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COROA VERMELHA

 
 


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Conferência Indígena em Coroa Vermelha - ABRIL 2000
(Matéria recebida em 04 de Maio de 2000)

 
 


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CONFERÊNCIA INDÍGENA DISCUTE DEMARCAÇÃO DE TERRAS

Mais de dois mil representantes de 185 povos indígenas de todo o país que, desde o dia 18 de abril estão em Coroa Vermelha, no Extremo Sul da Bahia, discutem hoje a demarcação dos seus territórios tradicionais. Segundo dados do Cimi, das 739 terras indígenas, apenas 231 concluíram o procedimento de demarcação, com o registro. Muitas delas, entretanto, continuam invadidas.

O terceiro dia da Conferência Indígena 2000 avalia a situação dos diferentes povos neste final de século, buscando formas de participação dos índios na construção de uma sociedade mais igualitária. No espaço da Conferência os povos indígenas se confraternizam com suas danças e cantos reafirmando a sua resistência. A caravana dos povos de Roraima sintetizou em uma faixa, o sentimento geral: "Reduzidos, sim, vencidos, nunca!"

A apenas dois dias das comemorações oficiais dos 500 anos, os participantes da conferência indígena se negam a aceitar a proposta do governo federal de fazê-los participar das festividades oficiais porque vêm nela a intenção do governo em impedir o avanço das alianças entre negros, sem terra e índios. Durante todo o dia os participantes da Conferência se detiveram sobre os assuntos que mais os preocupa o futuro dos povos indígenas. A demarcação das terras, educação, saúde, Funai, direitos indígenas e movimentos aliados.

Entre as lideranças que fizeram seus depoimentos hoje na conferência, o Guarani Marcos Verão, falou: "Eu estou aqui na Coroa Vermelha para apresentar o meu sofrimento. Eu não vim festejar. Eu vim aqui ver o problema da demarcação, ver se esse governo federal tem um pouco de amor por nós e demarcar a terra prá nós. O governo tem que esmorecer o coração prá nós, pois até aqui o governo tá com o coração de pedra."

Don Quitito reafirma a luta

Antes de formarem os grupos de trabalho, por estados, os povos se solidarizaram com os Guarani e Kaiowá da aldeia Cerro Marangatu, Mato Grosso do Sul, que perderam na noite passada um de seus maiores líderes, cacique Dom Quitito Fernandes Vilhalva, 59 anos, que participava da Conferência. Ele morreu de pancreatite. Dom Quitito esteve à frente da retomada de Cerro Marangatu, no final de 1998, e lutava por condições melhores de vida para seu povo naquela área. Antes de morrer, Dom Quitito pediu que fosse feito um documento para a Conferência, onde se mostrasse o sofrimento dos Guarani e Kaiowá de Cerro Marangatu e pediu à sua filha que dissesse ao seu povo para não parar de lutar.

Este momento de dor e o discurso dos Guarani e Kaiová deram mais impulso ao encontro na vontade de continuar firmes em suas reivindicações. A Conferência dos Povos e Organizações Indígenas, a maior do milênio, tem se caracterizado pelo crescimento qualitativo da participação de todas as seis caravanas que viajaram à Bahia. No documento final da Conferência que já está sendo preparado, os povos indígenas estão prontos a dizer que, juntamente com os setores excluídos da sociedade, estão dispostos a construir os "Outros 500".

Santa Cruz Cabrália, 20 de abril de 2000
Conselho Indigenista Missionário - Cimi

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DOCUMENTO FINAL DA CONFERÊNCIA DOS POVOS E ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS DO BRASIL.

Chegamos na aldeia Pataxó de Coroa Vermelha, município de Santa Cruz Cabrália, Bahia, no dia 17 de abril. Cumprimos o compromisso de refazer os caminhos da grande invasão sobre nossos territórios, que perdura já 500 anos.

Somos mais de 3.000 representantes, de 140 povos indígenas de todo o país. Percorremos terras e caminhos dos rios, das montanhas, dos vales e planícies antes habitados por nossos antepassados. Olhamos com emoção as regiões onde os povos indígenas dominavam e construíam o futuro, ao longo de 40 mil anos. Olhamos com emoção as regiões onde os povos indígenas tombaram defendendo a terra cortada por bandeirantes, por aventureiros, por garimpeiros e, mais tarde, por estradas, por fazendas, por empresários com sede de terra, de lucro e de poder.

Refizemos este caminho de luta e de dor, para retomar a história em nossas próprias mãos e apontar, novamente, um futuro digno para todos os povos indígenas.

Aqui, nesta Conferência, analisamos a sociedade brasileira nestes 500 anos de história de sua construção sobre os nossos territórios. Confirmamos, mais do que nunca, que esta sociedade, fundada na invasão e no extermínio dos povos que aqui viviam, foi construída na construída na escravidão e na exploração dos negros e dos setores populares. É uma história infame, é uma história indigna.

Dignidade tiveram, sempre, os perseguidos e os explorados, ao longo destes cinco séculos. Revoltas, insurreições, movimentos políticos e sociais marcaram também nossa história, estabelecendo uma linha contínua de resistência.

Por isso, voltamos a recuperar essa marca do passado para projetá-la em direção ao futuro, nos unindo aos movimentos negro e popular e construindo uma aliança maior: a Resistência Indígena, Negra e Popular.

Nossas principais exigências e propostas:

São as seguintes as principais exigências e propostas dos povos indígenas para o Estado brasileiro, destacadas por esta Conferência:

1. cumprimento dos direitos dos povos indígenas garantidos na Constituição Federal:


a.Até o final do ano 2000 exigimos a demarcação e regularização de todas as terras indígenas;
b.Revogação do Decreto 1.775/96;
c.Garantia e proteção das terras indígenas;
d.Devolução dos territórios reivindicados pelos diversos povos indígenas do Brasil inteiro;
e.Ampliação dos limites das áreas insuficientes para a vida e o crescimento das famílias indígenas;
f.Desintrusão (retirada dos invasores) de todas as terras demarcadas, indenização e recuperação das áreas e dos rios degradados, como por exemplo o Rio São Francisco;
g.Reconhecimento dos povos ressurgidos e seus territórios;
h.Proteção contra a invasão dos territórios dos povos isolados; i.Desconstituição dos municípios instalados ilegalmente em área indígena;
j.Respeito ao direito de usufruto exclusivo dos recursos naturais contidos nas áreas indígenas, com atenção especial à biopirataria;
k.Paralisação da construção de hidrelétricas, hidrovias, ferrovias, rodovias, gasodutos em andamento e indenização pelos danos causados pelos projetos já realizados;
l.Apoio a auto-sustentação, com recursos financeiros destinados a projetos agrícolas, entre outros, para as comunidades indígenas.

2. a imediata aprovação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT);

3. aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas que tramita no Congresso Nacional conforme aprovado pelos povos e organizações indígenas (PL 2.057/91);

4. o fim de todas as formas de discriminação, expulsão, massacres, ameaças às lideranças, violências e impunidade. Apuração imediata de todos os crimes cometidos contra os povos indígenas nos últimos 20 anos e punição dos responsáveis. Exigimos o respeito às nossas culturas, tradições, línguas, religiões dos diferentes povos indígenas do Brasil;

5. a punição dos responsáveis pela esterilização criminosa das mulheres indígenas a critério da comunidade;

6. que a verdadeira história deste país seja reconhecida e ensinada nas escolas, levando em conta os milhares de anos de existência das populações indígenas nesta terra;

7. reestruturação do órgão indigenista, seu fortalecimento e sua vinculação à Presidência da República, através de uma Secretaria de Assuntos Indígenas, consultando-se as organizações de base quanto a escolha dos secretários;

8. que o presidente da Funai seja eleito pelos povos indígenas com indicação das diferentes regiões do Brasil;

9. a educação tem que estar a serviço das lutas indígenas e do fortalecimento das nossas culturas;

10. que seja garantido o acesso dos estudantes indígenas nas universidades federais sem o vestibular;

11. reforma, ampliação e construção das escolas indígenas e oferta de ensino em todos os níveis, garantido-se o magistério indígena e educação de segundo grau profissionalizante;

12. fiscalização da aplicação das verbas destinadas às escolas indígenas, criando um Conselho Indígena;

13. a educação escolar indígena e o atendimento à saúde deve ser de responsabilidade federal. Rejeitamos as tentativas de estadualização e municipalização;

14. a Lei Arouca, que institui um subsistema de atenção à saúde dos povos indígena, seja aplicada;

15. fortalecer e ampliar a participação ativa das comunidades e lideranças nas instâncias decisórias das políticas públicas para os povos indígenas, em especial, que os Distritos Sanitários Especiais Indígenas tenham autonomia nas deliberações;

16. o atendimento de saúde deve considerar e respeitar a cultura do povo. A medicina tradicional deve ser valorizada e fortalecida;

17. formação específica e de qualidade para professores, agentes de saúde e demais profissionais indígenas que atuam junto às comunidades;

18. que seja elaborada uma política específica para cada grande região do país, com a participação ampla dos povos indígenas e de todos os segmentos da sociedade, a partir dos conhecimentos e projetos de vida existentes;

19. fortalecer o impedimento da entrada (e retirada) das polícias Militar e Civil de dentro das áreas indígenas sem autorização das lideranças;

20. exigimos a extinção dos processos judiciais contrários a demarcação das terras tradicionais ocupadas pelos povos indígenas.

Nós, povos indígenas do Brasil, percorremos já um longo caminho de reconstrução dos nossos territórios e das nossas comunidades. Com essa história firmemente agarrada por nossas mãos coletivas, temos a certeza de que rompemos com o triste passado e nos lançamos com confiança em direção ao futuro. Apesar do peso da velha história, inscrita nas classes dominantes deste país, na sua cultura, nas suas práticas políticas e econômicas e nas suas instituições de Estado, já lançamos o nosso grito de guerra e fundamos o início de uma nova história, a grande história dos "Outros 500".

A nossa luta indígena é uma homenagem aos inúmeros heróis que tombaram guerreando ao longo de cinco séculos. A nossa luta é para nossos filhos e netos, povos livres numa terra livre.

Coroa Vermelha, Bahia, 21 de abril de 2000.

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POLÍCIA MILITAR REPRIME MANIFESTAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS COM VIOLÊNCIA.

Os povos indígenas e o movimento popular do Movimento de Resistência Indígena, Negra e Popular "Brasil Outros 500" viveram hoje momentos de terror. A passeata prevista como encerramento do encontro foi violentamente reprimida por um batalhão do pelotão de choque e da cavalaria da Policia Militar do Estado da Bahia, sob as ordens do governo do Estado e do governo federal. A manifestação pacífica foi organizada pelos povos indígenas e contava com a participação de representantes de movimentos sociais, das senadoras Marina Silva e Heloísa Helena, do presidente do Partido dos Trabalhadores, José Dirceu, do bispo de Goiás Velho, de d. Tomás Balduíno e do presidente do Cimi, d. Gianfranco Masserdotti.

A passeata começou às 11h30. Seguia em direção à Porto Seguro, tendo à frente os Xavante e os 2000 índios de 140 povos que participaram da Conferência Indígena. O pelotão do policiamento de choque estava esperando o grupo 4 Km depois e sem que houvesse qualquer tipo de aviso ou de provocação, iniciou o ataque atirando bombas de gás lacrimogênio, bombas de efeito moral e balas de borracha. Os disparos atingiram várias lideranças indígenas, inclusive crianças, e participantes da marcha. Não se sabe ao certo o número de feridos. A Fundação Nacional de Saúde calcula ter atendido mais de 30 pessoas com ferimentos leves e sintomas de envenenamento. Um índio Xukuru Kariri teve as duas pernas queimadas e seis indígenas foram hospitalizados.

O confronto

Foram momentos de terror. Segundo a coordenação da Conferência, os militares já haviam liberado a passeata, mas em seguida os policiais do batalhão de choque avançaram sobre a multidão entoando gritos de guerra, pisando forte e atirando em direção ao grupo.

Trinta missionários foram detidos. O Juiz Ailton Pinheiro, da comarca de Santa Cruz Cabrália, exigiu a liberação do grupo, mas ao tentar se retirar, os missionários foram novamente detidos pelo coronel Müller que deu ordem para o bloqueio da estrada. Iniciou-se uma forte discussão entre o juiz e o coronel. O juiz Ailton Pinheiro deu voz de prisão ao coronel Müller e foi desacatado. Com arrogância, o coronel questionou quem iria prendê-lo. No mesmo momento o juiz foi cercado por quase 400 policiais. Os detidos só foram liberados após muitas horas de negociação.

Do outro lado da cidade o presidente da República, Fernando Henrique Cardoso e o presidente de Portugal cumpriam candidamente a agenda de festejos. Cardoso cancelou a agenda prevista para Coroa Vermelha alegando que os índios "voltaram atrás no convite feito à Presidência". No dia de ontem a Conferência Indígena decidiu não se encontrar e não entregar nenhum documento ao presidente da República por considerar que a data de hoje é simbólica e um encontro com o governo federal significaria adesão à festa já rechaçada pelos povos indígenas. Pelas declarações de Fernando Henrique é possível perceber que a decisão da Conferência acirrou os ânimos.

As delegações indígenas que participaram da Conferência Indígena decidiram elaborar uma documento-denúncia à Procuradoria da República para relatar todas as atrocidades da polícia baiana, que atingiram também o movimento negro, acampado próximo à Coroa Vermelha. Ainda revoltados com a violência, os povos indígenas retornaram na noite de hoje aos Estados.

Santa Cruz Cabrália, 22 de abril de 2000
Comitê de Preparação à Conferência Indígena

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PM REPRIME MARCHA DE INDÍGENAS E
PRESIDENTE DA FUNAI SE DEMITE.


O presidente da Funai, Sr. Carlos Frederico Marés de Souza Filho antecipou no sábado (22 de abril) que pedirá demissão na segunda feira (24 de abril) após constatar a onda de violência desencadeada pelas tropas da PM da Bahia contra os grupos indígenas que pretendiam entregar um documento de suas reivindicações, entre elas a de demarcação de seus territórios, ao Presidente da República, durante as festividades dos 500 Anos do Descobrimento, em Porto Seguro, na Bahia.

Os soldados da PM jogaram inúmeras bombas de gás lacrimogênio e de efeito moral, contra os participantes da marcha enquanto o presidente da Funai tentava negociar, infrutiferamente, a passagem pacífica dos manifestantes. Duas delas explodiram muto próximo ao local onde estava o presidente da Funai.

O Dr. Marés pode ser considerado um defensor do novo indigenismo. Ele foi o primeiro presidente da Funai a propor a idéia de tratar cada povo e cada região com políticas específicas.

A homologação das terras indígenas Macuxi (em Roraima) era uma de suas prioridades mas o presidente demissionário da Funai enfrentou fortissima oposição por parte de políticos de Roraima, no Estado de Roraima e no Distrito Federal (inclusive com a veiculação de out-doors anti-indígenas, em Boa Vista e Brasília), num articulado lobby político que impediu a Casa Civil e Militar de levar adiante o projeto de homologação da área Macuxi.

Boletim eletrônico
Conselho Indigenista Missionário - CIMI


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