Diante
da falta de atuação das instituições
do Estado para garantir efetivamente seus direitos territoriais
constitucionais, os Yanomami têm demonstrado alta capacidade
de vigilância e ação na proteção
de suas terras. Um novo grupo de garimpeiros atuando ilegalmente
na terra indígena foi capturado pelos Yanomami na região
do Haxiú, alto Parima, Roraima, no dia 21 de abril. Organizados
num grupo com mais de cinqüenta guerreiros e professores,
os Yanomami interrogaram os quatro garimpeiros, levantando informações
pertinentes, como nomes, equipamentos transportados, locais de
procedência (Ver documentos abaixo),
que foram repassadas à Fundação Nacional
do Índio (Funai) e Polícia Federal.
No diálogo que se seguiu após a captura dos invasores,
os Yanomami, hoje muitas vezes mas informados do que seus cativos,
evocaram para eles os sofrimentos causados ao seu povo pelo garimpo
na década anterior e as leis que garantem a integridade
do seu território: “Por que vocês garimpeiros
vieram à nossa floresta? Não venham para cá.
Cuidado, é proibido vir trabalhar aqui em nossa terra.
Hoje nós estamos mais informados e realmente atentos. Nós
todos temos leis, temos a Constituição federal,
e por isso vocês devem respeitar mesmo a nossa terra. Nós,
professores yanomami, estudamos a lei, assim como fizeram nossos
conselheiros e agentes de saúde (...) Vocês pensam
que somos ignorantes? Vocês pensam que nossa floresta é
inesgotável ?”.
Em novembro de 2005, os Yanomami do Haxiu já haviam capturado,
de forma similar, três garimpeiros (Ver
Boletim 73) e, recentemente, outros quatorze garimpeiros foram
retirados pela Funai e Polícia federal da terra indígena,
mais especificamente das regiões de Catrimani e Arathau,
esta última próxima ao pólo-base de Surucucu,
onde está instalado um Pelotão de Fronteira do Exército
(Ver
Boletim 78).
Estes acontecimentos mostram que se torna urgente a tomada de
providências abrangentes e efetivas pelos órgãos
competentes em relação à presença
ilegal de garimpeiros na Terra Indígena Yanomami. Lembramos
aqui as constantes denúncias sobre o crescimento continuo
do fluxo de garimpeiros rumo à Terra Indígena Yanomami
desde o ano passado (Ver Boletins
34,
43,
45,
47,
63,
65,
72
e 73).
Até o presente, as poucas vezes em que foram disponibilizadas
verbas para a realização de operações
de desintrusão da área, estas falharam pela sua
inadequação (Ver
Boletim 78) ou pela falta de vontade política. Apesar
do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam)
realizar o monitoramento do espaço aéreo da região,
repassando as informações de vôos clandestinos
para a Polícia Federal, este órgão até
hoje não tomou medidas cabíveis contra os proprietários
dos aviões, que pousam e decolam à vontade para
transportar e abastecer os garimpeiros a partir de mais de 50
pistas ilegais existentes em Roraima (Ver
Boletim 65).
Abandonar por mas tempo aos Yanomami a responsabilidade do controle
da região só poderá deixar campo aberto a
uma violência que os jovens professores e anciãos
indígenas procuram evitar a tudo custo, como expresso em
trecho dos documentos abaixo: “Fizemos os garimpeiros
se sentarem no chão, aí outro visitante yanomami
chegou. Ele viu os garimpeiros, pegou um facão e quase
cortou a cabeça de um garimpeiro. Por evitar isso nós
fizemos um documento”.
Documento
1
Haxiú
30/04/2006
Palavras escritas sobre os garimpeiros:
No dia 21 de abril nós prendemos os garimpeiros. Havia
quatro deles: Antônio Rebuça, João Orifeiro,
José Orrândo e Amazonas Berreiro. Eram essas as “ariranhas”
[forma como os Yanomami chamam os garimpeiros, por chafurdarem
na lama], por isso agimos da seguinte forma: nos pintamos eles
de urucum e pegamos flechas, facas, machados, enchadecas, quatro
espingardas. Nós éramos 52 Yanomami. Quando os garimpeiros
chegaram à maloca eles disseram: “Yanomami, não
nos façam nada, somos da Venezuela”. Foi o que eles
disseram. Em seguida, Márcio falou para os velhos: “Eles
nos enganam, eles são os destruidores das águas.
Por isso vamos nos pintar com carvão, nós queremos
surrá-los”. Assim disse Márcio Hesina mas
alguns dos anciãos nos proibiram: “Não, vocês
não baterão neles, o caminho se tornará sujo”.
Quando os velhos disseram isso, nós falamos em amarrar
os garimpeiros no posto, tencionávamos em levá-los
embora. Quando nós os assustamos, os garimpeiros quase
fugiram, mas não permitimos que o fizessem. Márcio
os colocou sentados e dirigiu-se a eles: “Por que vocês
garimpeiros vieram à nossa floresta? Não venham
para cá. Cuidado, é proibido vir trabalhar aqui
dentro da nossa terra. Hoje nós estamos mais informados
e realmente atentos. Nós temos todos as leis e a Constituição
federal, e por isso vocês devem respeitar mesmo a nossa
terra. Nós, professores yanomami, estudamos lei, assim
como fizeram nossos conselheiros e agentes de saúde. No
Haxiu tornamo-nos muito poucos com as epidemias. Vocês garimpeiros
estragaram toda a floresta, rio, os peixes, vocês já
sujaram tudo.
Também nós, Yanomami, já morremos muito com
a malária, quase nos acabamos. Por isso estamos muito tristes,
não queremos mais vocês mesmo, vocês não
podem trabalhar. Se vocês vierem trabalhar de novo, vamos
matá-los. Na primeira vez, vocês trabalharam em outra
aldeia e por isso não matamos vocês, agora nós
mataremos. Vocês pensam que somos ignorantes? Vocês
pensam que nossa floresta é inesgotável?”.
Aí depois nós raspamos o cabelo deles, os velhos
falaram assim: “Garimpeiros, não fujam. Cuidado,
quebramos suas cabeças, queremos pintar suas cabeças
com urucum”, os velhos falaram assim, depois os pintaram.
Fizemos os garimpeiros se sentarem no chão, aí outro
visitante yanomami chegou. Ele viu os garimpeiros, pegou um facão
e quase cortou a cabeça de um garimpeiro. Por isso nós
fizemos um documento.
Adriano, estudante.
Tradução: Joseca Yanomami, Agente
Indígena de Saúde (AIS) do Demini
Documento
2
Nós Yanomami estamos escrevendo sobre o fato de termos
feito alguns garimpeiros passarem medo. Primeiro nós os
prendemos, depois nós raspamos suas cabeças, depois
os pintamos de preto, causando-lhes muito medo. Com as nossas
flechas, com facões, com os nossas bordunas sihema, tudo
que pudesse amedrontá-los, nós pegamos, para depois
rasparmos as suas cabeças, cortando-lhes os cabelos, sendo
que no passado, quando eram os velhos, já chegamos a cortar
uma cabeça de um garimpeiro fora também. Portanto,
nós Yanomami, quando chegaram esses estragadores de florestas
no Haxiu, nós os pegamos. Por isso nós ainda mandamos
um, machucado, para o Surucucu. Nós não aceitamos
a permanência de garimpeiros destruidores de floresta próximo
da fronteira, nós os pegamos depois deles também
chegarem ao Haxiu. Por isso, nós escrevemos nesse documento
a nossa maneira de ser, a maneira de ser do Povo Yanomami do Haxiu.
Tradução: Emilio Sisipino, professor
e segundo secretário da Hutukara Associação
Yanomami. >
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Funcionário
da Funai condenado por assassinato de Yanomami
Um
funcionário da Fundação Nacional do Índio
(Funai) de Roraima foi condenado no dia 6 de junho pelo assassinato
de um Yanomami da região de Ajarani (Roraima). Edmilzo
Mesquita Filgueiras foi sentenciado à pena de um ano em
regime aberto em sessão de Júri Popular, que o considerou
autor de crime culposo pela morte do índio Julião
em março de 1995, perto do Posto Indígena Ajarani,
limite sudeste da terra indígena.
Depoimentos
de Jurubeba e Antônio, Yanomami testemunhas do caso, descrevem
uma situação de tensão após bloqueio
pelos Índios da estrada Perimetral Norte, que dá
acesso à região; situação durante
a qual Edmilzo, então chefe do Posto Indígena da
Funai, se descontrolou e atirou com um revólver contra
Julião Yanomami e o abandonou ferido na estada. O bloqueio
foi um protesto contra as promessas não cumpridas do funcionário
da Funai de auxiliar os Yanomami no transporte de bananas para
o comércio em Caracaraí, município próximo.
O condenado alegou que o tiro foi acidental, disparado enquanto
se defendia de supostas agressões dos Yanomami, que teriam
ocorrido após eles ignorarem seus apelos para desbloquear
a estrada, e também negou ter visto Julião ser atingido.
O julgamento foi acompanhado por membros da Hutukara Associação
Yanomami, entre eles o professor e tesoureiro Dário Vitório
que registrou as falas das testemunhas. Segundo tais registros,
Jurubeba e Antônio teriam ressaltado em seus depoimentos
a atitude autoritária do funcionário, que respondeu
com violência aos pedidos de ajuda dos Yanomami. Julião,
que estava doente, teria sido atingido simplesmente por estar
mais próximo do carro: “Do Carro, (Edmilzo) atingiu
Julião, ele estava de pé a 5 metros de distância,
por isso o atingiu. Julião também estava muito adoecido
por isso queria ir a Caracaraí para obter comida”.
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