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Brasília,

 

 

 

 


Esta seção apresenta novas formas de expressão estética Yanomami, bem como criações artisticas ocidentais (e reflexões associadas) dialogando com o universo cosmológico Yanomami.

 
  Ensaios  
 
 


A FOTOGRAFIA COMO FEITIÇO

Captando um outro mundo ­ o mundo do outro.

O que se vê aqui são três momentos de uma espécie de história paralela do contato dos europeus com os índios, através da fotografia. Dos europeus que não chegaram para conquistar, escravizar ou evangelizar, dominar fisica ou espiritualmente, mas captar no mundo um outro mundo, ou melhor o mundo do outro. História paralela, positiva e não negativa, do encontro entre dois mundos, tendo a câmera como operador de passagem.

História que mostra a presença pré-histórica e histórica do homem da terra, correndo além e aquém dos parâmetros do " Descobrimento", do Estado, da nação. História que, pensando bem, é Trans-história ­ pois as imagens expressam uma estranha continuidade atravessando os tempos, como se tivessem sido destacadas de um fluxo de vida humana que a fotografia vai capturar e revelar. Na dimensão trans-histórica, passado e presente não se sucedem linearmente ou se entrechocam, mas antes se revezam, ou cohabitam nas imagens.

Nesta exposição a fotografia, enquanto dispositivo técnico moderno, vem religar-se a outros métodos de produção de imagens, a pintura rupestre e o grafitti yanomami, meios míticos de expressão. Por contato e contágio, magia e tecnologia se fundem e se confundem - e a câmera torna-se o feitiço por intermédio do qual captura-se a presença do índio, paradoxalmente efêmera e duradoura.

Três momentos da presença indígena são aqui apresentados fotograficamente ­ o registro pré-histórico, o histórico e o contemporâneo.

Através da fotografia de Claudia Andujar, pode-se perceber que a dinâmica da pintura rupestre de Lagoa Santa (MG) e Alto Alegre (PA) está viva no grafitti dos índios: o gesto mágico que apreende a anima do bicho na rocha, trazendo-a para a esfera do homem e da cultura, prolonga-se no traço yanomami a desenhar o beija-flor-helicóptero que desce do céu trazendo o homem branco, e com ele a morte e a doença, mais tarde o remédio.

O registro histórico surge no trabalho de A.Frisch, primeiro contato do europeu com o homem da terra através da câmera. Colhidas por volta de 1865 no Alto Amazonas e no Rio Negro, essas imagens foram feitas numa época em que a fotografia antropológica mal engatinhava e exibidas na Exposição Universal de Paris, em 1867. Do encontro resultam fotos documentais, que chamam a atenção pela imobilidade da imagem e pela presença estática dos índios. Como observa W. Benjamin, o próprio procedimento técnico da época levava o fotografado a viver não ao sabor do instante, mas dentro dele, "crescendo" dentro da imagem. É isso que ocorre aqui. Imersos na duração, os índios parecem extemporâneos habitantes de um mundo distante, perdidos no espaço e no tempo, ­ sensação acentuada quando Frisch transforma a floresta num estúdio, ocultando o fundo de seus negativos e monumentalizando as figuras dos guerreiros.

O registro contemporâneo aparece nos trabalhos de dois artistas: Harald Schultz e Claudia Andujar. As imagens do primeiro dialogam com a pintura rupestre revelando desenhos na areia, nas pedras pintadas, na máscara sapukuywá, na pintura corporal que precede à escarificação - assim, as figuras que se inscrevem na terra também marcam os objetos e os corpos. Por outro lado, também há diálogo com as primeiras imagens do guerreiro; mas como não há a preocupação de documentar, as fotografias de Schultz buscam entrever um estar no mundo propriamente indígena. Daí a impressão de estarmos no limiar de algo que vemos mas não compreendemos muito bem. Pois tudo parece envolto numa aura de claridade e de silêncio: os corpos, as malocas, o ambiente. Um singular estar no mundo, tão emblematicamente flagrado na imagem do waurá portando o peixe mágico que vai assegurar-lhe boa pesca.

A instalação de Claudia Andujar completa o terceiro momento, fechando num círculo, o círculo desfiado pela exposição. Com seu trabalho, o presente contemporâneo se incorpora como presente mítico, afirmando a sua permanência em todos os tempos. A fotógrafa dispôs suas imagens dos índios à maneira dos yanomami que, no redondo de suas malocas, penduram painéis de palha para filtrar a luz e o calor. Mas aqui os painéis retêm não o excesso, e sim a intensidade de luzes e sombras que imprimem nas placas a própria imagem, como nos primórdios da fotografia. Da fulgurância e da ardência do mundo do outro, o processo fotográfico filtra imagens do outro mundo. Trata-se de um mundo em gestação; sua força entretanto é bastante para apossar-se da câmera que nele penetra, contagiá-la e convertê-la, não em instrumento de descoberta e exploração. Em feitiço para nosso encantamento.






Laymert Garcia dos Santos...

 
     
 
 
 

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