Após
quatro anos sem um único caso de malária na região
do Aracá, sudoeste da área Yanomami (AM), foram
registrados 40 casos de infestação por Plasmódium
falciparum no mês de agosto último, acometendo quase
60% da população - 68 pessoas (dados da SECOYA -Serviço
e Cooperação com o Povo Yanomami). Estes casos culminaram
na morte de uma criança de seis anos, segundo informações
da enfermeira Rita de Cássia Barros, da Missão Novas
Tribos do Brasil (MNTB) que também atuam no local.
De acordo com a enfermeira, a nova expansão da malária
nessa região deve-se, principalmente, às freqüentes
visitas dos Yanomami do Aracá a comunidades na Venezuela
e em outras próximo a acampamentos de garimpeiros, como
a dos Katakatapiu teri, localizada abaixo da cachoeira do Aracá),
numa situação onde não há um controle
sanitário eficiente.
A falta de disponibilidade rápida de remédios antimaláricos
também tem agravado essa situação: “Como
estivemos quatro anos sem malária, estávamos meio
descobertos de medicamentos, até porque é necessário
provar um determinado número de casos para termos acesso
aos remédios. Mas quando começou a aparecer um monte
de casos, um atrás do outro, não havia medicamento
em área e o pessoal da farmácia do Distrito Sanitário
Yanomami (DSY-FUNASA) também não tinha. Apenas dois
dias depois que os remédios em área acabaram, conseguimos
enviar em uma aeronave nossa mais medicamentos”, afirmou
a missionária Rita de Cássia.
Na região do rio Marauiá, afluente do rio Negro,
no estado do Amazonas, os casos de malária saltaram de
20 em janeiro para 64 em julho, chegando a um pico de 83 em maio.
O total foi de 366 casos de malária durante os primeiros
sete meses deste ano, em uma população de 1.393
pessoas. Durante este mesmo período, outra região
da área yanomami no Amazonas, o Padauari, contabilizou
126 casos entre os 761 residentes locais.
O Presidente da SECOYA, ONG conveniada com a FUNASA responsável
pelo atendimento em saúde nas regiões do Marauiá,
Ajuricaba e Padauari, João Silvério Dias, atribui
a falha no controle da malária na região aos atrasos
do repasse de verbas da FUNASA, que afetou seriamente a manutenção
da estrutura de atendimento na região: “Nós
tivemos que usar recursos do nosso programa de educação.
Ficamos sem pagar nossos funcionários durante quatro meses,
até junho. Nós tivemos oito técnicos que
não foram para a área. Como vou mandar alguém
para a área devendo quatro meses?”.
Este caso põe também em questão a política
centralizadora que tem sido adotada para a aquisição
de medicamentos que devem ser requisitados à FUNASA e não
podem ser comprados diretamente pelas conveniadas em função
das necessidades de campo, o que compromete gravemente a rapidez
no atendimento: “Para este ano, conseguimos comprar somente
agora. Antes estava faltando de tudo. Nós conseguimos comprar
os remédios porque brigamos muito. Liberaram 70 mil reais
para comprarmos no comércio em Manaus”.
Suspenso
atendimento em saúde na Terra Indígena Yanomami
O atendimento
à saúde na Terra Indígena Yanomami acabou
sendo parcialmente interrompido devido ao atraso no repasse de
verbas e pagamento dos salários dos profissionais de saúde
nos dois últimos meses. Cerca de 70% dos funcionários
de saúde contratados pela Fundação Universidade
de Brasília (FUB), via convênio com a FUNASA para
o Distrito Sanitário Yanomami, decidiram suspender as suas
atividades até ser liberada a quinta parcela do convênio
e acertadas todas as pendências salariais.
A paralisação
começou no dia 11 de setembro, quando os funcionários
associados ao Sindicato dos Profissionais da Área Yanomami
se recusaram a entrar na região de Auaris para substituir
os que já haviam cumprido seu tempo de serviço.
A iniciativa
de paralisar as atividades foi tomada em um momento delicado,
já que os Yanomami enfrentam surtos de malária,
tuberculose e pneumonia. Entretanto, segundo o presidente do Sindicato,
José Rondinelli Rodrigues, a decisão se deve não
somente ao problema dos salários e sustentação
dos profissionais de saúde no campo, mas também
à precariedade logística incapaz de garantir a boa
qualidade do atendimento na área indígena. Segundo
ele afirmou ao Boletim CCPY, “na verdade, o material enviado
pela FUNASA é muito precário, os Yanomami reclamam
muito. O pessoal entregou um material sem qualidade. O que afeta
mais diretamente os funcionários é o atraso dos
salários e a falta de alimentação em área”.
No dia 14
de setembro, a FUNASA anunciou a liberação da verba
do convênio da FUB que foi prorrogado até novembro
e, segundo divulgação pelo jornal Folha de Boa Vista
do dia 15 de setembro, negou que houvesse qualquer tipo de suspensão
no atendimento à saúde dos Yanomami.
Durante o ano, o atendimento aos Yanomami tem sido constantemente
prejudicado por problemas de transferência de recursos.
Nos últimos dois meses, já houve a ameaça
de suspensão total das atividades de saúde em todos
os pólos-base atendidos pela FUNASA, devido ao atraso do
repasse da quarta parcela do convênio. (ver
Boletim CCPY 67).
Casa
do Índio em Roraima na espera de novas dependências
A
FUNASA assinou a ordem de serviço para a construção
de oito novas enfermarias na Casa de Saúde do Índio
de Roraima (Casai) em substituição às instalações
antigas que funcionam desde 1976. Uma das novas enfermarias
terá capacidade para 24 doentes acamados e as demais
poderão abrigar até 30 em redes. Também
estão sendo construídos refeitórios, cozinha
e lavanderia industriais. O valor total das obras está
previsto em R$ 2,3 milhões. Essa iniciativa da FUNASA
responde, em parte, às reivindicações constantes
dos pacientes e das comunidades indígenas, que têm
reiteradamente cobrado melhorias na estrutura física
da instituição.
Apesar de sua capacidade para 180 pessoas, a Casai atende atualmente
a 400 pacientes, acometidos de malária, tuberculose e
gripe, entre outras doenças. Apesar de essas obras criarem
novos espaços para pacientes e acompanhantes, a capacidade
da Casai será apenas ampliada para 234 pessoas.
Enquanto o refeitório e a cozinha não são
terminados, os pacientes continuam a comer no chão. Além
do problema de falta de medicamentos e de equipamentos danificados,
não existe um modelo ágil de atendimento, apesar
de a Casai contar, teoricamente, com dez médicos. A demora
no diagnóstico e tratamento, com duração
total entre 40 e 90 dias, expõe os pacientes já
curados ou seus acompanhantes a novas doenças.
Durante o mês de junho, os Conselheiros indígenas
do Distrito Sanitário Yanomami denunciaram novamente
a situação precária da Casai, destacando
a falta de estrutura física e de atendimento diferenciado.
Reforçando as denúncias, o presidente da Hutukara
Associação Yanomami, Davi Kopenawa, exigiu uma
resposta da FUNASA quanto à criação de
uma comissão permanente, da qual a CCPY faria parte,
para fiscalizar a qualidade do atendimento na Casai. (ver
Boletim CCPY 67).
Reunião
extraordinária do Conselho Distrital de Saúde Yanomami
Durante
a reunião extraordinária do Conselho Distrital
de Saúde Yanomami prevista para ser realizada de 15 a
16 de setembro no auditório da Funasa em Boa Vista, Roraima,
para discutir os atuais problemas de atendimento na Terra Indígena
Yanomami, os conselheiros Yanomami, insatisfeitos com a maneira
como a reunião estava sendo conduzida, em protesto, fecharam
momentaneamente a sede da Funasa em Boa Vista. A pauta incluía
a discussão da qualidade e da continuidade dos serviços
de saúde na T.I.Y, além da renovação
dos convênios entre a Funasa e as organizações
não governamentais prestadoras de serviços, a
regularidade do pagamento das equipes multidisciplinares de
saúde, o processo de compra de materiais e equipamentos
e os serviços de saneamento básico das comunidades.
Em vista do ocorrido, a CCPY emitiu o comunicado que é
transcrito a seguir:
Yanomami
ocupam sede da Funasa em Roraima em protesto contra mau atendimento
Ontem, quinta-feira 15 de setembro, após tentativas
infrutíferas de diálogo com representantes da
Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) de
Roraima, um grupo de 25 Conselheiros Yanomami acabou bloqueando
entradas e saídas da sede da instituição
em Boa Vista (RR) durante cerca de duas horas. O ato de protesto
se deu após o início da reunião extraordinária
do Conselho Distrital de Saúde Yanomami, onde seriam
discutidas as graves insuficiências que vêm afetando
a qualidade do atendimento em saúde na Terra Indígena
Yanomami. Diante da falta de explicações dos representantes
da instituição, os líderes Yanomami, pintados
de preto, cor de guerra, resolveram cercar a Funasa e aguardar
o retorno de Brasília do seu Coordenador-geral, Ramiro
Teixeira, prevista para hoje (16 de setembro).
Segundo Davi Kopenawa, Presidente da Hutukara Associação
Yanomami, que participou do ato, essa foi a única forma
encontrada pelos Yanomami para que suas reivindicações
quanto à assistência em saúde as suas comunidades
fossem ouvidas pela FUNASA : “Nós, Yanomami, queremos
falar diretamente ao Ministro da Saúde, ao Presidente
da Funasa. Nós nos zangamos porque os funcionários
que trabalham em Boa Vista não sabem resolver nada. Queremos
falar com autoridade, com peixe grande, para resolver nossos
problemas, com Ramiro Teixeira e o doutor Paulo Lustosa, Presidente
da Funasa. São eles que vão resolver, que vão
falar para nós e explicar porque a Funasa está
enrolando, por que a Funasa está enganando, porque a
Funasa não libera dinheiro para continuar o trabalho
de saúde, porque não envia remédio, porque
não manda alimento para os funcionários”.
Davi elencou as principais preocupações que os
conselheiros yanomami teriam tentado discutir em vão
com os representantes locais da FUNASA: “Na área
Yanomami está faltando remédio, sempre pedimos,
mas mandam muito pouco. Faltam materiais, agulhas, seringas
pequenas e grandes, estetoscópio, termômetro. Eles
também não manda alimento para os funcionários.
Também voltaram as doenças, a malária voltou
a crescer no Padauiari, Marari, Marauiá e Ajuricaba,
por isso ficamos preocupados. A malária também
está aumentando lá no Alto Mucajaí, no
Parawau, que tem uns 30 casos. Estão voltando com força
as doenças que os garimpeiros deixaram em nossa floresta,
tuberculose também aumentou, diarréia e doenças
venéreas”.
O Presidente da Hutukara afirma que, apesar de Yanomami terem
insistido em obter respostas diretas sobre a constante degradação
do sistema de atendimento durante todas as reuniões do
Conselho do Distrito Sanitário Yanomami desde o começo
do ano, não ouviram nada além de evasivas. “Eles
diziam que não sabiam, que não sabiam explicar,
que não era com eles, que eles não podiam resolver
os problemas, somente os chefes deles poderiam resolver. Eles
diziam que somente os chefes têm autonomia, têm
dinheiro na mão, que eles não podiam falar porque
ficariam com o ‘rabo preso’. Por isso, decidimos
pedir direto para os chefes deles”, declarou o Presidente
da Hutukara, Davi Kopenawa.
Na reunião do Conselho Distrital aberta ontem continuaram
as manobras dilatórias a fim de contornar a manifestação
de protesto dos Conselheiros Yanomami, suscitando sua crescente
impaciência. Além disso, segundo Davi Kopenawa,
a organização da reunião ficou enviesada,
não tendo o grau de representatividade esperado: “A
FUNASA não preparou bem a reunião. Eles não
chamaram o Conselho Indígena de Roraima (CIR), não
chamaram a Funai, não chamaram a Polícia Federal,
não chamaram ninguém de fora para ajudar a esclarecer
os problemas de saúde”.
Os Conselheiros Yanomami voltarão à sede da FUNASA
hoje, sexta-feira, dia 16 de setembro, a fim de cobrar respostas
diretas do seu Coordenador Regional Ramiro Teixeira, e a resolução
imediata dos problemas do atendimento à saúde
na Terra Indígena Yanomami.