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CONFERÊNCIA
INDÍGENA DISCUTE DEMARCAÇÃO DE TERRAS
Mais de dois mil representantes de 185 povos indígenas de todo o país
que, desde o dia 18 de abril estão em Coroa Vermelha, no Extremo Sul da
Bahia, discutem hoje a demarcação dos seus territórios tradicionais. Segundo
dados do Cimi, das 739 terras indígenas, apenas 231 concluíram o procedimento
de demarcação, com o registro. Muitas delas, entretanto, continuam invadidas.
O terceiro dia da Conferência Indígena 2000 avalia a situação dos diferentes
povos neste final de século, buscando formas de participação dos índios
na construção de uma sociedade mais igualitária. No espaço da Conferência
os povos indígenas se confraternizam com suas danças e cantos reafirmando
a sua resistência. A caravana dos povos de Roraima sintetizou em uma faixa,
o sentimento geral: "Reduzidos, sim, vencidos, nunca!"
A apenas dois dias das comemorações oficiais dos 500 anos, os participantes
da conferência indígena se negam a aceitar a proposta do governo federal
de fazê-los participar das festividades oficiais porque vêm nela a intenção
do governo em impedir o avanço das alianças entre negros, sem terra e
índios. Durante todo o dia os participantes da Conferência se detiveram
sobre os assuntos que mais os preocupa o futuro dos povos indígenas. A
demarcação das terras, educação, saúde, Funai, direitos indígenas e movimentos
aliados.
Entre as lideranças que fizeram seus depoimentos hoje na conferência,
o Guarani Marcos Verão, falou: "Eu estou aqui na Coroa Vermelha para apresentar
o meu sofrimento. Eu não vim festejar. Eu vim aqui ver o problema da demarcação,
ver se esse governo federal tem um pouco de amor por nós e demarcar a
terra prá nós. O governo tem que esmorecer o coração prá nós, pois até
aqui o governo tá com o coração de pedra."
Don Quitito reafirma a luta
Antes de formarem os grupos de trabalho, por estados, os povos se solidarizaram
com os Guarani e Kaiowá da aldeia Cerro Marangatu, Mato Grosso do Sul,
que perderam na noite passada um de seus maiores líderes, cacique Dom
Quitito Fernandes Vilhalva, 59 anos, que participava da Conferência. Ele
morreu de pancreatite. Dom Quitito esteve à frente da retomada de Cerro
Marangatu, no final de 1998, e lutava por condições melhores de vida para
seu povo naquela área. Antes de morrer, Dom Quitito pediu que fosse feito
um documento para a Conferência, onde se mostrasse o sofrimento dos Guarani
e Kaiowá de Cerro Marangatu e pediu à sua filha que dissesse ao seu povo
para não parar de lutar.
Este momento de dor e o discurso dos Guarani e Kaiová deram mais impulso
ao encontro na vontade de continuar firmes em suas reivindicações. A Conferência
dos Povos e Organizações Indígenas, a maior do milênio, tem se caracterizado
pelo crescimento qualitativo da participação de todas as seis caravanas
que viajaram à Bahia. No documento final da Conferência que já está sendo
preparado, os povos indígenas estão prontos a dizer que, juntamente com
os setores excluídos da sociedade, estão dispostos a construir os "Outros
500".
Santa Cruz Cabrália, 20 de abril de 2000
Conselho
Indigenista Missionário - Cimi
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DOCUMENTO
FINAL DA CONFERÊNCIA DOS POVOS E ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS
DO BRASIL.
Chegamos na aldeia Pataxó de Coroa
Vermelha, município de Santa Cruz Cabrália, Bahia, no dia 17 de abril.
Cumprimos o compromisso de refazer os caminhos da grande invasão sobre
nossos territórios, que perdura já 500 anos.
Somos mais de 3.000 representantes,
de 140 povos indígenas de todo o país. Percorremos terras e caminhos dos
rios, das montanhas, dos vales e planícies antes habitados por nossos
antepassados. Olhamos com emoção as regiões onde os povos indígenas dominavam
e construíam o futuro, ao longo de 40 mil anos. Olhamos com emoção as
regiões onde os povos indígenas tombaram defendendo a terra cortada por
bandeirantes, por aventureiros, por garimpeiros e, mais tarde, por estradas,
por fazendas, por empresários com sede de terra, de lucro e de poder.
Refizemos este caminho de
luta e de dor, para retomar a história em nossas próprias mãos e apontar,
novamente, um futuro digno para todos os povos indígenas.
Aqui, nesta Conferência,
analisamos a sociedade brasileira nestes 500 anos de história de sua construção
sobre os nossos territórios. Confirmamos, mais do que nunca, que esta
sociedade, fundada na invasão e no extermínio dos povos que aqui viviam,
foi construída na construída na escravidão e na exploração dos negros
e dos setores populares. É uma história infame, é uma história indigna.
Dignidade tiveram, sempre,
os perseguidos e os explorados, ao longo destes cinco séculos. Revoltas,
insurreições, movimentos políticos e sociais marcaram também nossa história,
estabelecendo uma linha contínua de resistência.
Por isso, voltamos a recuperar
essa marca do passado para projetá-la em direção ao futuro, nos unindo
aos movimentos negro e popular e construindo uma aliança maior: a Resistência
Indígena, Negra e Popular.
Nossas
principais exigências e propostas:
São as seguintes as principais
exigências e propostas dos povos indígenas para o Estado brasileiro, destacadas
por esta Conferência:
1. cumprimento dos
direitos dos povos indígenas garantidos na Constituição Federal:
a.Até o final do ano 2000 exigimos a demarcação e regularização
de todas as terras indígenas;
b.Revogação do Decreto 1.775/96;
c.Garantia e proteção das terras indígenas;
d.Devolução dos territórios reivindicados pelos diversos povos
indígenas do Brasil inteiro;
e.Ampliação dos limites das áreas insuficientes para a vida e o
crescimento das famílias indígenas;
f.Desintrusão (retirada dos invasores) de todas as terras demarcadas,
indenização e recuperação das áreas e dos rios degradados, como por exemplo
o Rio São Francisco;
g.Reconhecimento dos povos ressurgidos e seus territórios;
h.Proteção contra a invasão dos territórios dos povos isolados;
i.Desconstituição dos municípios instalados ilegalmente em área
indígena;
j.Respeito ao direito de usufruto exclusivo dos recursos naturais
contidos nas áreas indígenas, com atenção especial à biopirataria;
k.Paralisação da construção de hidrelétricas, hidrovias, ferrovias,
rodovias, gasodutos em andamento e indenização pelos danos causados pelos
projetos já realizados;
l.Apoio a auto-sustentação, com recursos financeiros destinados
a projetos agrícolas, entre outros, para as comunidades indígenas.
2. a imediata aprovação
da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT);
3. aprovação do Estatuto
dos Povos Indígenas que tramita no Congresso Nacional conforme aprovado
pelos povos e organizações indígenas (PL 2.057/91);
4. o fim de todas as
formas de discriminação, expulsão, massacres, ameaças às lideranças, violências
e impunidade. Apuração imediata de todos os crimes cometidos contra os
povos indígenas nos últimos 20 anos e punição dos responsáveis. Exigimos
o respeito às nossas culturas, tradições, línguas, religiões dos diferentes
povos indígenas do Brasil;
5. a punição dos responsáveis
pela esterilização criminosa das mulheres indígenas a critério da comunidade;
6. que a verdadeira
história deste país seja reconhecida e ensinada nas escolas, levando em
conta os milhares de anos de existência das populações indígenas nesta
terra;
7. reestruturação do
órgão indigenista, seu fortalecimento e sua vinculação à Presidência da
República, através de uma Secretaria de Assuntos Indígenas, consultando-se
as organizações de base quanto a escolha dos secretários;
8. que o presidente
da Funai seja eleito pelos povos indígenas com indicação das diferentes
regiões do Brasil;
9. a educação tem que
estar a serviço das lutas indígenas e do fortalecimento das nossas culturas;
10. que seja garantido
o acesso dos estudantes indígenas nas universidades federais sem o vestibular;
11. reforma, ampliação
e construção das escolas indígenas e oferta de ensino em todos os níveis,
garantido-se o magistério indígena e educação de segundo grau profissionalizante;
12. fiscalização da
aplicação das verbas destinadas às escolas indígenas, criando um Conselho
Indígena;
13. a educação escolar
indígena e o atendimento à saúde deve ser de responsabilidade federal.
Rejeitamos as tentativas de estadualização e municipalização;
14. a Lei Arouca, que
institui um subsistema de atenção à saúde dos povos indígena, seja aplicada;
15. fortalecer e ampliar
a participação ativa das comunidades e lideranças nas instâncias decisórias
das políticas públicas para os povos indígenas, em especial, que os Distritos
Sanitários Especiais Indígenas tenham autonomia nas deliberações;
16. o atendimento
de saúde deve considerar e respeitar a cultura do povo. A medicina tradicional
deve ser valorizada e fortalecida;
17. formação específica
e de qualidade para professores, agentes de saúde e demais profissionais
indígenas que atuam junto às comunidades;
18. que seja elaborada
uma política específica para cada grande região do país, com a participação
ampla dos povos indígenas e de todos os segmentos da sociedade, a partir
dos conhecimentos e projetos de vida existentes;
19. fortalecer o impedimento
da entrada (e retirada) das polícias Militar e Civil de dentro das áreas
indígenas sem autorização das lideranças;
20. exigimos a extinção
dos processos judiciais contrários a demarcação das terras tradicionais
ocupadas pelos povos indígenas.
Nós, povos indígenas do Brasil,
percorremos já um longo caminho de reconstrução dos nossos territórios
e das nossas comunidades. Com essa história firmemente agarrada por nossas
mãos coletivas, temos a certeza de que rompemos com o triste passado e
nos lançamos com confiança em direção ao futuro. Apesar do peso da velha
história, inscrita nas classes dominantes deste país, na sua cultura,
nas suas práticas políticas e econômicas e nas suas instituições de Estado,
já lançamos o nosso grito de guerra e fundamos o início de uma nova história,
a grande história dos "Outros 500".
A nossa luta indígena é uma
homenagem aos inúmeros heróis que tombaram guerreando ao longo de cinco
séculos. A nossa luta é para nossos filhos e netos, povos livres numa
terra livre.
Coroa Vermelha, Bahia,
21 de abril de 2000.
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POLÍCIA
MILITAR REPRIME MANIFESTAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS COM VIOLÊNCIA.
Os povos indígenas e o movimento popular do Movimento de Resistência Indígena,
Negra e Popular "Brasil Outros 500" viveram hoje momentos de terror. A
passeata prevista como encerramento do encontro foi violentamente reprimida
por um batalhão do pelotão de choque e da cavalaria da Policia Militar
do Estado da Bahia, sob as ordens do governo do Estado e do governo federal.
A manifestação pacífica foi organizada pelos povos indígenas e contava
com a participação de representantes de movimentos sociais, das senadoras
Marina Silva e Heloísa Helena, do presidente do Partido dos Trabalhadores,
José Dirceu, do bispo de Goiás Velho, de d. Tomás Balduíno e do presidente
do Cimi, d. Gianfranco Masserdotti.
A passeata começou às 11h30.
Seguia em direção à Porto Seguro, tendo à frente os Xavante e os 2000
índios de 140 povos que participaram da Conferência Indígena. O pelotão
do policiamento de choque estava esperando o grupo 4 Km depois e sem que
houvesse qualquer tipo de aviso ou de provocação, iniciou o ataque atirando
bombas de gás lacrimogênio, bombas de efeito moral e balas de borracha.
Os disparos atingiram várias lideranças indígenas, inclusive crianças,
e participantes da marcha. Não se sabe ao certo o número de feridos. A
Fundação Nacional de Saúde calcula ter atendido mais de 30 pessoas com
ferimentos leves e sintomas de envenenamento. Um índio Xukuru Kariri teve
as duas pernas queimadas e seis indígenas foram hospitalizados.
O confronto
Foram momentos de terror.
Segundo a coordenação da Conferência, os militares já haviam liberado
a passeata, mas em seguida os policiais do batalhão de choque avançaram
sobre a multidão entoando gritos de guerra, pisando forte e atirando em
direção ao grupo.
Trinta missionários foram
detidos. O Juiz Ailton Pinheiro, da comarca de Santa Cruz Cabrália, exigiu
a liberação do grupo, mas ao tentar se retirar, os missionários foram
novamente detidos pelo coronel Müller que deu ordem para o bloqueio da
estrada. Iniciou-se uma forte discussão entre o juiz e o coronel. O juiz
Ailton Pinheiro deu voz de prisão ao coronel Müller e foi desacatado.
Com arrogância, o coronel questionou quem iria prendê-lo. No mesmo momento
o juiz foi cercado por quase 400 policiais. Os detidos só foram liberados
após muitas horas de negociação.
Do outro lado da cidade o
presidente da República, Fernando Henrique Cardoso e o presidente de Portugal
cumpriam candidamente a agenda de festejos. Cardoso cancelou a agenda
prevista para Coroa Vermelha alegando que os índios "voltaram atrás no
convite feito à Presidência". No dia de ontem a Conferência Indígena decidiu
não se encontrar e não entregar nenhum documento ao presidente da República
por considerar que a data de hoje é simbólica e um encontro com o governo
federal significaria adesão à festa já rechaçada pelos povos indígenas.
Pelas declarações de Fernando Henrique é possível perceber que a decisão
da Conferência acirrou os ânimos.
As delegações indígenas que
participaram da Conferência Indígena decidiram elaborar uma documento-denúncia
à Procuradoria da República para relatar todas as atrocidades da polícia
baiana, que atingiram também o movimento negro, acampado próximo à Coroa
Vermelha. Ainda revoltados com a violência, os povos indígenas retornaram
na noite de hoje aos Estados.
Santa Cruz Cabrália, 22
de abril de 2000
Comitê de Preparação à Conferência
Indígena
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PM
REPRIME MARCHA DE INDÍGENAS E
PRESIDENTE DA FUNAI SE DEMITE.
O presidente da Funai, Sr. Carlos Frederico Marés de Souza Filho antecipou
no sábado (22 de abril) que pedirá demissão na segunda feira (24 de abril)
após constatar a onda de violência desencadeada pelas tropas da PM da
Bahia contra os grupos indígenas que pretendiam entregar um documento
de suas reivindicações, entre elas a de demarcação de seus territórios,
ao Presidente da República, durante as festividades dos 500 Anos do Descobrimento,
em Porto Seguro, na Bahia.
Os soldados da PM jogaram
inúmeras bombas de gás lacrimogênio e de efeito moral, contra os participantes
da marcha enquanto o presidente da Funai tentava negociar, infrutiferamente,
a passagem pacífica dos manifestantes. Duas delas explodiram muto próximo
ao local onde estava o presidente da Funai.
O Dr. Marés pode ser considerado
um defensor do novo indigenismo. Ele foi o primeiro presidente da Funai
a propor a idéia de tratar cada povo e cada região com políticas específicas.
A homologação
das terras indígenas Macuxi (em Roraima) era uma de suas prioridades mas
o presidente demissionário da Funai enfrentou fortissima oposição por
parte de políticos de Roraima, no Estado de Roraima e no Distrito Federal
(inclusive com a veiculação de out-doors anti-indígenas, em Boa Vista
e Brasília), num articulado lobby político que impediu a Casa Civil e
Militar de levar adiante o projeto de homologação da área
Macuxi.
Boletim eletrônico
Conselho Indigenista Missionário
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