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Surto de disenteria virótica assola população Yanomami

Profissionais de saúde sem salários há dois meses na Terra Indígena Yanomami
Assistência médica precária aos Yanomami na Casa do Índio e nos hospitais de Boa Vista (RR)
Denúncias do Conselho Local de Saúde de Surucucu

Surto de disenteria virótica assola população Yanomami

A população Yanomami está sendo atingida, desde a semana passada, por um surto de disenteria virótica que já provocou a morte de uma criança menor de um ano e poderá se agravar, principalmente, nas regiões Demini (AM), Haxiu e Baixo Mucajaí (RR). A inquietante previsão é do Presidente do Sindicato dos Profissionais de Saúde na área Yanomami, que denunciou a epidemia entre as comunidades indígenas à imprensa local (Folha de Boa Vista, 11.08.05).

A fim de ajudar a controlar a situação, o Presidente da Hutukara Associação Yanomami, Davi Kopenawa Yanomami, cuja filha Silvia foi também gravemente atingida pelo surto de disenteria na aldeia do Demini, embarcou dia 11 de agosto, com uma equipe de emergência da Funasa, para a Terra Indígena Yanomami.

Entretanto, de acordo com o Presidente do Sindicato citado na Folha de Boa Vista de 11 de agosto, a preocupante situação sanitária da Terra Indígena Yanomami é agravada pela decisão dos profissionais de saúde que atuam na área e que não recebem salário há dois meses, de parar de trabalhar, deixando a descoberto vários postos de saúde.


Profissionais de saúde sem salários há dois meses na Terra Indígena Yanomami

Apesar da recente prorrogação do convênio entre a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e a Fundação Universidade de Brasília (FUB), que garante a contratação dos profissionais de saúde para atuar em 18 pólos da Terra Indígena Yanomami (Diário Oficial da União de 23 de junho), permanece extremamente caótico o repasse dos recursos necessários ao bom funcionamento do Distrito Sanitário Yanomami (DSEI-Yanomami). Como conseqüência, há uma falta crônica de medicamentos e equipamentos na área indígena, bem como constantes atrasos no pagamento dos profissionais de saúde em campo, comprometendo gravemente a qualidade do atendimento às comunidades indígenas Yanomami.

A insatisfação dos profissionais de saúde com as suas condições de trabalho na Terra Indígena e com os atrasos salariais tem sido denunciada pelo Presidente do Sindicato dos Profissionais da Área Yanomami desde o último dia 12 de julho (Folha de Boa Vista). Reagindo à denúncia, a direção da Funasa esclareceu, em nota à Folha de Boa Vista (15.07.05), que o atraso decorreu de pendências constatadas na prestação de contas da FUB, bloqueando a liberação da quarta parcela do convênio firmado em julho de 2004, no valor global de R$ 10,9 milhões de reais.

Em 10 de agosto último, o Presidente daquele Sindicato voltou a denunciar o não pagamento do salário dos profissionais de saúde, alertando para o fato de que a rotinização de tais atrasos salariais começava a desestruturar a assistência sanitária à população yanomami (Folha de Boa Vista, 10/8/05).


Assistência médica precária aos Yanomami na Casa do Índio e nos hospitais de Boa Vista (RR)

As recentes remoções de doentes yanomami de suas aldeias para Boa Vista, capital de Roraima, revelaram que a infra-estrutura deficiente da Casa do Índio (Casai) local também prejudica o atendimento aos pacientes indígenas. Faltam medicamentos e a maioria dos equipamentos está danificada, impossibilitando a realização dos exames necessários. Neste contexto crítico, os Conselheiros indígenas do DSEI-Yanomami cobraram presença mais constante dos técnicos de saúde nas aldeias, a fim de evitar remoções para a cidade.

A situação da Casa do Índio de Boa Vista foi denunciada por diversos integrantes do Conselho do DSEI-Yanomami, reunido no final de junho passado, bem como pela Comissão Pró-Yanomami (CCPY). Em julho último, a Casa do Índio de Boa Vista concentrava 120 Yanomami, entre pacientes e acompanhantes. Mesmo com dez médicos teoricamente lotados na instituição, a maioria dos doentes tem de esperar entre 40 e 90 dias para a realização de exames, o que favorece também a contração de outras doenças no local e sua posterior disseminação na terra indígena (como é o caso da disenteria virótica que se alastra na área Yanomami desde a semana passada).

Além de superlotada, a Casa do Índio não garante aos pacientes indígenas um atendimento em saúde culturalmente diferenciado. Embora os Yanomami removidos falem quatro línguas yanomami distintas, a maioria não falam português, mas a instituição conta apenas com uma intérprete em tempo parcial, tornando muito difícil a comunicação entre os índios e os médicos ou auxilares de enfermagem. Até hoje os pacientes comem sentados pelo chão dos corredores, enquanto não são concluídas as obras de uma cozinha e de um refeitório estimadas em R$ 1,4 milhão de reais.

O Presidente da Hutukara Associação Yanomami, Davi Kopenawa Yanomami, visitou no dia 11 de julho a Casa do Índio, juntamente com representantes do Ministério Público de Roraima e do DSEI-Yanomami, profissionais de saúde da Funasa e funcionários da conveniada Fundação Universidade de Brasília (FUB).

Davi Kopenawa confirmou a relevância das denúncias sobre a precariedade do atendimento aos pacientes yanomami na instituição e exigiu uma resposta dos responsáveis da Casa do Índio e da Funasa, provocando uma reunião em que participaram os representantes dessas instituições e da CCPY, na tentativa de buscar soluções para o problema.

Foi imediatamente criada uma comissão permanente para fiscalizar a qualidade do atendimento na Casa do Índio. Integram o grupo os antropólogos Ângela Kurovski (CCPY) e Jankiel de Campos (Ministério Público de Roraima), a assistente social da Universidade de Brasília, Jane Ferreira, o representante do Sindicato dos Servidores, Carlos José Dantas, a enfermeira supervisora da UnB, Kelly Maria Q. Martins, e o técnico de enfermagem da Funasa, Dionídes Peixoto Silva.

A primeira medida foi fazer uma triagem dos pacientes yanomami, quando se constatou que 10 deles já podiam receber alta e não teria motivo para permanecer na Casa do Índio. Foi exigido também um compromisso dos responsáveis do DSEI-Yanomami (Funasa) de somente remover os doentes para exames com data de retorno previamente marcada.

Além das deficiências existentes na Casa do Índio, os Yanomami enfrentam também problemas nos hospitais da rede pública local. Falta a estes hospitais um sistema adequado de comunicação com os doentes yanomami e seus acompanhantes e condições culturalmente apropriadas de atendimento.

A Funasa local reconhece que o seu registro de pacientes é precário e suas ações não estão suficientemente articuladas com a rede do Sistema Único de Saúde (SUS). Assim, as remoções de doentes yanomami para as unidades do SUS nem sempre chegam ao seu conhecimento.

Não raro, os familiares dos pacientes ficam meses sem qualquer informação sobre o estado de saúde dos índios internados. Tanto no hospital Coronel Mota, quanto no Materno-Infantil Nossa Senhora de Nazaré, os doentes yanomami são também obrigados a enfrentar longas filas para serem atendidos. Entretanto, a Funasa desembolsa, por mês, quase R$ 100 mil para que os nove hospitais da rede pública atendam corretamente os Yanomami.



Denúncias do Conselho Local de Saúde de Surucucu

O Presidente da Hutukara Associação Yanomami, Davi Kopenawa Yanomami, divulgou no dia 16 de julho uma carta confirmando as denúncias de líderes indígenas de Surucucu em reunião do Conselho local do DSEI-Yanomami. Davi voltou a insistir sobre a necessidade de a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) garantir o fornecimento de remédios em quantidade suficiente para o atendimento tente na Terra Indígena Yanomami. Segundo ele, sempre faltam medicamentos na área e, além disso, os funcionários da Funasa não têm recebido salários e alimentos normalmente, prejudicando sua boa atuação no campo.

Davi afirma também que a Funasa, que antes havia prometido acabar com as doenças na área indígena, “enganou” os Yanomami. Ele reclamou novamente do tempo indevido de permanência dos doentes yanomami na Casa do Índio, em Boa Vista. Apresentamos a seguir a íntegra da carta do líder yanomami:

Mensagem da Hutukara Associação Yanomami

Durante o Conselho Local de Saúde no Surucucu, nós nos reunimos a Funasa, a Funai, os povos do Xirimihiki , do Hakoma, do Okomouu, do Arasiki , do Yamaasiki, nós Yanomami que falamos português, João Davi do Kayana u, Peri do Alto Mucajai, Arokona Presidente do Conselho Distrital, da Maloca Paapiú, eu, Davi Kopenawa do Watoriki, nós nos juntamos, formando um grupo de 80 lideranças.

Nós estamos muito preocupados porque na nossa floresta, as doenças-epidemia xawara voltaram a crescer. Nós pedimos às lideranças da Funasa para mandar outros remédios, porque na nossa floresta os remédios que existem não são suficientes, pois a Funasa só manda pouco remédio. Por não haver remédios para nós, nós pedimos à Funasa muito mais remédios. As doenças-epidemia estão aí, perigosas, nós não queremos morrer como morríamos antes, não queremos ver nossas crianças morrendo de pneumonia e diarréia, é por isso que nós estamos pedindo às lideranças do Ministério e da Fundação Nacional de Saúde muito mais remédios.

A Funasa não tem trabalhado direito. Na nossa floresta, no trabalho do funcionário napë [branco], faltam remédios, por isso quando vêm as doenças contagiosas, nós ficamos preocupados. Porque nos postos, nunca tem aquilo que nos cure. Embora o trabalho dos napë na nossa floresta seja bom, vocês chefes, também devem pagar os seus funcionários com comida, com dinheiro, vocês devem distribuir aos funcionários, para eles não ficarem com fome. Nós, Yanomami, queremos que haja melhora da qualidade de vida.

Vocês da Funasa prometeram que acabariam com as doenças contagiosas. Vocês da Funasa nos enganaram de novo, a nós, Yanomami, porque vocês querem pegar o dinheiro da saúde. Se vocês realmente quisessem ajudar mesmo os povos da Floresta, isso não estaria acontecendo. Vocês só querem mesmo é o dinheiro.

Sobre a Casa do Índio, nós também estamos preocupados. Quando nós, Yanomami, nos curamos, vocês não nos mandam logo de volta para casa. Quando os Yanomami, depois de já estarem curados, ficam ainda muito tempo vivendo na Casa do Índio, eles ficam com saudades do seu povo na floresta. Para mim seria bom se só ficassem na Casa do Índio aqueles que ainda não se curaram, que ainda estão tomando remédio, pois eu continuo a ajudar o meu povo.

No dia 11 de julho de 2005, eu disse à administradora da Casa do Índio: “Os Yanomami com saúde, você tem que entregar de volta para a Funasa. Existem outras doenças lá, na Casa. Para que os Yanomami curados não contraiam outras doenças, você deve mandá-los logo de volta para casa porque os parentes sentem falta dele. Seus filhos estão com saudades. Vocês, brancos, vão ajudar muito os Yanomami se não ficarem muitos Yanomami na Casa do Índio”. Foi assim que eu expliquei. Eu gostaria de deixar isto claro para vocês, brancos da cidade.

Vocês, outros brancos, não devem pensar que o pessoal da Funasa presta uma boa ajuda aos Yanomami; a saúde Yanomami ainda não está boa.

Davi Kopenawa Yanomami


Boletim Pró-Yanomami Nº 67 - Fechamento: 15/08/2005
Coordenação Editorial: Alcida Rita Ramos, Bruce Albert, Jô Cardoso de Oliveira
Redação: Luis Fernando Pereira


 

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