,
juntamente com representantes do Ministério Público
de Roraima e do DSEI-Yanomami, profissionais de saúde
da Funasa e funcionários da conveniada Fundação
Universidade de Brasília (FUB).
Davi
Kopenawa confirmou a relevância das denúncias sobre
a precariedade do atendimento aos pacientes yanomami na instituição
e exigiu uma resposta dos responsáveis da Casa do Índio
e da Funasa, provocando uma reunião em que participaram
os representantes dessas instituições e da CCPY,
na tentativa de buscar soluções para o problema.
Foi
imediatamente criada uma comissão permanente para fiscalizar
a qualidade do atendimento na Casa do Índio. Integram
o grupo os antropólogos Ângela Kurovski (CCPY)
e Jankiel de Campos (Ministério Público de Roraima),
a assistente social da Universidade de Brasília, Jane
Ferreira, o representante do Sindicato dos Servidores, Carlos
José Dantas, a enfermeira supervisora da UnB, Kelly Maria
Q. Martins, e o técnico de enfermagem da Funasa, Dionídes
Peixoto Silva.
A
primeira medida foi fazer uma triagem dos pacientes yanomami,
quando se constatou que 10 deles já podiam receber alta
e não teria motivo para permanecer na Casa do Índio.
Foi exigido também um compromisso dos responsáveis
do DSEI-Yanomami (Funasa) de somente remover os doentes para
exames com data de retorno previamente marcada.
Além
das deficiências existentes na Casa do Índio, os
Yanomami enfrentam também problemas nos hospitais da
rede pública local. Falta a estes hospitais um sistema
adequado de comunicação com os doentes yanomami
e seus acompanhantes e condições culturalmente
apropriadas de atendimento.
A Funasa local reconhece que o seu registro de pacientes é
precário e suas ações não estão
suficientemente articuladas com a rede do Sistema Único
de Saúde (SUS). Assim, as remoções de doentes
yanomami para as unidades do SUS nem sempre chegam ao seu conhecimento.
Não
raro, os familiares dos pacientes ficam meses sem qualquer informação
sobre o estado de saúde dos índios internados.
Tanto no hospital Coronel Mota, quanto no Materno-Infantil Nossa
Senhora de Nazaré, os doentes yanomami são também
obrigados a enfrentar longas filas para serem atendidos. Entretanto,
a Funasa desembolsa, por mês, quase R$ 100 mil para que
os nove hospitais da rede pública atendam corretamente
os Yanomami.
Denúncias
do Conselho Local de Saúde de Surucucu
O
Presidente da Hutukara Associação Yanomami, Davi
Kopenawa Yanomami, divulgou no dia 16 de julho uma carta confirmando
as denúncias de líderes indígenas de Surucucu
em reunião do Conselho local do DSEI-Yanomami. Davi voltou
a insistir sobre a necessidade de a Fundação Nacional
de Saúde (Funasa) garantir o fornecimento de remédios
em quantidade suficiente para o atendimento tente na Terra Indígena
Yanomami. Segundo ele, sempre faltam medicamentos na área
e, além disso, os funcionários da Funasa não
têm recebido salários e alimentos normalmente,
prejudicando sua boa atuação no campo.
Davi afirma
também que a Funasa, que antes havia prometido acabar
com as doenças na área indígena, “enganou”
os Yanomami. Ele reclamou novamente do tempo indevido de permanência
dos doentes yanomami na Casa do Índio, em Boa Vista.
Apresentamos a seguir a íntegra da carta do líder
yanomami:
Mensagem
da Hutukara Associação Yanomami
Durante
o Conselho Local de Saúde no Surucucu, nós nos
reunimos a Funasa, a Funai, os povos do Xirimihiki , do Hakoma,
do Okomouu, do Arasiki , do Yamaasiki, nós Yanomami que
falamos português, João Davi do Kayana u, Peri
do Alto Mucajai, Arokona Presidente do Conselho Distrital, da
Maloca Paapiú, eu, Davi Kopenawa do Watoriki, nós
nos juntamos, formando um grupo de 80 lideranças.
Nós
estamos muito preocupados porque na nossa floresta, as doenças-epidemia
xawara voltaram a crescer. Nós pedimos às lideranças
da Funasa para mandar outros remédios, porque na nossa
floresta os remédios que existem não são
suficientes, pois a Funasa só manda pouco remédio.
Por não haver remédios para nós, nós
pedimos à Funasa muito mais remédios. As doenças-epidemia
estão aí, perigosas, nós não queremos
morrer como morríamos antes, não queremos ver
nossas crianças morrendo de pneumonia e diarréia,
é por isso que nós estamos pedindo às lideranças
do Ministério e da Fundação Nacional de
Saúde muito mais remédios.
A
Funasa não tem trabalhado direito. Na nossa floresta,
no trabalho do funcionário napë [branco], faltam
remédios, por isso quando vêm as doenças
contagiosas, nós ficamos preocupados. Porque nos postos,
nunca tem aquilo que nos cure. Embora o trabalho dos napë
na nossa floresta seja bom, vocês chefes, também
devem pagar os seus funcionários com comida, com dinheiro,
vocês devem distribuir aos funcionários, para eles
não ficarem com fome. Nós, Yanomami, queremos
que haja melhora da qualidade de vida.
Vocês
da Funasa prometeram que acabariam com as doenças contagiosas.
Vocês da Funasa nos enganaram de novo, a nós, Yanomami,
porque vocês querem pegar o dinheiro da saúde.
Se vocês realmente quisessem ajudar mesmo os povos da
Floresta, isso não estaria acontecendo. Vocês só
querem mesmo é o dinheiro.
Sobre
a Casa do Índio, nós também estamos preocupados.
Quando nós, Yanomami, nos curamos, vocês não
nos mandam logo de volta para casa. Quando os Yanomami, depois
de já estarem curados, ficam ainda muito tempo vivendo
na Casa do Índio, eles ficam com saudades do seu povo
na floresta. Para mim seria bom se só ficassem na Casa
do Índio aqueles que ainda não se curaram, que
ainda estão tomando remédio, pois eu continuo
a ajudar o meu povo.
No
dia 11 de julho de 2005, eu disse à administradora da
Casa do Índio: “Os Yanomami com saúde, você
tem que entregar de volta para a Funasa. Existem outras doenças
lá, na Casa. Para que os Yanomami curados não
contraiam outras doenças, você deve mandá-los
logo de volta para casa porque os parentes sentem falta dele.
Seus filhos estão com saudades. Vocês, brancos,
vão ajudar muito os Yanomami se não ficarem muitos
Yanomami na Casa do Índio”. Foi assim que eu expliquei.
Eu gostaria de deixar isto claro para vocês, brancos da
cidade.
Vocês,
outros brancos, não devem pensar que o pessoal da Funasa
presta uma boa ajuda aos Yanomami; a saúde Yanomami ainda
não está boa.
Davi
Kopenawa Yanomami