Em 1999 o Decreto 3156 deu à Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) a responsabilidade de estabelecer e gerenciar as políticas de prevenção e de assistência à saúde dos índios em todo o Brasil. Criou-se então no interior da FUNASA um departamento de Saúde Indígena (DESAI) com a incumbência de reestruturar essa assistência. De modo a descentralizar a sua execução, por meio de convênios firmados com organizações indígenas e indigenistas, foram criados 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) que organizam os serviços de atenção básica de saúde.

Quatro anos de experiência com esse modelo mostram no país inteiro uma considerável melhora na assistência e, conseqüentemente, na situação de saúde dos índios. No Distrito Sanitário Yanomami (DSY), em particular, constata-se que nas áreas atendidas pela organização indigenista URIHI-Saúde Yanomami (conveniada com a FUNASA desde 1999), a mortalidade infantil foi reduzida em 65%. Em contraste com o período anterior à assistência da URIHI, ou seja, de 1991 a 1999, a malária foi reduzida em 99% e desde 2001 não houve nenhuma morte por essa doença nas áreas cobertas pela URIHI. Por sua vez, o número de casos de tuberculose caiu 60% em relação à década anterior.

Em vista dos resultados excepcionais com que a URIHI tem resgatado o bem-estar e a dignidade dos Yanomami após o rastro de destruição deixado pela invasão garimpeira em seu território, ficamos extremamente perplexos ao ler as declarações do Diretor do DESAI/FUNASA, Sr. Ricardo Chagas, de que as organizações não governamentais são “um poder paralelo que transgride a lei” (Folha de São Paulo, 20/10/2003).

Tal declaração, além de ofensiva e gratuita, preocupa-nos particularmente por sua inquietadora sintonia com a retórica das forças políticas retrógradas e corruptas do estado de Roraima contra as organizações indígenas e indigenistas.
Queremos lembrar que foi a FUNASA que convidou a URIHI-Saúde Yanomami e outras organizações indigenistas para assumir a assistência sanitária na Terra Indígena Yanomami depois de oito anos de gestão direta do DSY pelo órgão estatal. Esses oito anos levaram os Yanomami ao caos em termos de saúde, registrando-se os piores índices epidemiológicos e de mortalidade do país.

A FUNASA definiu as modalidades jurídica e administrativa dos convênios (lei 9.836 de 23/09/1999) pelos quais convocou as organizações indígenas e indigenistas a atuar complementarmente na execução de ações de saúde nas terras indígenas. Hoje, no entanto, a sua procuradoria jurídica questiona a legalidade dos convênios (parecer 501/PGF/FUNASA/GAB/2003), mas reconhece que “... a FUNASA, em face do sucateamento do órgão, não dispõe de quadros suficientes para exercer a mínima ação de controle das atividades”. Além disso, prossegue o parecer: “... caso a entidade privada paralise as atividades, a FUNASA não tem como contratar diretamente o pessoal e nem dispõe de estrutura logística para atender à população”.

Em vista disso, parece-nos que as declarações ofensivas e arbitrárias do Sr. Ricardo Chagas invertem os termos do real problema de gerência da saúde indígena, imputando as falhas do Estado às organizações não governamentais.

Para agravar ainda mais a situação, em vez de procurar debater construtivamente formas de aprimorar o modelo da Política Nacional de Saúde Indígena com as organizações indígenas e indigenistas parceiras da FUNASA, o Sr. Chagas cancelou abruptamente, no último dia 27 de novembro, o seminário “Gestão, Gerência e Organização dos Serviços de Saúde nos DSEIs”, programado para os dias 1 a 6 de dezembro em Brasília, com a participação de 150 funcionários do Ministério da Saúde (MS) e de 56 representantes de organizações não governamentais com as quais a FUNASA mantém convênios. O cancelamento intempestivo desse seminário mais as hostis declarações do Sr. Chagas parecem inaugurar uma crise aguda no gerenciamento da saúde indígena no país.

Chamamos a atenção para o fato de que a atitude precipitada e unilateral da FUNASA/DESAI de alterar o modelo atual de assistência à saúde dos povos indígenas torna-a responsável por atropelar o sistema de atendimento vigente, com os previsíveis riscos para as populações assistidas.

O passado recente nos ensina que políticas indigenistas equivocadas sempre põem o Estado brasileiro no banco internacional dos réus. Não queremos ver mais uma vez a mortalidade Yanomami voltar a freqüentar as manchetes nacionais e internacionais, cobrindo o país novamente de vergonha por conta da incoerência com a qual o Estado gere suas relações com as organizações indígenas e indigenistas, em especial aquelas que vêem complementando com competência e dedicação as ações estatais de saúde junto aos povos indígenas do Brasil.

Brasília, 5 de dezembro de 2003
Comissão Pró-Yanomami-CCPY


Comitê editorial: Alcida Rita Ramos, Bruce Albert e Jô Cardoso de Oliveira – 05 / Dez / 2003


 

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