Longe
de ser uma mera comemoração, a festa da homologação
da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, que reuniu mais
de três mil pessoas, foi um momento de refortalecimento
e reafirmação dos objetivos dos povos indígenas
brasileiros. A conclusão é de Davi Kopenawa, presidente
da Hutukara Associação Yanomami, presente ao evento
ocorrido entre os dias 21 e 30 de setembro, que ressaltou como
a homologação em terra contínua coroou os
esforços do movimento indígena. “Todos os
povos indígenas do Brasil, em Roraima, Amazonas e outros
lugares, todos nós estamos felizes com a homologação
da Raposa. Todos nós ganhamos essa área única,
conseguimos uma vitória. Yanomami, Waiwai, Waimiri-Atroari
e outros parentes do Brasil, para todos nós essa homologação
foi muito importante para manter a segurança dos nossos
costumes, para manter a segurança contra os que querem
destruir a natureza. E para fazer com que o pensamento desses
destruidores retrocedesse”.
Segundo Davi, que defendeu ativamente a homologação
em área contínua em consonância com o desejo
dos Yanomami (ver Boletins 38,
48
e 63),
um dos principais pontos a ser comemorado neste momento é
o reconhecimento dos direitos e da luta das populações
indígenas no sentido da autodeterminação
de seus rumos e meios de vida. “Somos nós que decidimos
o que faremos o que nós vamos comer. Somos filhos da terra,
somos filhos da floresta, estamos acostumados com a floresta desde
pequenos. Temos a sabedoria, temos os costumes, então nós
podemos decidir. Podemos cuidar de nossas árvores, rios
e montanhas, tudo aquilo que a natureza fez antes de nós.
Nós queremos nossa própria terra para guardar tudo
isso”.
Davi Kopenawa disse ter se sentido entristecido ao constatar a
destruição no Centro de Formação e
Cultura Raposa-Serra do Sol causada por descontentes com a decisão
de homologação em área contínua. “Eu
passei lá no Surumu e vi como queimaram tudo, botaram fogo,
quebraram tudo. Eu passei e fiquei muito triste porque essa era
uma casa dos brancos que virou casa dos índios, foi conquista
dos Macuxi. Alguns parentes ficaram com raiva, porque são
amigos dos políticos brancos, e fizeram isso. Mandaram
queimar a igreja, quebrar a escola que os padres deram para eles”.
De acordo com Davi, o crime teria sido perpetrado por indivíduos
que não representam os desejos da maioria da população
indígena e são manipulados por interesses de grupos
oligárquicos locais que fazem falsas promessas. “Esses
Macuxi que querem viver igual aos brancos. Não dormem direito,
eles não comem direito. Eles ficam pensando que vão
ganhar dinheiro que nem os brancos quando ficam do lado de alguns
políticos, mas não é verdade, eles ficam
trabalhando para o branco que só tem desejo de dar cachaça.
Eles trabalham mal e vivem mal. Nós temos o direito de
trabalhar e viver em nossas terras, trabalhar igual à nossa
tradição. Somente assim nós trabalhamos bem,
vivemos bem, comemos bem, com macaxeira, banana, tomando água
limpa, isso é o mais importante para nós”.
Durante as comemorações, foram homenageadas várias
figuras públicas que tiveram papel de destaque no apoio
aos mais de 30 anos de luta pela homologação. Para
Davi, o encontro foi importante para fortalecer os laços
com outras organizações indígenas, como o
Conselho Indígena de Roraima - CIR, cujos integrantes teriam
lhe declarado a importância da Hutukara Associação
Yanomami como uma forte aliada na luta pela defesa dos direitos
dos povos indígenas. Segundo Davi, a troca de experiências
entre essas organizações seria essencial para o
fortalecimento mútuo. Fez uma ligação entre
os debates realizados na Raposa-Serra do Sol com sua recente visita
ao Acre para participar de reunião promovida pela Rede
de Cooperação Alternativa, formada pelas associações
indígenas e indigenistas Instituto Socioambiental (ISA),
CPI Acre, Iepe, Foirn, Wyty-Catë, Opiac e Atix, coordenada
pela CCPY e o Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e financiada
pela Fundação Rainforest da Noruega (ver
Boletins 51
e 69).
“Eu fui ao Acre para conhecer o Kaxinawa, Ashaninka, e outros
povos indígenas do alto Rio Negro. Foi muito bom, eles
falaram de suas lutas e eu disse a eles que Hutukara não
era nome de passarinho, Hutukara é o nome da terra, da
terra antiga, onde está a natureza, nossa comida, nossa
água e nossa saúde. Eles entenderam e ficaram felizes,
pois todos queremos nos ajudar. Eles querem ajudar a Hutukara,
ajudar a amadurecer o pensamento”.
Além de Davi Kopenawa, participaram das comemorações
pela homologação da Raposa-Serra do Sol sete professores
yanomami que integram a nova edição do programa
de intercâmbio lingüístico e cultural promovido
pela CCPY em parceria com a Organização de Professores
Indígenas de Roraima (OPIR), o Conselho Indígena
de Roraima (CIR), a Fundação Nacional do Índio
(Funai), a Associação dos Povos Indígenas
de Roraima (APIR) e o Programa São Marcos >
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Representantes
da Hutukara Associação Yanomami e da CCPY se encontram
com o novo comandante do exército em Roraima
Davi
Kopenawa, presidente da Hutukara Associação Yanomami,
e Ednelson Pereira, coordenador do programa agroflorestal da CCPY,
participaram de reunião com o novo comandante do exército
em Roraima, o General Madureira. Na pauta de assuntos discutidos,
Davi priorizou a necessidade de aprofundar e dar continuidade
às discussões com os Yanomami sobre a ampliação
da pista do exército em Surucucus (ver
Boletins 61,
62,
64
e 66),
que afetaria o cotidiano dos 1.780 indígenas que vivem
nas redondezas, e o controle sobre a entrada de garimpeiros na
terra indígena. O General garantiu agilidade e rapidez
no atendimento às demandas e prometeu solicitar apoio ao
Sétimo Comando Aéreo Regional da Amazônia
(VII COMAR) para a realização de uma nova reunião
em Surucucus. Também verificará a possibilidade
do exército participar da retirada de garimpeiros da terra
yanomami. Davi ainda discutiu a questão da continuidade
do apoio do exército no transporte de material escolar
e de assessores da CCPY para Auaris, como solicitado pelas comunidades
locais (ver
Boletim 68), acenada positivamente pelo general. >
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Universidade
Federal de Roraima propõe parceria com Hutukara e CCPY
Os
diretores do Centro de Ciências Agrárias da Universidade
Federal de Roraima (UFRR) apresentaram uma proposta de trabalhar
com fruticultura na terra yanomami em parceria com a Hutukara
Associação Yanomami e a CCPY. O projeto, com duração
inicial de 18 meses, capacitaria comunidades e agentes agroflorestais
para o plantio, manejo, armazenamento e mercado de produtos
agrícolas. A Universidade enviaria técnicos a
campo e a CCPY prestaria assessoria antropológica nas
ações preliminares e execução direta
em campo. A proposta se deu em reunião onde participaram
o presidente da associação, Davi Kopenawa, e o
coordenador do programa agroflorestal da CCPY, Ednelson Pereira.
Davi sugeriu que o projeto fosse implantado nas áreas
limítrofes do Ajarani e Apiaú, trabalhando inicialmente
com a produção de banana e caju. O projeto atualmente
está concorrendo a recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) para experiências
demonstrativas em terras indígenas, quilombares, ribeirinhas
e caiçaras. > subir
Davi
Kopenawa ressalta a continuidade dos problemas de saúde
na área yanomami
Em
carta enviada ao antropólogo Bruce Albert, vice-presidente
da CCPY, Davi Kopenawa sintetiza um quadro das principais preocupações
yanomami quanto à estrutura de atendimento à saúde
na sua terra (ver Boletins 58,
60,
67
e 68).
Segundo Davi a ameaça física representada pela
volta de doenças consideradas até então
controladas só tende a se tornar mais crítica
com a falta de vontade de diálogo das administrações
relevantes e a ausência de controle dos recursos públicos
destinados à saúde indígena. Davi pede
para que a carta seja tornada pública para reafirmar
muitas das denúncias já veiculadas pelo Boletim
Eletrônico da CCPY, como a escassez de remédios,
a ausência de canais de comunicação com
a Funasa e o aumento de casos de malária.
Boa
Vista, 25 de setembro de 2005.
Hutukara
Associação Yanomami
Mensagem
urgente aos senhores amigos que lutam pela saúde e pela
vida
Olá cunhado (xori) Bruce. Você está bem
de saúde? Eu estou bem. Em Watoriki [aldeia do Davi]
também todo o pessoal está bem.
Sim, eu quero te colocar a parte do fato que nós Yanomami
estamos muito preocupados mesmo porque a xawara [doenças
contagiosas] não acaba em nossa terra. Por isso te mando
minhas palavras. O pessoal da Fundação Nacional
de Saúde [FUNASA] não quer mandar dinheiro para
os Yanomami como deveria. Parece que eles não querem
gastar com a gente. É isto que ouvi falar e por isso
te passo esta noticia. Em função disso, eles não
mandam o suficiente de remédios para a gente.
O [então] Coordenador regional não ajudou como
deveria os Yanomami, ele só gastou dinheiro na cidade.
Ele não nos ajudou direito com compra de remédios.
Por isso, vários de nossos filhos morreram. Em nossa
terra não tem remédios, por isso que xawara [doenças
contagiosas] perigosas estão aumentando em nossas casas.
Não tem o suficiente de remédios em nossa floresta
e, assim, eles [a FUNASA] trazem muitos Yanomami doentes na
cidade: em 11 de julho de 2005 tinha até 132 Yanomami
internados na Casa do Índio [em Boa Vista].
Sim, cunhado Bruce, vocês brancos não devem pensar
que o pessoal da FUNASA está trabalhando bem para os
Yanomami. É assim que eles são realmente.
Nos dias 15 e 16 de setembro teve uma reunião extraordinária
do Conselho Distrital de Saúde Yanomami e Yekuana com
o pessoal da FUNASA. Eles nos chamaram, mas não explicaram
nada direito para a gente. Nós queríamos ouvir
o chefe deles [o Coordenador regional]; queríamos falar
com quem realmente manda, mas ele fugiu de nós. Só
tinha lá gente nova [subordinados]. Ficamos muito bravos
porque este Coordenador com o qual a gente preferia conversar
não foi esperto e fugiu da gente; assim pensamos que
ele não queria ver nem ouvir os Yanomami. Por isso estamos
ainda com muita raiva até hoje, eles não fizeram
as coisas da maneira certa conosco.
Nós pedimos para que a FUNASA mandasse dinheiro rápido.
Porque se não, iriam fechar nossa floresta [interromper
o serviço de saúde] e por isso que ficamos bravos
com eles.
Não queremos recomeçar a morrer todos de xawara
[doenças contagiosas] como antes. Pensando nisso ficamos
muito inquietos e tristes. No Amazonas, lá onde moram
os Xamathari [Yanomami do oeste], a malária voltou a
aumentar muito de novo. Os brancos de lá [das ONGs conveniadas
com FUNASA] estão muito ansiosos porque eles nem têm
remédios para tratar estas malárias. Eu também
fico angustiado com isso.
O Presidente da FUNASA não dá apoio ao SECOYA,
ao IBDS [no AM] e à Diocese de Roraima [ONGs conveniadas
com FUNASA]. Não assina novo documento do convênio.
Ele sovina o dinheiro para eles trabalharem. Não têm
nada para comprar remédios. O chefe da FUNASA não
dá dinheiro para eles. Com isso também estamos
preocupados.
É assim, cunhado. O Presidente da FUNASA só consertou
um pouco o convênio com a FUB-FUBRA [Fundação
Universidade de Brasília, também conveniada com
a FUNASA]. Só chegou dinheiro para pagar os funcionários
brancos em Boa Vista. Mas não chegou ainda dinheiro nenhum
para comprar remédios para nós, Yanomami. O Presidente
da FUNASA sovina este dinheiro, por isso estamos preocupados.
Lá nos Xamathari [Yanomami do oeste] também não
há remédios. No rio Padauiri [AM] a malária
voltou muito pesado. Nas regiões de Aracá e Palawaú
[AM] também a malária aumentou muito. Por isso
nós Yanomami estamos muito inquietos mesmo, a FUNASA
não está ajudando a gente com força. E
assim, não queremos mais nada deste Coordenador porque
ele trabalhou mal, não nos ajudou direito, e ficou desperdiçando
dinheiro que era para nós.
É assim, cunhado, eu mandei estas palavras escritas conforme
meus pensamentos. Se você acha que elas estão certas
me ajuda para colocá-las em português e, depois,
mandá-las para os amigos, para que estes brancos [da
FUNASA] levem um susto com elas.
É assim que eu fiquei pensando e por isso te faço
trabalhar, porque você é meu amigo e vai colocar
minhas palavras no boletim em defesa da causa indígena
[o boletim da CCPY].
É assim, cunhado, minhas palavras acabaram, foi isso,
agora vou embora [para a minha aldeia].
Um grande abraço,
Seu amigo
DAVI KOPENAWA YANOMAMI.
(tradução
para o português por Bruce Albert) >
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