Davi Kopenawa Yanomami, da comunidade de Watoriki (AM), é
hoje um dos líderes indígenas mais reconhecidos
internacionalmente. Desde os anos 1980 Davi se engajou em constantes
e sucessivas lutas pela defesa do seu povo. Viajando o mundo para
divulgar suas palavras, Davi Kopenawa tornou-se muitos: xamã,
líder indígena, chefe de posto da Funai, articulador
político com os napë pë (não-Yanomami),
e, por fim, presidente da Hutukara Associação Yanomami
(HAY). Recentemente, participou do evento Acampamento Terra Livre
em Brasília (19 a 21 de abril), onde abriu as discussões
levantando os problemas atuais enfrentados pelos Yanomami, dirigindo-se
tanto à plenária como às autoridades presentes,
entre elas Márcio Meira, recém-nomeado presidente
da Fundação Nacional do Índio, e Déborah
Duprat, Subprocuradora Geral da República.
Nessa entrevista exclusiva ao Boletim CCPY, Davi Kopenawa fala
sobre políticas públicas referentes aos Yanomami,
destacando a inexistência de espaços onde as vozes
dos indígenas possam ser ouvidas. Analisa também
a situação do sistema de atendimento à saúde
yanomami, demonstrando especial preocupação com
as tentativas de dissolução do Conselho Distrital
Yanomami, principal instância de controle social. Davi discorre
ainda sobre Florestas Nacionais, desenvolvimento, mineração
em terras indígenas e o Plano de Aceleração
do Crescimento (PAC).
O Distrito Sanitário Yanomami
- A primeira pergunta será sobre dinheiro da saúde
yanomami porque se ouve muito que é a causa do mau funcionamento
do Distrito Sanitário Yanomami (DSY). Davi, você
acha que falta dinheiro para o DSY ?
- Davi: Não é problema de dinheiro. Dinheiro não
falta, o problema é o pessoal. Primeiro o pessoal de Brasília.
É lá que repassa o dinheiro para Fundação
Nacional de Saúde (Funasa) e para a Fundação
Universidade de Brasília (Fubra). Não sai dinheiro
rápido para fazer o trabalho e o pessoal fica só
esperando. Dinheiro tem. A Funasa mandou dinheiro para Boa Vista
para gastar, comprar equipamento, remédio, pagar funcionário.
Aí o dinheiro voltou, o pessoal de Brasília pegou
o dinheiro de volta. Até hoje eu não sei bem como
está. O Arokona (presidente yanomami do Conselho Distrital)
foi para Brasília e falou que o dinheiro não é
problema, o problema é um pessoal da Funasa que não
deixa trabalhar direito.
-
Mas e o dinheiro que chega em Boa Vista?
- Davi: Isso é problema. Eles (da Funasa-RR) não
conversam com ninguém, não nos falam nada, não
falam, não explicam. Eles só explicam quando a gente
vai lá conversar. É somente isso que é dito,
que o dinheiro é repassado mas enviam de volta para Brasília,
isso eu não entendo.
-
E as reclamações que vocês fazem no Conselho
Distrital?
- Davi: Bom, o Conselho Local acabou. Não estão
fazendo mais reuniões dos Conselhos Locais na área
nem do Conselho Distrital em Boa Vista. Acho que eles não
querem nós, Yanomami, na cidade para perturbamos eles.
Acho que é por isso que se fechou a torneira do Conselho.
Eles não explicaram o porquê, mas acho que eles não
querem gastar dinheiro com avião para pegar Yanomami, dizem
que é muito caro. Eles não querem gastar dinheiro
para os Yanomami ficarem na cidade. A Hutukara perguntou, eu perguntei,
“por que não faz mais reunião com conselheiros
yanomami”, “então, Davi, não faz mais
porque falta dinheiro, o pessoal em Brasília não
manda”, foi o que disseram. Eles só falam isso, que
falta dinheiro. Eles nos tomam como ignorantes, “ah, os
Yanomami não sabem de nada, por isso vamos gastar o dinheiro
à toa”. Cadê o dinheiro? Gastaram muito com
aviões, a saúde enfraqueceu, as doenças aumentaram.
Gripe, que para os Yanomami é forte, vira pneumonia. Quando
não tem remédio no pólo-base, vai fazer o
que, dar água para curar pneumonia? Por isso que ficam
mandando muitos Yanomami lá pra Casa do Índio (Boa
Vista, RR). Para mim, isso não é bom. Eu não
gosto de só ficarem fazendo remoção em avião.
Eles fazem remoção porque nem tem remédio
no posto.
-
Como está a situação da Casa do Índio
de Boa Vista hoje?
- Davi: Bom, eles fazem remoção para levar os Yanomami
para Boa Vista. Lá na Casa do Índio é cheio
de Yanomami. Eles levam os Yanomami doentes para examinar e demora,
o médico que olha eles para examinar demora muito, três
ou quatro semanas. A Funasa não está marcando consultas
deles, demora para marcar consulta dos Yanomami no hospital. Aí
muita gente fica esperando. Fica esperando, esperando, até
conseguir. Aí ficam juntando os Yanomami, juntando, juntando,
chega mais e mais. Demora também para voltar para a aldeia,
ficam juntando os Yanomami que estão bons que receberam
alta até juntarem uns 10, 15 ou 20 para mandarem de volta.
Eles não mandam de volta só um, dois ou três
Yanomami, tem que esperar outros ficarem bem para poder voltar
para a aldeia. Isso não é bom.
Garimpeiros na Terra Indígena
Yanomami
-
Você falou em Brasília, no acampamento Terra Livre,
que saúde e garimpeiros são entre os principais
problemas dos Yanomami hoje. Eles são os principais? Quais
são os outros?
- Davi: Sim, saúde e garimpeiros. E também os fazendeiros
que ainda estão no Ajarani. Também temos o problema
da Floresta Nacional (Flona) na Terra Yanomami, também
a pista do Sucurucu (ampliação da pista de pouso
proposta pelo Exército) e a lei de mineração.
Foi isso que eu contei à Doutora Deborah (do MPF Brasília).
Eu calculei que tem uns 1.000 garimpeiros na Terra Yanomami, já
faz uns cinco anos que esses garimpeiros estão lá.
Eles entram devagar, em 2006 continuam entrando devagar, em 2007
entram devagar ainda. Para mim, eu calculo o número de
garimpeiros em 1.000. A área que tem mais garimpeiro é
o Ericó. Porque lá é caminho antigo, é
entrada dos garimpeiros antiga. E no Parafuri, eles entram no
rio Uraricoera até chegar lá no Parafuri. Eles vão
pelo rio, de voadeira, e outros vão de avião. E
no Alto Catrimani, a Pista do Hélio está funcionando
(para o garimpo). E tem a pista chamada Serra da Estrutura (rio
Catrimani) que os garimpeiros estavam usando, lá que eles
estão chegando de novo.
-
Uma coisa que vocês sempre dizem é que toda vez que
é planejada uma operação de retirada, surge
empecilhos.
- Davi: Dizem que tem problema de avião. É o que
a Funai sempre fala, tem problema para arranjar avião e
para pagar hora de vôo, para fazer trabalhar a Polícia
Federal, conseguir comida. Aí dizem que não podem
resolver o problema dos garimpeiros porque falta dinheiro, falta
também Polícia Federal em Boa Vista. Não
tá resolvendo nada. No aeroporto mesmo (de Boa Vista) não
estão controlando os aviões dos garimpeiros, os
aviões continuam saindo.
-
Qual seria a primeira atitude que a Funai tem que tomar para acabar
com o problema?
- Davi: Para resolver os problemas, o novo presidente da Funai
deve vir primeiro para Boa Vista e entrar na Terra Yanomami para
olhar primeiro, ver quantos garimpeiros tem. Lá dentro,
vai contar, um, dois, três, quatro, cinco, dez acampamentos
de garimpeiros. Aí ele pode voltar para Brasília
para fazer reuniões, chamar Polícia Federal, chamar
Ministério da Justiça, para resolver esse problema
do garimpo. Se ele não for, ele não saberá.
Vai primeiro, vê de perto, só em seguida vai resolver
o problema. Sem ir para a Terra Yanomami, ele não vai resolver.
Fazendeiros,
Florestas Nacionais e pistas militares
-
E os outros problemas na Terra Indígena Yanomami que você
mencionou ?
- Davi: Falei também dos fazendeiros da região do
Ajarani (dentro da terra indígena). Isso já está
na justiça, só estamos esperando que a Funai vá
lá tirar. O presidente da Funai já sabe, não
podem ficar lá, a terra está homologada e eles não
podem ficar por lá. Eu falei também sobre a Floresta
Nacional (superposta a terra indígena) que tem deixado
nós, Yanomami, inquietos. Por que tem gente com muito dinheiro
interessada em explorar madeira, ouro. Falei sobre isso também.
Mas eles (o Ibama) não prometeram nada. Eles vão
analisar. “Vamos analisar primeiro”, é o que
eles dizem.
- Você também falou do problema da pista
de pouso militar no Sucurucu ?
- Davi; A pista do Surucucu, querem ampliar porque lá é
fronteira. Nossa preocupação é que desta
região sai a nossa água, saem os recursos hídricos.
Lá é coração da Amazônia. Não
pode ser destruído. Tem que sentar e conversar, discutir
com os Yanomami. Eu pedi ao General, que estava em Boa Vista,
e eu falei sobre essa pista, pedi para fazer reunião com
a ajuda dos militares. Levar todos os Yanomami de helicóptero
para o Surucucu para discutirmos lá, lá onde será
ampliada a pista.
Daí
eu pedi para ele, para Funai, Ministério Público,
Ministério do Meio Ambiente, Ibama, Diocese-RR, Conselho
Indígena de Roraima (CIR), CCPY e a Hutukara, para todo
mundo discutir lá. Porque não queremos deixar destruírem
a cabeceira dos rios. Para uns é bom, mas também
é ruim para muitos. Suja todas as águas. Eu falei
que tem que discutir a idéia antes de destruir a natureza,
antes de destruir os rios. Porque eles vão ficar quatro
anos trabalhando nesta pista, sessenta homens. É por isso
que pedi reunião lá no Surucucu, para ver quantos
metros eles vão destruir, qual é a fundura que vão
dinamitar para quebrar as pedras.
Mineração
em terras indígenas
-
Você disse que os Yanomami estão preocupados com
o governo Lula por causa da lei de mineração em
terras indígenas.
- Davi: Eu falei para o presidente da Funai para ele nos dar apoio,
para ele nos proteger da mineração em terra yanomami
e de outros parentes. A terra já está demarcada
e o próprio governo quer usar minério para conseguir
dinheiro. Fazer buraco grande com trator para conseguir um pouquinho
de ouro. Então eu falei que não aceitamos. Isso
não é bom. Isso vai matar meu povo. Matar água,
floresta, tudo. Dentro da terra yanomami eu não acho bom
que o governo vá soltar mineração. Porque
é coração da terra yanomami, porque nossa
terra é coração do Brasil. E eu não
quero deixar estragar a terra. Lá no Surucucu, é
lugar sagrado, é onde Omama criou os Yanomami. Não
pode destruir. Porque eles vão fazer um grande buraco,
como eles fizeram lá em Serra Pelada e em Minas Gerais.
Só vão fazer estrago. Não vai trazer benefício
para nenhum povo indígena. Só vão estragar
a floresta, meio ambiente, peixes. Vão estragar a alma,
alma da terra, alma da natureza, alma do meu povo. Então
eu sou contra.
-
Aqueles que defendem a mineração em terra indígena
afirmam que é para ajudar os povos indígenas, para
levar dinheiro e desenvolvimento aos índios. Consideram
que todos os povos indígenas são pobres e que quando
tiverem mais mercadorias serão mais felizes. O que pensa
disso?
- Davi: Eu não acredito. Dinheiro, é dinheirinho,
pequeno, mas para eles é grande. Não sei quantos
por cento eles vão dar para os índios. Mas sei que
é pouco, muito pouco. E a vida da natureza, a vida da terra,
é grande. É maior do que dinheiro. Vale mais que
dinheiro, dinheiro acaba. O branco dá dinheiro para índio,
aí ele vai começar a comprar panela, rede, calção
e outras coisas, e aí acaba o dinheiro. A nossa terra yanomami,
não tem dinheiro que pague. Por isso que nós, povo
yanomami, que moramos nas aldeias, somos contra. Porque é
perigoso, muito perigoso para nós.
Esse
dinheiro não vai salvar a vida do meu povo yanomami, nem
vai deixar nossos filhos contentes. Isso aí é pensamento
deles, dos napë pë (os brancos). Por isso falam que
a gente vai ficar rico (com a mineração), que vão
dar dinheirinho para os índios, essa é a opinião
deles. Minha opinião é diferente. Porque eu sou
filho de lá, eu sou filho da Amazônia. Eu nunca vi
a mineração trazer coisas boas, eu nunca vi os índios
passando bem com a mineração, sem problemas, com
muito dinheiro. Nunca vi. É por isso que não quero
o governo brasileiro mexendo com nossa terra yanomami demarcada.
(...) Se eu não defender nossa floresta, como ficaremos?
Sofreremos, passaremos fome, teremos epidemias.
Quando
ficarmos doentes, quem nos ajudará? Será que eles
vão nos ajudar quando começarmos a passar mal, passar
fome? Será que eles vão dar uma tonelada de comida
para índio que foi destruído? Eles não vão
não. Eu sou um Yanomami que não aceita. Dinheiro
é bom para vocês, sem dinheirinho na cidade vocês
não passam bem. Vocês ficam preocupados, pensando,
trabalhando, correndo daqui para lá, quem paga a luz, a
casa. Vocês ficam vendo notícias que saem na televisão,
o mundo está sendo destruído, povos morrendo. Será
que os donos de mineradoras não estão enxergando
isso?
Então
se quiserem fazer isso lá no coração da terra
yanomami, trabalhar com máquinas grandes, levar mais doenças,
gripe, malária, tuberculose, levar bebida, isso não
vai dar certo. (...) Nós, Yanomami, que preservamos a natureza
há muitos anos, não queremos. Nós queremos
que nossa terra seja respeitada porque a natureza está
nos sustentando muitos anos. Nós vamos morrer de fome quando
a mineração entrar na terra yanomami. Aí
sim, nós vamos morrer, todo mundo.
Sobre o Plano
de Aceleração do Desenvolvimento (PAC)
-
Os brancos falam muito dessa idéia de desenvolvimento.
O que pensa disso ?
- Davi: Esse é o desenvolvimento deles. O desenvolvimento
é deles, então eles podem fazer na terra deles,
não na terra indígena. Porque terra indígena
já é reconhecida pelo Governo e milhares de pessoas
no mundo já conhecem meu povo. Então tem que ser
respeitada.
-
Existe hoje no Governo um Plano de Aceleração de
Crescimento, o PAC. Esse plano fala de construção
de estradas, exploração da floresta, hidrelétricas,
para aumentar o desenvolvimento. O que você pensa disso?
- Davi: Parecem palavras novas, mas já ouvimos essas palavras
antes do tempo da estrada (durante os projetos militares de desenvolvimento
da Amazônia dos anos 70, como a construção
da estrada Perimetral Norte que afetou os Yanomami). Desenvolvimento
para quê? Para fazer estrada para levar mercadorias? Não
precisa fazer estrada, já está acabando gasolina,
o petróleo já está acabando, para que fazer
mais estrada? Eles lembram dos pais deles (governos anteriores)
para fazer os mesmos projetos. Governo está escolhendo
caminho que não presta, é para nós o caminho
das grandes epidemias, do que causa a morte, por isso querem fazer
tudo isso.
Ele errou o caminho do povo. Eu sou contra estradas, já
passou estrada na terra yanomami só para matar meu povo.
Eu já passei por isso com meu povo, quando eu era jovem,
por isso eu odeio as epidemias. Eu não quero mais que não
sabem o que fazem levando doenças na nossa floresta. Esse
é o caminho dos problemas, caminho da matança, da
destruição. Isso é o que é estrada.
Isso que é desenvolvimento. (...) (Ao
contrário) Quem vai segurar a onda do mundo são
os pajés, são só eles que têm conhecimentos
para segurar a onda da nossa terra Brasil.
Não
só o Brasil, é o mundo inteiro. Se não existirem
pajés, o mundo vai explodir. E todos nós morreremos.
Eu não quero acelerar, a terra não fala que quer
isso (desenvolvimento), quem fala são os que querem mais
carros, mais computadores, mais celulares. São essas pessoas
que estão inventando para acelerar o desenvolvimento. Se
acelerar, vai chegar na grande floresta, aí vai destruir
tudo, estragar a natureza, vão queimar remédios
da floresta que a gente usa, aí não teremos mais
como curar nossas doenças. Por isso vocês devem tomar
muito cuidado.
Sobre o papel
da Hutukara Associação Yanomami
-
Davi, a Hutukara Associação Yanomami foi fundada
há quase três anos. Hoje está com projetos
próprios na Terra Yanomami, está brigando pelos
direitos yanomami. Pode dizer uma palavra sobre este trabalho
?
- Davi: Bom, é para isso que a Hutukara nasceu, para ficar
na frente das brigas. Quando políticas públicas
não estiverem trabalhando bem, pode ser Funasa, Funai,
ou outros, a Hutukara que vai levantar a voz, “vocês
não estão trabalhando direito, tem que trabalhar
direito, tem que cuidar do meu povo”. Hutukara foi criada
para isso. Eu estou achando bom, meu filho também está
aprendendo muito comigo para ir em frente.
A
Hutukara está fazendo barulho para não nos esconderem
mais, como antigamente eles faziam. Porque antes não tinha
associação, agora nós temos. Temos a Hutukara
Associação Yanomami para reclamar, denunciar, para
escutarem o que está acontecendo na Terra Yanomami. Então
eu estou muito contente que a Hutukara está na frente da
briga, fazendo este trabalho para que trabalhem bem para meu povo.
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http://www.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=2467)