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Esta seção apresenta um conjunto de documentos de referência sobre diversos aspectos da ação da entidade na defesa dos direitos Yanomami (Terra Indígena Yanomami, direitos humanos, saúde, educação e preservação do meio-ambiente). Trata-se de documentos recentes ou " históricos ", de documentos produzidos pela Pró-Yanomami (CCPY) ou de documentos oficiais.


 
 

... Arquivo Pró-Yanomami

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BOLETIM URIHI Nº 7

SÃO PAULO, NOVEMBRO DE 1988
EDITADO PELA COMISSÃO PELA CRIAÇÃO DO PARQUE YANOMAMI (CCPY)
RUA MANOEL DE NÓBREGA 111 3º CJ.32
04001 SÃO PAULO SP
COLABORADORES DESTE NÚMERO
EDIÇÃO DEPOIMENTO ROMEO GRAZIANO
ENTREVISTA/FOTOGRAFIA CLAUDIA ANDUJAR
ILUSTRAÇÃO: CIÇA FITTIPALDI
TRADUÇÃO/REVISÃO: LÚCIA PRADO

NO DEPOIMENTO DE IVANILDO, A SITUAÇÃO DOS YANOMAMI

No mês de agosto, o funcionário da Funai  Ivanildo Wawanaweytheri Yanomami foi retirado da chefia  do Posto Flechal, no rio Mucajai,  e  rebaixado  para funçÕes de um trabalhador  braçal.    O  cargo  de chefe de posto era ocupado por Ivanildo desde  86, ano em que ele também participou ativamente,  como intérprete, da 1ª Assembléia  Yanomami,  realizada em março no Posto Indígena Demini com  a  presença de 14 comunidades Yanomami.

Ivanildo  tem hoje  34  anos  e  um passado   de atividades que lhe  permitem  falar  com profundo conhecimento sobre a situação que  envolve  o  seu povo.  Nascido no Estado do Amazonas,  na  aldeia Maia, nas imediações do Rio Maiá, Ivanildo atingiu á adolescência órfão, época em que foi  solicitado a trabalhar na Funai.  Servindo de intérprete, ele aprendeu o português, e assim ajudou as equipes da Funai   em   seus   contatos   com  as    aldeias estabelecidas na rota da Perimetral Norte, em fase de construção.

Ivanildo não só trabalhou em quase da Funai como  também  acompanhou saúde em áreas de  índios  isolados equipe da  CCPY.    Seu  trabalho foi da máxima  importância    no    levantamento Interministerial  para  a  de Yanomami, ocorrido no inicio deste ano.

Entre os episódios  que  refletem com bastante clareza as dificuldades recentes  enfrentadas  por Ivanildo como funcionário da Funai, destacam-se os seguintes:  quando ele  viajou  três  dias   pela floresta e na ocasião em que foi picado por  cobra no posto que chefiava.  É ele próprio quem conta:

"Eu trabalhava como chefe de posto pra  ajudar  os Yanomami, que são meus parentes.  O  trabalho  era sem condições.  Eu precisava de um barco,  de  um rádio transmissor  para  comunicar  o que  estava acontecendo na região.  Mas eu não tinha e  estava lá sozinho.

"Uma vez eu estava precisando de medicamento e fiz um pedido, passei  por  rádio  em outro posto  e consegui que  eles  deixassem o medicamento  no posto.  Um dia eu estava construindo uma casa.  Eu cobri  com palha  e  estava precisando de   uma ferramenta pra trabalhar, pra melhorar as  coisas, a construção do posto.  Então eu pedi  ajuda  pros Yanomami, pra me  levarem no  caminho que  eles conhecem.

"Peguei minhas coisas e fui pra Boa Vista.  E eles me  perguntaram:  'como  é  que  você  vai?'    Eu respondi que ia por  terra  e  falei  que  queria alguém pra me acompanhar até Alto Alegre, onde tem uma estrada.  Mas foram apenas dois Yanomami,  que me largaram no meio da viagem.

“Fui sozinho, pegando chuva, de noite também.   Eu estava todo molhado, descalço  porque meu  sapato tinha acabado na viagem, tinha descolado, e estava sem alimentação.  Gastei três  dias.    Quando  eu cheguei no local onde  vai  ser  uma hidrelétrica (hidrelétrica do Paredão), encontrei duas pessoas. Pedi  socorro  mas  elas   também  não   tinham alimentação.  Tinham café e leite, e  eu  tomei  o leite e segui viagem.

"Quando eu cheguei no meio da viagem, corri lá pro igarapé, bebi  água.    Eu  consegui  chegar  numa fazenda, com o pé todo lascado, pra alguém me  dar uma merenda,  um  prato  de   comida.      E  me perguntaram: 'tá com quantos dias?'  Eu disse  que estava com três dias, sem alimentação,  sem coisa nenhuma.  O pessoal me disse  que  pra  chegar  na cidade ainda estava longe.  Eu então cheguei  numa casa e achei um rapaz que podia me acompanhar  até Alto Alegre.

"Tirei três dias e três noites,  cheguei  em Alto Alegre e pedi uma carona pra um ônibus, isso  umas 8 horas da noite.  Eu  estava  sem  dinheiro,  com muita fome.  Ninguém iria me dar  nada  de  graça, tudo tem que  ter  dinheiro.    No dia  seguinte, peguei um ônibus e voltei pra cá.

"Cheguei  aqui  em 'Boa  Vista,  na  Funai,  e  me perguntaram como eu tinha vindo.  Contei  tudinho, fiz um relatório sobre a viagem  e  disse  que  só iria para o posto quando eles me dessem um motor de popa, um rádio transmissor.    E  até  hoje  eu estou ai.  Eles prometeram arrumar  o motor,  mas não sei se vão fazer isso.

"Não é qualquer pessoa que faz uma viagem como  a que  eu  fiz,  no meio  do mato,  onde  não  tem passagem.  O  igarapé  todo  cheio,  eu  tirava  o yamaxi (cesta) das costas e botava na  cabeça  pra atravessar pro outro lado e seguir viagem.   Valeu por não ter acontecido nada comigo."

“Eu rolava de dor dentro da canoa.”

"Numa outra ocasião,  eu  fui picado por  cobra. Estava sozinho, sem ninguém pra me ajudar.  Era um domingo, e foram os dois Yanomami que  conseguiram me 'levar de canoa até um local cheio de carros  de garimpeiros.  Um deles estava indo pra Alto Alegre e eu pedi carona, pedi socorro, e eles me levaram. Eu estava 'fritando', rolando  de  dor  dentro  da canoa.  Os garimpeiros  me  deixaram  lá no  Alto Alegre.  Eu já estava nas últimas,  mas  o médico disse que não tinha soro pra veneno de cobra.   Só tinha uma injeção pra eu aguentar até chegar  aqui em Boa Vista.  Uma ambulância me  deixou  aqui  no pronto socorro, mas nem me lembro como eu cheguei. No dia seguinte, quando eu acordei, as pessoas  me disseram que eu tinha chegado muito mal,  que  os médicos faziam perguntas pra mim e eu  não  falava nada.  Nem a minha família estava  sabendo  o  que tinha acontecido.  Era um domingo."

Antes  de  Ivanildo  receber  a  notícia  do   seu rebaixamento, ainda no mês de agosto, ele  deu  um extenso depoimento à CCPY em Boa Vista,  que  pode ser dividido em duas partes: a primeira  é  a  sua visão  pessoal  sobre  as   inúmeras   formas   de violência  sofrida  pelos  Yanomami.     A  outra demonstra a experiência por ele adquirida  durante o trabalho de  levantamento  de  terras  do  Grupo Interministerial,  segundo  a  Portaria   006   de 07.01.88.    É  esse  depoimento  que  passamos  a transcrever.

CCPY - o que  você  sabe  da  situação  atual  dos Yanomami?
Ivanildo - Eu vejo muitas coisas da  situação  dos Yanomami.  Acontece um monte  de  coisas,  eu  vou falar muito pouco mas vai dar pra  entender.    No  início não tinha os garimpeiros, era só Yanomami. Agora mudou muito e os Yanomami estão sofrendo  de muitas doenças, de malária, de gripe.    Eu  estou muito preocupado porque os Yanomami estão morrendo muito.  Morreu muito parente também à  bala.    Os garimpeiros estão matando, eu me  preocupo muito. A água que a gente bebe foi  envenenada,  morreram muitos Yanomami.  Os Tuchauas se perguntam  o  que eles poderiam fazer, mas nós estamos numa situação difícil, e entra muita cachaça também.    A  gente pensava que a Funai ajudaria os Yanomami, mas  nos ouvimos uma conversa  que  ela  ajuda  sim  é  pra acabar com os Yanomami, ou ajuda os garimpeiros  a acabar com os Yanomami.

A gente estava reclamando de  assistência  médica, pois  estava morrendo  muito  Yanomami,  crianças também.  Nós pedimos mais ajuda para a Funai.    A maioria dos Yanomami precisa de muita  assistência para sua saúde.

Eu acho que a situação  dos  Yanomami  está  muito bagunçada,  que  entra muita   cachaça...      Os garimpeiros chegam nas  malocas  levando  cachaça. Aí  quando  eles  estão  bêbados  vão  chamar   os Yanomami.  Se eles não querem vir,  são  ameaçados com arma  de  fogo.    Quando  os  Yanomami  ficam bêbados,  os  garimpeiros  aproveitam  das   suas mulheres.  Eles também dão cachaça pros  Yanomami. Muitos garimpeiros levam doenças,  e  os  Yanomami falam que aumentou muito o número de doenças.   Há todo  tipo  de  doença  e  está  morrendo  muito Yanomami.


 


CCPY - Mas a Funai não tem feito nada?
Ivanildo
- A Funai não tem condições pra ajudar os Yanomami.  Quando  tinha  uma  equipe  que  estava trabalhando na área era diferente.  Tinha a equipe da CCPY, tinha missão  também.    Eles  davam uma ajuda muito grande.  Quando deu essa confusão,  a situação piorou muito, morreram muitas  crianças, mulheres.    Está  difícil  pra gente  trabalhar. Quando não tinha essas coisas a  gente  trabalhava tranquilo, sem bagunça, sem confusão.   Mas  agora ficou difícil,  e  sempre  morre  Yanomami,  morto também por garimpeiros.  A gente acha que a  Funai deveria dar uma ajuda muito grande, e  retirar  os garimpeiros pra acabar com toda essa bagunça.

CCPY - Como está a relação entre os Yanomami e  os garimpeiros?
Ivanildo - Os Yanomami têm medo  dos  garimpeiros. Muitos deles são criminosos, levam muita  arma  de fogo, como revólver, espingarda.  Eles  têm  todas as armas e também falam que têm metralhadora.    A polícia militar fica do lado dos garimpeiros e  os Yanomami acham que por qualquer  coisa  a  polícia fica do lado dos garimpeiros.

CCPY - O que os Yanomami fazem quando chegam os garimpeiros?
Ivanildo -   Tem muito  Yanomami  que  não conhece branco.  Quando os garimpeiros chegam, todo mundo corre  pro mato.    Eles  trazem muita  bebida, cachaça,  e  dão  pros  Yanomami.     É   só  pra prejudicar.  E os Yanomami ficam muito bravos.  Os Yanomami  da  região  da maloca do Flechal  me contaram isso.

CCPY - Alguma vez os  garimpeiros  afugentaram os Yanomami à bala?
Ivanildo - Eu conheço um lugar onde os garimpeiros chegaram querendo mandar mais que os  Yanomami. Chegaram com arma, atiraram pra cima, atiraram nos Yanomami.  Conheço muitos lugares, nas regiões  do Mucajai e do Paapiú.  O próprio garimpeiro mata  o outro garimpeiro e  bota  a culpa  nos  Yanomami. Matam, jogam o morto no meio do  caminho  e  vão dizer pros outros que foi  o  índio  que matou o garimpeiro.  Por isso que eles chegam na maloca atirando.  Os garimpeiros falam que  se  acontecer qualquer coisa eles matam os Yanomami todinho.  As vezes a polícia tira as  armas  deles mas  depois devolve.

CCPY - Como os  garimpeiros  entram na  área  dos Yanomami?
Ivanildo - Entram por rio, por terra, por  caminho e também de avião.   Na  região  do  Ajarani  eles entram por terra de  noite  e. de  dia.    Lá  tem estrada e eles também entram de, avião.  No Mucajai eles entram de noite  e  por  terra,  por  onde  a polícia não vê.  Eles  têm caminho  até  no  Alto Alegre, até no garimpo, beirando o rio.  E muitos deles se aproveitam da roça dos Yanomami, caçam.


CCPY  -  Quais  são  as  regiões  onde  tem  mais garimpeiros?

Ivanildo - No Rio  Paapiú,  na  cabeceira  do  Rio Mucajai, no Rio Palimiú, nas regiões do Aracaçá  e do Rio Urariquera.  Estas duas  regiões  são  onde tem mais  garimpeiros.    Ouvi   dizer   que   os garimpeiros já estão se aproximando  da  Serra  do Surucucu.  Mas muitos deles já estão nessa regiáot Lá tem o Projeto Calha Norte, mas os militares não estão fazendo nada.

CCPY - E os Yanomami ainda continuam garimpando?
Ivanildo - Só alguns.  A maioria  deles  não  está garimpando porque  não   tem  ferramenta  para trabalhar.

CCPY - Há índios que estão abandonando sua maloca por causa dos garimpeiros?
Ivanildo - Muitos deles falam que  estão querendo abandonar suas malocas, outros não.  Outros  falam que não devem abandonar  seu  lugar,  que  devem continuar onde nasceram, onde vivem, onde eles têm alguma coisa plantada e  onde  o  avó e  a  avo nasceram e ficaram.

CCPY - Por que você acha que os garimpeiros estão no território dos Yanomami?
Ivanildo - A gente acha que  a  Funai apoio aos garimpeiros.    Eles mesmos estão apoiados pela Funai,  que  estão verba pra Funai.

'A policia militar também está no garimpo.'

CCPY - A polícia militar também dá apoio?
Ivanildo  - A polícia militar  também está no garimpo, eles também são garimpeiros.  Eles  dizem que é pra controlar os garimpeiros, mas não é nada disso.    Eles  estão  lá é pra  dar  apoio aos garimpeiros e acabar com os  Yanomami. Isso  é verdade.

CCPY -  Os  Yanomami  não  poderiam expulsar  os garimpeiros?
Ivanildo - Eu estive conversando com eles  e  acho que os Yanomami deveriam reunir todo mundo pra ver se eles mesmos resolvem alguma coisa,  pra eles mesmos tentarem retirar  os  garimpeiros.    Eles disseram que iriam tentar conversar com os  outros Tuchauas pra ver se é possível fazer alguma coisa. Isso porque quando a gente se queixa pra Funai ela não liga.  Eles só respondem que   isso  é  com  a presidência da Funai", "a Funai não pode  resolver nada'.  É isso que eles respondem.    Eu não  sei como é que os Yanomami vão fazer  pra  acabar  com essa situação.  Eu acho difícil porque os Yanomami só têm suas flechas e os garimpeiros têm arma  de fogo, mais forte do que a flecha.

CCPY -  Mas  os  Yanomami  sempre  foram  um  povo valente.  Como eles são hoje?
Ivanildo - Eu tenho  pra  mim  que  eles  não  são fracos.  o Yanomami sempre foi  guerreiro,  entre eles.  Mas eu já perdi meus  parentes.    Pra  não acontecer novamente a confusão do ano passado, uma briga de Yanomami com garimpeiros, com a morte  de Yanomami e garimpeiro, os  Yanomami  ficaram mais afastados.  Os Yanomami têm medo e os  garimpeiros também.  Eles falaram isso pra mim.

CCPY     - Quantos índios  morreram na  área  do  Rio Mucajaí?
Ivanildo - Eu acho que morreram 15 ou  20  índios. Isso aí já faz uns três meses.   Foi  no meio  do verão, a partir de janeiro.  Eles morreram de  uma malária forte, de gripe,  pneumonia,  febre  e  da água que eles tomam,  muito  envenenada.    Quando eles estão bebendo água, é como se fosse barro,  e está cheia de gordura, de óleo de motor.   Até  os peixes estão morrendo.

CCPY - O que os Yanomami vão fazer  se  não  podem beber a água do Rio Mucajai?
Ivanildo  Eu estive conversando com os Tuchauas e eles me disseram que irão ficar longe do rio,  que procurarão um rio que não esteja sujo, envenenado. Eles iam se retirar da maloca pra morar  em outro lugar.  Esse é o único jeito.

CCPY - Você sabe o que é mercúrio?
Ivanildo - O mercúrio é usado pra procurar  ouro. Muitos garimpeiros usam e falam que é veneno.   Eu côo a água que eu bebo.   Ela mata muito peixe, acaba com ele.

CCPY - Os Yanomami ainda caçam como de costume?
Ivanildo - No Paapiú já não acham mais nada. camarão, nem caranguejo.  Lá acabou tudo.

CCPY - Como os Yanomami vêem o homem branco hoje?
Ivanildo - Hoje a gente considera os brancos  como criminosos.  No começo, quando os Yanomami tiveram contato com os brancos, eles achavam que não  iria acontecer nada assim como  o  crime.    Hoje  eles estão vendo que não é assim.

“Os Yanomami acham que vão acabar."

CCPY - O que diz a história do seu povo  sobre  o tempo em que o branco ainda não tinha aparecido?
Ivanildo - Eu posso contar um pouco.  Não  dá pra contar tudo.  No começo, quando não tinha  branco, não tinha avião, era só Yanomami na terra.    Eles dizem que o Yanomami tem um deus e o branco tem o deus dele.  E chegou o tempo em que  o  deus  do branco fez o Naba.  O nosso deus,  Omama,  morava com os Yanomami, ensinava eles.   Quando  mudou  o tempo, apareceu o Naba, começou a  voar  avião,  a andar barco no rio.  Foi nesse tempo que começou a aparecer o Naba, que  entrou  em  contato  com  os Yanomami.  Até  essa  época,  ninguém  sofria  com doenças, os  Yanomami  viviam muito  bem,  tinham muita alimentação, as crianças  não  sofriam  como hoje.  Os Yanomami começaram a  ficar  tristes  e Omama foi embora.  Quando foi aumentando o  contato dos brancos com os Yanomami, eles  sentiram muito medo.  Eles não conheciam, eles pensaram que  eram outros, diferentes dos Yanomami.

CCPY - Como olham o  futuro  os  índios  que  você conhece?
Ivanildo - Eles acham que  daqui  a um tempo  ás Yanomami vão acabar.  E estão  muito  preocupados. No Surucucu, onde nunca tinha entrado  um  branco, qualquer doencinha, gripe fraca, mata os Yanomami. Eles são muito fracos e eu já vi  muita  tristeza. Antes tinha  uma missão  evangélica  na  área  do Mucajai e outra no Rio Catrimani, tinha  também  a CCPY, e os Yanomami achavam  que  eles  davam  uma ajuda muito grande pra sua saúde.  Então  a  gente pede pra essas pessoas retornarem, pra continuarem fazendo seu trabalho.

Com o Grupo Interministerial

CCPY - Você acompanhou  o  levantamento  realizado pelo  Grupo  Interministerial  no  território  dos Yanomami?
Ivanildo - Acompanhei até o fim.  Cada maloca  que a gente chegava, onde  nunca  se  tinha visto  um branco, todo mundo corria de medo.  Com medo  dos helicópteros, com medo dos "brancos".    Quando  a gente chegava, a maloca parecia  abandonada.    Eu chamava todo mundo  e  perguntava  por  que  eles estavam fugindo.  Eles diziam que  tinham ouvido uma conversa de  que  estavam  se  aproximando  os garimpeiros que não gostam de índios,  que  trazem doenças pra acabar com os Yanomami.    "Você  veio aqui pra trazer doenças", eles me perguntaram.   E eu disse que nós estávamos ali pra visitar eles. Eu acho muito triste a situação dos Yanomami, onde não  tem  remédio,  onde  nunca  foi  um  médico. Ninguém nunca foi nesses lugares.  Eu  acho muito triste.  Eles sofrem muito.    Qualquer  tipo  de doença, uma gripe ou  qualquer  doença  fraquinha, quando o Yanomami pega, de repente ele morre.  Por isso tem medo.  Ele pode morrer por causa. de  uma disenteria fraquinha, e se eles pegarem uma doença mais forte, aí então acabam de uma vez.    Eu não visitei todas as malocas, ninguém visitou  todas. Só conversamos  com eles  onde  a  gente   tinha condição de descer com o helicóptero.

CCPY - Havia muitos índios doentes ou mortos?
Ivanildo - Nós vimos muitos  doentes,  vimos  todo tipo de doença.  Eu acho  triste  por  isso.    Eu visitei uma maloca no Buudu, onde  deram malária, gripe e pneumonia.  Morreram todas as crianças,  e aio só crianças mas também adulto, mulheres.  Eles nos mostraram as casas onde deveria morar  gente. Estava tudo acabado.  Eu cheguei lá e estava  todo mundo triste, chorando.  O lugar está  abandonado. Foi lá que morreu muita gente.   Nós  visitamos  a nova maloca e vimos que agora eles  se  dividiram.: tem um bocado deles morando pra cá,  na  cabeceira do Rio Mucajai, e têm outros que estão morando no Rio Parima.

CCPY - E o que aconteceu na maloca dos Watautheri?
Ivanildo  Morreram muitos  Yanomami  de malária. Essa doença deu no Botomata mas foi no  Buudu que ela deu mais.  O ano retrasado deu sarampo.    Mas no ano passado deram malária,  gripe,  pneumonia, depois que chegaram os garimpeiros.

CCPY - Vocês foram até a Xideia?
Ivanildo   Fomos.  Eles disseram que  precisam medicamento, de gente pra tratar deles.

CCPY - Há garimpeiros naquela área?
Ivanildo: No tempo que eu  estive  no  local não tinha, mas eles  falaram que  os  garimpeiros  já estão se aproximando daquela região.

CCPY-  E da região do Demini?
Ivanildo - Eu ouvi de um rapaz que eles  estão  se aproximando da região do Demini.   Estão  chegando no Rio Catrimani, abrindo estrada, estão  indo  de avião, que está passando na frente  da maloca  do Opikthery.    Eles  falaram que  os   garimpeiros voltaram e foram embora.  Disseram que não acharam nada.

CCPY - Na região do Botomata tem ouro?
Ivanildo - Eu estive perguntando aos  garimpeiros se eles  viam alguma  coisa  por  lá  e  eles  me disseram que há lugar que tem, há  lugar  que  não tem.  Eles contaram também que  acharam um  lugar muito bom, mas que os Yanomami de lá não  deixaram que eles trabalhassem.

CCPY - O que os Yanomami fizeram para impedir?
Ivanildo - Quando os garimpeiros chegaram querendo trabalhar, os Yanomami apareceram e falaram que lá não era lugar pra eles,  que  eles  tinham de  ir embora.  Me contaram isso aqui mesmo em Boa Vista, foi o próprio garimpeiro.

CCPY - Você ouviu  falar  de  garimpeiro matando Yanomami naquela área?
Ivanildo  -  Eu ouvi  uma  conversa  dessa,   os garimpeiros querendo acabar com os  Yanomami  para se aproveitar do ouro do Botomata.

CCPY - O garimpeiro costuma fazer roça  dentro  da área Yanomami?
Ivanildo - Eles  não  fazem roça.    Só  fazem é esculhambar a terra.    Eles  jogam a  terra,  só esculhambam a terra.  A única coisa que eles fazem é isso.  Não aproveitam a terra, só querem tirar o ouro.  É muito triste, é um crime.   A gente  não acha bom, é uma esculhambação que eles fazem.

“O índio tem o direito de viver onde nasceu.”

CCPY - Qual é a saída para toda essa situação,  no seu modo de pensar?
Ivanildo - Eu acho que os Yanomami devem apertar a Funai.  Foi isso que eu falei pros Yanomami,  pros Tuchauas.  Há muita coisa errada.  Tem muita terra sobrando pra eles  trabalharem,  pra  não  levarem toda essa confusão.  Mas eles não querem trabalhar na roça.  Querem trabalhar só com ouro,  onde  tem índio, fazendo bagunça, matando índio de  veneno, de doença.  Eu acho tudo isso muito errado.

O índio tem o direito de viver  onde  ele  nasceu. Dizem que o índio não tem terra, não tem direito, que trabalha só pra comer, que não tem carro,  não tem  avião,  nem  ferramenta   pra   trabalhar   e produzir.  Isso eu acho muito errado.    Eu vejo muito branco,  que  tem  lote  pra  trabalhar, abandonar tudo pra ir pro garimpo   Não  adianta. Ele vai pro garimpo, arruma o dinheiro mas não vai viver todo o tempo com esse dinheiro.  Vai  gastar do mesmo jeito.  E quando recebe o dinheiro,  ele gasta e volta pra bagunçar de novo.

Eles também falam que o Brasil não tem  terra  pra trabalhar, só tem  índio que  tem o  direito  da terra.  O índio tem o direito da  terra onde  ele nasceu.  Mas o branco tem terra pra trabalhar, pra viver.  Esse povo acha  uma  coisa  que  não  está certa.  Dá muita confusão, muita briga.

Eu estive pensando que a Funai  poderia  fechar  o garimpo e  colocar  uma  companhia  para  tirar  o minério.  Mas eu acho que os problemas  não  iriam acabar, que seria tudo a mesma coisa.  Eu acho que se  entrar  um grupo minerador  deve  ter  uma diferença, mas não sei ao certo, não conheço.

CCPY – Quando a Funai disse que iria fazer o  levantamento das terras dos Yanomami e a demarcação da sua área ela prometeu levar alguma  coisa?
Ivanildo  -  Eles  falaram  em  levar  criação, ferramentas pra fazer  colônia,  sementes.    Eles prometeram fazer criação de porco, galinha,  peixe e outras  coisas.    Eu estive  conversando  nas malocas sobre isso, mas os Yanomami  não  quiseram aceitar essas promessas.  Eles querem é  demarcar uma  área pra  eles.    Eles  também  prometeram escolas, prometeram isso tudo.

COMISSÃO DOS DIREITOS DO HOMEM CITA BRASIL

A Comissão dos Direitos do Homem,  da  LIGA INTERNACIONAL PARA OS DIREITOS DOS POVOS da ONU, sediada em Genebra, fez duas menções ao Brasil  na sua 40ª sessão, de 8 de agosto - 2 de setembro  de 1988, no ponto 12 da ordem do dia – discriminação ao encontro dos  povos autóctones -, nos  seguintes termos:

1º Ao  Brasil

Desde 1968, numerosas entidades  têm  alertado  as autoridades brasileiras sobre a necessidade de  se criar um Parque  Yanomami.    Em  1985,  a  OEA (Organização dos  Estados Americanos)   formulou recomendações idênticas;  no mesmo  ano  a  Funai (Fundação Nacional Brasileira do Índio)  delimitou administrativamente   9  milhões  de   hectares (resolução  governamental  nº  1817).    Mas   uma decisão ministerial de 18 de agosto último tem em vista a retalhação desse território e a concessão de grandes parcelas a cerca de 10.000  garimpeiros de ouro  ilegais  que  invadiram  o  território Yanomami.  Esta invasão se traduz por uma grande violência: em agosto de  1987,  4  Yanomami  foram assassinados pelos garimpeiros de ouro.  Este ano, uma criança de 2 anos foi abatida  nos  braços  de seu pai  e 3 Yanomami gravemente feridos; um outro, torturado, foi submetido a graves maus  tratos  e foi dado como morto.  Uma tentativa de  homicídio foi perpetrada contra o líder Júlio Gois Yanomami; Davi Yanomami, outro  líder,  recebeu  ameaças  de morte.  A fim de fazer desaparecer qualquer traço, os corpos dos  Yanomami  assassinados  estariam enterrados nos locais de mineração ou teriam sido atirados  na  selva de  aviões  utilizados  pelos garimpeiros.

Além disso,  os  garimpeiros  de  ouro  veiculam numerosas enfermidades,  contra  as quais   os Yanomami não estão imunizados.  Privados há um ano dos  cuidados médicos  que  lhes proporcionavam diversos  grupos  não- governamentais  expulsos  da área, entre os  quais missionários,  as  últimas testemunhas indesejadas dessas violências,  estão em uma situação sanitária desastrosa.

2º Ao Brasil, ainda

O   projeto "Calha Norte"  atinge  cerca de  88 000 índios que vivem na faixa de  fronteira de  6 500 Km, ao longo de 5 países limítrofes, e  as  terras indígenas  localizadas  nos  estados  do  Acre, Rondônia, Mato Grosso do Norte e  do  Sul.    Este projeto, que o governo brasileiro apresenta como uma ação de proteção ao território nacional,  visa de fato aumentar a presença militar nessa  zona, aplicar a política  indigenista de   integração forçada, assim como implantar polo de colonização interna.  Como outros projetos (Jari,  Carajás  ou Polonoroeste),  o  "Calha  Norte"   significa  o etnocídio de milhares de índios,  pois  estes  não terão mais territórios delimitados e certos grupos serão deslocados. Por outro  lado,  não  se  pode deixar de se interrogar a respeito desta  suspeita de anti- patriotismo que pesa sobre os índios:  não seria ela, na  verdade,  senão  um pretexto  para contestar   seus   direitos   sobre   as    terras fronteiriças?

 

 
 



Coordenação Editorial: Alcida Rita Ramos, Bruce Albert, Jô Cardoso de Oliveira


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