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Brasília,     


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Esta seção apresenta um conjunto de documentos de referência sobre diversos aspectos da ação da entidade na defesa dos direitos Yanomami (Terra Indígena Yanomami, direitos humanos, saúde, educação e preservação do meio-ambiente). Trata-se de documentos recentes ou " históricos ", de documentos produzidos pela Pró-Yanomami (CCPY) ou de documentos oficiais.


 
 

... Arquivo Pró-Yanomami

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BOLETIM URIHI Nº 10


SÃO PAULO, SETEMBRO DE 1989
EDITADO PELA COMISSÃO PELA CRIAÇÃO DO PARQUE YANOMAMI (CCPY)
RUA MANOEL DE NÓBREGA 111 3º CJ.32
04001 SÃO PAULO SP
COLABORADORES DESTE NÚMERO
PLANEJAMENTO EDITORIAL E GRÁFICO - CLAUDIA ANDUJAR

TEXTO: ROMEO GRAZIANO

REVISÃO DE TEXTO: LÚCIA PRADO
ILUSTRAÇÃO: CIÇA FITTIPALDI
FOTOGRAFIAS: CLAUDIA ANDUJAR

 

 

INDICE                                                                                                                               

 

1.       Exposição leva realidade Yanomami ao MASP

2.       Verdades e mentiras no Dia do Índio

3.       Davi Kopenawa Yanomami fala no Congresso Nacional

4.       A audiência concedida pelo Presidente Sarney

5.       Os decretos que organizam a garimpagem

 


 

 


EXPOSIÇÃO LEVA REALIDADE YANOMAMI AO MASP

 

Como uma forma de homenagear  o  líder  Davi Kopenawa Yanomami, Prêmio Global 500 da  ONU de 1988, e sensibilizar  a  opinião  pública para a situação enfrentada pelo seu povo,  a CCPY realizou, de 6 a 23 de abril  no Museu de Arte de são  Paulo  (Masp),  a  exposição "Genocídio do Yanomami: Morte do Brasil".

 

Ficha técnica

Exposição:     "Genocídio do Yanomami: Morte  o Brasil"

Organização: Comissão pela Criação do Parque Yanomami (CCPY)

Período:        de 06 a 23 de abril de 1989

Local: Museu de Arte de São Paulo (Masp)

Av.Paulista 1.578, 12 andar, sala 40x15m

 

Instalação

- 5 painéis  contendo  informações  sobre  a  situação  atual  dos yanomami; textos de  Dermi  Azevedo  e  fotografias  de  Claudia Andujar.

- 2 vitrines com espécies da cultura material yanomami.

- Audiovisual, sistema de multivisão,  com  360  imagens  a  cores sobre a vida tradicional yanomami e as consequências do  contato com o mundo dos brancos; utilização de 4 projetores  e  espelhos para ambientar a sequência de imagens, projetadas sobre 40 telas (faixas de plástico) de 2,5 metros  de  altura;  duração  de  30 minutos.  Realização de Claudia Andujar e  Marluí Miranda,  com base em projeto  fotográfico  e  pesquisa  sonora  de  campo  de Claudia Andujar.   Áudio  a  partir  de  composições  de música clássica japonesa, minimalista e  gravações  obtidas  entre  os yanomami (rituais e discursos); entrevista  realizada  com Davi Kopenawa Yanomami, flashes sobre a sua visão de  mundo  gravados no programa "TV Vanguarda" (Bandeirantes), produzido por Marcos Terena em fevereiro de 89.

 

Assessoria de planejamento visual: Jeferson da Costa.

Sonoplastia:  Marluí Miranda

Ambientação:   Dan Fialdini

Sonorização: Fotóptica Ltda

 

A mostra  destacou-se por uma instalação  de luz  e  som,  onde  360  imagens   da   vida tradicional yanomami e do seu contato com  o mundo civilizado desfilaram sobre  40  telas dispostas na  vertical,  ao  som  de  Marluí Miranda,  de  gravações  colhidas  entre  os yanomami   e   de   músicas    japonesa    e minimalista.  As imagens apresentadas  foram obtidas ao longo de vinte anos  de  trabalho da fotógrafa Claudia Andujar.  A  instalação também  contou  com painéis   didáticos   e objetos do cotidiano yanomami, inclusive  de caráter  mágico- religioso.    E  um  libreto prefaciado  por  Ailton  Krenak  (UNI),  com textos da  antropóloga  Alcida  Ramos  e  do jornalista  Dermi   Azevedo,   ofereceu   ao visitante  informações  essenciais  para   o entendimento mais amplo da questão yanomami.

 

Material Impresso

 

Cartaz, convite e libreto de 24  paginas,  prefaciado  por  Ailton Krenak (União das Nações  Indígenas);  apresentação  da  CCPY    e textos da antropóloga Alcida Ramos e do jornalista Dermi  Azevedo; fotografias (P&B) de Claudia Andujar  e  planejamento  visual  dos arquitetos Fernando Mascaro e Roberto Strauss.

 

 

 

A exposição registrou um movimento diário de 400 a 600 pessoas, e foi vista por cerca  de 2 mil estudantes do primeiro e segundo graus de  diversas   escolas   paulistas.      Nos depoimentos deixados por uma parcela  desses estudantes, cuja  idade  media  é  15  anos, destacam-se a preocupação com o  futuro  dos yanomami, a indignação com  as  atitudes  do homem branco  contra  a  sua  sobrevivência.

 

"Meu nome e Ana Cristina Gavinho, sou uma estudante e  estou muito sensibilizada com essa palestra.

 

Sou neta de índio e minha mãe, filha de índio, casou com um Português, meu pai, que causou uma  separação  muito  grande sobre  os  conhecimentos  indígenas  e  a   sua  verdadeira importância.

 

Estou muito  impressionada  com  esse   debate   e   senti profundamente a importância do índio  e  quero me  envolver profundamente sobre esse povo tão rico e sábio.

 

Estou triste pois meu avô já  faleceu  e  não  pude  acolher nenhuma informação sobre "o que e ser índio", mas sinto  que por ser descendente e ter pelo menos  50%  de  sangue  índio circulando  sobre meu  ser,  em minhas veias,   tenho   a responsabilidade de lutar e me unir aos meus descendentes. Através dessa palestra, tenho acolhido força  e  vontade  de lutar e conservar o que e nosso.

 

Quero fazer comunicações.  Por favor.

 

Estou muito feliz e agradeço".

 

 

Certamente, as  explicações  fornecidas  por Carlo Zacquini, ao fim  de  cada  sessão  do audiovisual, provocaram muitas surpresas  na jovem platéia, que percebeu a  inter-relação entre a grande  ameaça  aos  yanomami  e  os desastres ecológicos brasileiros.

 

Pode-se  dizer  que  a exposição "Planeta Terra", patrocinada pela IBM no  subsolo  do Masp, e a homenagem aos yanomami feita  pelo artista  plástico  e  grafiteiro Maurício Villaça, que decorou  os  tapumes  do  andar térreo, ofereceram uma feliz associação  com a mensagem do evento  da  CCPY,  montado  no primeiro andar do museu.

 

 

D.O.E.; Seç. I, São Paulo, 99 (O59), sexta feira, 31 mar. 1989

 

 

Comunicado COGSP-CEI

Os Coordenadores de Ensino da Região Metropolitana da Gran-de São Paulo e do Interior, a Secretaria da Educação através da Comis-são Contra Discriminação, tendo em vista o que lhe foi representado pela Comissão pela Criação do Parque Yanomami, (CCPY) expedem o presente comunicado divulgando a Programação de visitas para a ex-pedição cultural sobre a questão Yanomami, de 6 a 23 de abril, no Museu de Arte de São Paulo.

Nesta ocasião estará sendo homenageado O Índio Davi Copena-wa Yanomami ganhador do prêmio Global 500, oferecido pelas Na-ções Unidas e todos aquela que se destacam na defesa do meio am-biente. A exposição será toda audio visual e pretende esclarecer a opi-nião pública sobre os aspectos humanitários, ecológicos e patrimoniais que estão envolvidos nesta questão.

A Rede Estadual de Ensino poderá organizar grupo, para visitas, no máximo de 100 alunos. A CCPY colocará a disposição um monitor que prestará esclarecimentos. os alunos terão um espaço reservado pa-ra a entrega de trabalhos onde manifestarão suas opiniões sobre direitos dos Yanomami.

As escolas interessadas deverão entrar cm contato com o Ari, da CCPY. através do telefone 284-6997, das 8 às 12 horas, de 3ª à 6ª feira.

Comissão pela Criação Yanomami

Rua Manoel da Nóbrega, 11, 3.cj. 32

04001 - São Paulo- SP.

 

 

No dia 20  de  abril,  a  CCPY,  a  Comissão Teotônio Vilela  de  Direitos  Humanos  e  a Ordem dos  Advogados  do  Brasil   reuniram diversas personalidades que lutam em defesa dos direitos humanos  para  homenagear  Davi Kopenawa Yanomami.  No grande  auditório  do Masp, Davi deixou claro que  não  alimentava ilusões do seu  encontro  com o  presidente José Sarney, realizado no  dia  anterior  em Brasília,   pois   estava  consciente   das mentiras e enganações  que  lhe  dirigem  as autoridades.  Mas reafirmou  sua  coragem  e disposição para continuar na defesa  do  seu povo e do meio ambiente do país.

 

O  líder  Yanomami  não  tem motivos   para acreditar nas  promessas  do  presidente  de retirada   dos   garimpeiros   de   Roraima. Portanto, voltou à carga com as denúncias de violações  em  território  Yanomami,  sob  o apoio  de   algumas   lideranças   indígenas presentes àquela solenidade,  como  MacSoara Cadiwel (do  Mato  Grosso  do  Sul),  Ailton Krenak (da união das  Nações  Indígenas),  e Marcos  Terena  (piloto  da  Funai),   todos ligados à União das Nações  Indígenas.    Na ocasião, o senador Severo Gomes reafirmou  a decisão do movimento  Ação  pela  Cidadania, criado no início do ano em São Paulo, de dar prioridade à situação dos yanomami.

 

O empenho de várias  entidades,  a  corajosa adesão do  Masp  e  o  apoio  dos  meios  de comunicação favoreceram a boa repercussão da mostra  "Genocídio  do  Yanomami:  Morte  do Brasil".  Deve-se destacar também que,  pela primeira  vez  nos   seus   onze   anos   de existência, a CCPY recebeu apoio de empresas brasileiras numa  iniciativa  em  defesa  do povo yanomami

 

 

COLABORADORES

 

-  Entidades: Ação pela Cidadania, Ordem dos  Advogados  do  Brasil (OAB), Centro Ecumênico de  Documentação  e  Informação  (CEDI), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Comissão  Pró- Índio  de São  Paulo  (CPI/SP),  Centro  de  Trabalho  Indigenista  (CTI), Comissão Teotônio Vilela de Direitos Humanos e Museu de Arte  de São Paulo (MASP).

-  Na realização da exposição: Ailton Krenak (coordenador da União das Nações Indígenas - UNI);  Abel  de  Barros  Lima  e  Carlos Alberto Ricardo, no planejamento; Alcida Ramos e  Bruce  Albert (antropólogos); Ari Osvaldo de Andrade, Daniela  Hart  e  Lúcia Prado,  na  divulgação;  Carlo  Zacquini,   na   informação   e comunicação;  Claudete  Nanni,  na  secretaria;  Pan   Fialdini (Departamento  de  Exposições  do  MASP);  Dermi  Azevedo,   na redação; Fernando Mascaro e Roberto  Strauss,  no  planejamento visual do catalogo, cartaz,  convite  e  painéis;  Jeferson  da Costa; Marlui Miranda, na  sonoplastia,  e  Rose  Stoianov,  na montagem de painéis.  Claudia Andujar coordenou os trabalhos  e realizou o audiovisual

 

 

VERDADES E MENTIRAS NO DIA DO ÍNDIO

 

Se o Dia do Índio  deste  ano  beneficiou-se com   a   premiação   e   o   reconhecimento internacional de Davi Kopenawa Yanomami, por outro lado também não  deixou  de  trazer  a tona a  conhecida  política  indigenista  de inspiração militar.   Basta  dizer  que,  na mesma hora em que Davi recebia as homenagens do  Congresso  Nacional,   o   ministro   do Exército, general Leônidas Pires  Gonçalves, de um auditório bem  próximo  dali,  dirigia críticas ao líder yanomami, dizendo que "ele está é fazendo charminho".  A deputada Moema São Thiago (PSDB-CE),  que  abriu  a  sessão conjunta da  Câmara  e  Senado,  lamentou  a "coincidência"  entre  os   pronunciamentos, reconhecendo que a Casa e a imprensa estavam divididas.

 

O ministro do  Exército  participava  de  um seminário  sobre  a  Amazônia  no  auditório Nereu Ramos, da Câmara, e  suas  bombásticas declarações garantiram as manchetes  do  dia seguinte de  muitos  jornais.    "No  Brasil existem 30 mil índios  ainda  selvagens:  os demais usam jeans, aparelhos Panasonic e são atores", assegurou o  general,  para  depois chamar  a  atenção  dos  repórteres  para  a realidade  imposta  pelos   garimpeiros   em Roraima.      impossível",   respondeu   o ministro à sua própria pergunta  sobre  como tirar 40 mil pessoas de um lugar, citando  a posição favorável da  sociedade  de  Roraima aos  benefícios  decorrentes  da  atividade.

 

Ainda durante a entrevista coletiva que  foi concedida depois de sua  palestra,  Leônidas Gonçalves tentou justificar a integração dos índios  à  sociedade   alegando   que   eles enfrentam uma vida difícil na mata, e  seria uma "impiedade" confiná-los em reservas.  "A vida deles não  é  respeitável",  resumiu  o ministro.

 

Entretanto,  a  intenção  manifestada   pelo presidente   José   Sarney   na    audiência concedida  a  Davi   Kopenawa   e   MacSoara Cadiwel, na tarde daquele mesmo dia, foi bem outra.  O presidente  prometera  retirar  os garimpeiros de Roraima "em 30 ou  40  dias", inclusive com o Exército do general e mais a Polícia Federal.  No outro dia,    em  São Paulo para participar da homenagem realizada no  MASP,  Davi  usava  a  sua   tradicional franqueza para  expressar  o  que  pensa  do presidente: "ele é mentiroso".

 

 

“TROCANDO A CARIDADE DO BRANCO POR JUSTIÇA”

 

 

 

O senador Severo Gomes  (PMDB-SP)  falou  em nome do Senado Federal na Sessão Especial do Congresso,    onde,    além    dos    poucos parlamentares,   compareceram   D.    Erwin, presidente do CIMI, Ailton Krenak,  da  UNI, Claudia Andujar, da CCPY,  e  representantes das comunidades indígenas kamaiurá,  terena, krenak,   Cadiwel   e   Pancararô.       Seu pronunciamento fez uma rápida  retrospectiva da história do contato do povo yanomami  com a sociedade brasileira, bem como do processo de demarcação de suas  terras,  que  culmina com a atual  mobilização  pela  anulação  da Portaria Interministerial nº 250 (18/11/88), responsável    pelo   estabelecimento    do “arquipélago yanomami"

 

Severo Gomes lembrou que o  Poder  Executivo não ignora a grave ameaça que hoje  ronda  a sobrevivência dos yanomami, pois o Ministério da Justiça, em janeiro deste ano, enviou uma comissão a Roraima que  constatou inúmeras irregularidades na área, de  acordo com o relatório  enviado  aos  ministros  da Aeronáutica,  do  Interior,  das   Minas   e Energia e do Gabinete Militar.    O  senador destacou  que  a   destruição   da   cultura indígena não lhe parece algo  inevitável,  e que a nossa civilização está mudando  o  seu conceito de desenvolvimento com consequências desastrosas para a sociedade e o meio ambiente.

 

"Ao lutar pela sobrevivência de seu povo,  e pela preservação do ambiente  em que  vive, Davi Yanomami  se  iguala  em humanismo  às maiores figuras de todo o mundo, e  disso  é prova o reconhecimento internacional.   Para nós, constitui motivo de orgulho  fato  de que um índio - também ameaçado  de  morte  - assume a liderança desse combate, trocando a caridade  do  branco   pela   exigência   de justiça.  Por isso eu o saúdo, Davi,  e  por isso o povo brasileiro jamais o  esquecera”, concluiu Severo Gomes.

 

DAVI KOPENAWA FALA NO CONGRESSO  NACIONAL

 

Rosto  pintado  de  vermelho  e  adorno   na cabeça, sinal de festa, Davi Yanomami deu  a sua mensagem na tribuna da Câmara, no Dia do Índio.    Seus  pedidos  de  ajuda  não   se restringiram apenas ao seu povo, e o  alerta contido em suas palavras antecipa  o  futuro desastroso que pode estar aguardando o país. Ao mesmo tempo, a luta contra a descrença  - vocês falam hoje, amanhã vocês esquecem   - numa ajuda efetiva é a própria angústia pela falta de espaço neste mundo civilizado,  mas não ao  ponto  de  compreender  as  verdades simples que até há pouco tempo permitiram  a sobrevivência da sua gente. Seu pronunciamento é transcrito a seguir:

 

"Bom dia, presidente,  bom dia deputados  e  senadores,  todos  os meus amigos que estão aqui presentes, todas as comunidades e  meus parentes que estão aqui comigo para escutarem  o  que  vou  dizer, minha mensagem para vocês, brancos, hoje, no Dia do  Índio.    Vou contar a situação dos Yanomami em Roraima, Amazonas.

 

A situação dos Yanomami é problema sério.  Nossa área  está  toda invadida pelos brancos, os  garimpeiros.    Nós  pedimos  ajuda  a vocês, e vocês estão a favor do índio.  Vocês querem ajudar mesmo o índio do Brasil?  Quero que vocês ajudem mesmo. Só  a  promessa não ajuda, tem que ajudar para resolver nosso  problema,  a  nossa terra.  Todos os índios do Brasil estão sofrendo.  Ate os  brancos estão sofrendo também   Nosso Governo brasileiro federal  tem  que escutar, tem que olhar para a gente.  Nós pedimos socorro, mas não estão olhando. Nosso Índio quer a sua terra.  O  branco  tem  que respeitar a terra do índio.

 

Por muitos anos os índios  reclamam  aqui,  em  Brasília,  pedindo ajuda e pedindo a terra demarcada.  Mas hoje os meus parentes,  os índios do Brasil inteiro, estão sofrendo.  Precisamos da ajuda  de vocês.  É por isso que estou aqui para falar com vocês e contar  a historia e a verdade que está acontecendo lá.  Porque sou  de  lá, moro na minha aldeia, porque ela e minha e não  posso  esquecer  o lugar onde nasci.  Lá é meu lugar.  Estou aqui para defender o meu povo Yanomami, defender o  povo  brasileiro,  o  índio  do  Brasil inteiro.  Na minha área, o rio está poluído.  Outras  pessoas  não acreditam no que o índio fala.  O índio  fala  a verdade,  porque está vendo lá, porque está sofrendo lá.  o índio vê que  o  branco está fazendo mal  para  a  gente,  destruindo  o  rio  e  a  área, desmatando nossa floresta, matando nossa  caça e  matando  nosso peixe.

 

"Então, sempre vocês falam que estão a favor do índio,  quero  que vocês resolvam, que o Governo brasileiro resolva o nosso problema. Agora, precisa resolver o nosso  problema,  demarcar  a  terra  do índio Yanomami, porque estamos pedindo socorro.   Índio  não  quer que acabe a nossa reserva.  Índio quer  a  terra  dele,  porque  e dele, por9ue ele usa a terra para fazer roçado, plantar para fazer alimentação.  Índio nunca pediu alimentação aos brancos.

 

“É por isso que quero proteger,  quero  lutar  ate  o  fim,  quero preservar a minha - terra, preservar a floresta, a mata e  a  selva. Não quero abrir mão pra ninguém, pros brancos, porque o  Brasil  é grande, o Brasil e grande mesmo.

 

"Por que o Governo não deixa a terra para o índio?     chega  de tomar a nossa terra.  Índio tem direito de viver li na aldeia,  lá onde ele está.    Nós  respeitamos  vocês,  e  o  branco  que  nos respeite, respeite a terra.  Isso á que o índio quer.   Índio  não quer que todo mundo morra, não.  O meu pensamento á  diferente  do de vocês.   Não  estou  pensando  o  pensamento  de  vocês.    Meu pensamento, meu trabalho e diferente.    Continuo  na  luta  pelos Índios do Brasil.  Nossos  irmãos  outros  estão  sofrendo  e  vão sofrer mais ainda.  O problema do Brasil está crescendo, porque  o Governo não faz nada.  Ele não pensa, ele  não  pensa  no  futuro. Tem que pensar no neto, no filho.  Não e pensar nele,  não.    Tem que pensar no mundo inteiro.  O meu trabalho não e    para mim. Meu trabalho á  para  todos  os  índios  do  Brasil.    Não  estou trabalhando para resolver problemas meus.  Quero resolver todos os problemas dos índios no Brasil.  Também desde pequenininho conheci a Funai.  A Funai não quer deixar a terra grande, quer  deixar  um pedacinho, como chiqueiro de galinha.  Nós, índios, não precisamos só de um pedacinho de terra, não.   Precisamos  de  terra  grande, porque nós temos casa muito longe, andamos 10, 20,  30  Km.    Por isso queremos a terra grande.  Por isso sempre reclamamos,  sempre falamos, pedimos.

 

"Agora, lá onde moro, na terra dos Yanomami, o Calha Norte dividiu a nossa área.  Ficou muito difícil.   Agora,  para  demarcar  área pequena sou contra, porque daqui para frente, daqui a 10, 20 anos, vão chegar muitos brancos:  os  garimpeiros,  os  madeireiros,  os fazendeiros vão chegar lá também.  Antes de chegar o  branco,  tem que resolver demarcar área única, grande.  Isso é o que o Yanomami quer.  Yanomami não quer pedacinho de ilha, não.  Porque aquilo  é dele.  Há muitos anos o nosso lugar é lá, para viver.   Índio  tem direito de viver lá.  Índio nunca saiu para  outro  canto,  Índio nunca vendeu a terra para os brancos.  Isso que quero  dizer  para vocês escutarem.  Essa é minha palavra verdadeira,  porque  estou vendo lá os meus parentes sofrendo de doença, porque estragaram  o rio.  Já estragaram  três  rios  grandes  (Urariquera,  Mucajaí  e Catrimami).  Está morrendo.  Está morrendo peixe.  E chegando cada vez mais garimpeiros.  Saem uns e chegam outros.  A  outra  cidade está ficando vazia porque está todo mundo indo  para lá, Boa Vista. Isso que Índio conta e a verdade, porque  esta  vendo  lá.    Não estou falando mentira.  E também respeitamos,  queremos  respeitar os garimpeiros.  O garimpeiro, não quero que  mate  mais  os  meus parentes.  Isso eu não  quero,  porque,  se  nós  Índios  matamos branco, vocês não acham bom.  Então, quero que  o  Governo  retire garimpeiros da área, porque não quero deixar morrer todos os  meus parentes.  Quero salvar os meus parentes que estão morrendo.  Onde não tem Funai, onde não  anda  o  doutor- médico,  estão  morrendo. Agora, vocês estão aqui, não olham, não estão exergando daqui para lá.  Vocês falam em ajudar.  Tem que ajudar mesmo.    Vocês  falam hoje, amanha vocês esquecem.  Isso Índio não  quer.    índio  quer ajuda mesmo, para resolver nosso problema.

 

"Essa é a minha palavra para vocês.  Isso que á  palavra.    Tenho que falar.  Então, meus parentes estão escutando aqui.  Todo Índio esta sofrendo.  Até os brancos também estão sofrendo.   Os  pobres do branco sofrem igual a nós.  Eles não tem terra.  Eles  não  tem prédio.  Então, os  brancos,  o  Índio,  todo mundo  vai  morrer. Também o branco vai morrer, vai sofrer.  O Governo  diz  que  vai melhorar o Brasil.  Não está melhorando nada, está piorando.

 

"Então, isso é que eu queria dizer para vocês.  E também uma outra coisa: eu ganhei um prêmio, porque o pessoal de fora conhece o meu trabalho, conhece o meu nome.  O meu nome e reconhecido  no mundo inteiro, porque eu luto.   E  não  estou  lutando,  assim,  atoa. Estou lutando por um direito meu, para  defender  o  meu  povo,  a minha terra, todas as caças, os rios, os igarapés,  as  montanhas, os lagos e, também, os  irmãos  dos  brancos,  os  Índios.    Para proteger as florestas, para não acabar, para  não  perder.    Isso para mim é muito importante.  Para nós,  tudo  é  importante.    O branco  diz  que  é brasileiro;  eu  também  sou  brasileiro,   o verdadeiro  brasileiro.      Os  meus   parentes   andavam  nus primitivamente.  Eu não quero  que  acabem  com  a  nossa  cultura também.

 

"O homem branco quer acabar com a nossa cultura.   Não  quero  que acabem com a nossa cultura, quero que continuem  nossos  costumes, para  a  sobrevivência  das  nossas  aldeias.    Quero  que   elas continuem.  Nós temos de segurar isso  para  não  acabar  a  nossa cultura.  Homem branco quer que a gente vire branco.  Não queremos virar branco.  Estou vestido porque se entrasse nu vocês não iriam gostar.  Por isso estou aqui vestido.  Na minha  aldeia  não  ando vestido, ando nu.  Estou falando a verdade.  Se entrasse  nuzinho, sem roupa, vocês não iriam gostar.  Por isso estou  aqui  vestido, para participar da reunião.  Vocês me convidaram, me  chamaram  e, por isso, estou com minha cara  pintada.    Meus  parentes  todos, minha família toda é primitiva, não sabem falar  português.    Sou uma pessoa que fala, porque luto para defender meu povo Yanomami e todos os indígenas do Brasil.

 

"Quero dizer, também, que nosso  Governo  Federal  pensa  que,  se ganharmos a terra grande, vamos fazer outro  país.    Não.    Está enganado.  Para nos não existe isso -  fazer  outra  cidade,  não. Para nós, é muito importante o mato, para usar a fruta, matar  uma caça; uma anta, urna queixada, pescar um peixe.  Isso, para nós,  é que é muito importante.  Sem terra não há vida.   Tem  que  ter  a terra para índio viver.  Isso, para mim, é que é importante, não é só  para  índio,  mas  para  o  branco  também.      na   tribo Xi-dea-théri, também Yanomami, e Parahuri e Amin  Coabu-théri,  lá onde não tem o médico, os Índios estão morrendo.

 

"Por isso, estou aqui para contar a história.  Estou muito triste, porque meus parentes estão morrendo.   O Governo  tem  que  fazer alguma coisa.  Tem que retirar os garimpeiros,  urgentemente.  o que os brancos querem é invadir toda a nossa área.  Queremos viver em paz, sem problemas.  Nunca existiu  esse  problema,  mas  agora aumentou o número de brancos, chegou muita gente de fora.   Também o homem rico esta mandando invadir a nossa área indígena.  O homem rico não trabalha, só manda.  O branco pobre também está  sofrendo lá, trabalhando para o rico.  Os  brancos  pobres  não vão  ficar ricos nunca.  Agora quem está ficando mais rico é aquele que  está mandando.  Esses é que estão numa boa.  Agora, aqueles  que  estão trabalhando para o rico, garimpando, tirando o ouro, e  que  estão sofrendo de malária, de fome, para enriquecer ainda mais  o  homem rico.

 

"Estas são as minhas palavras.   Gostaríamos  muito  da  ajuda  de todos vocês.  Estou pedindo que não esqueçam de nós, fiquem sempre do nosso lado, estou pedindo ao Governo que faça alguma coisa para nos ajudar.

 

"Em Boa Vista, os brancos estão morrendo também, porque os ladrões daqui estão indo para lá.  Meus  parentes,  outros  índios,  nunca viram um branco.  A aldeia que nunca viu branco vai sofrer.    Por isso estamos pedindo para demarcar a área do índio.

 

"É muito difícil para mim falar o  português.    Penso  que  estão entendendo mal.  Se vocês estiverem  entendendo  mal,  falem para mim. Quando a gente fala muito atrapalha.

 

"Muito obrigado."

 

 

A AUDIÊNCIA  CONCEDIDA PELO PRESIDENTE SARNEY

 

Davi  Yanomami  e  MacSoara  Cadiwel   foram recebidos pelo presidente  José  Sarney,  no Palácio do Planalto, na tarde do dia  19  de abril.  Participaram da audiência o  general Bayma Denys, Chefe  do  Gabinete  Militar  e Íris Pedro de Oliveira, presidente da Funai. Embora  o  general   Bayma   Denys   tivesse afirmado, horas antes,  que  é   impossível retirar  os   garimpeiros   do   território yanomami, nesse encontro  ele  garantiu  aos índios que  a medida  seria  executada  num trabalho  conjunto  entre  o  Exército  e  a Polícia Federal, e mais o auxílio financeiro de NCz$ 57 milhões.    O presidente  Sarney comparou a situação do Brasil com um barco no mar, onde todos estão lutando por  ele  e sendo jogados ao ritmo das  águas  do mesmo jeito, branco, negro, amarelo ou índio.

 

Davi Yanomami pôs  o  presidente  a  par  da alarmante situação criada pelos  garimpeiros e se queixou do  tamanho  da  área  que  foi demarcada.  E o presidente da  Funai  tentou evitar  que  a  imprensa  entrevistasse   os índios à saída da audiência.

 

Abaixo,  damos  os  principais  trechos   do diálogo mantido naquela reunião.

 

Presidente  Sarney: Desde  1910  ate  1984,  nós    chegamos  a (demarcar) 34 milhões de hectares, o que significa três vezes mais do que toda a história do Brasil.  E com as terras  que  estão  em estudo na base de demarcação, são mais 46.  Isso significa que nas vamos chegar, hoje, a cerca de 10%  do  território  nacional  como reservas indígenas, com uma população de 200 mil indígenas, o  que significa 1/10 do território brasileiro para 200 mil  indígenas  e quase 400 hectares para cada Índio.  Esse é um trabalho que mostra o quanto o governo se dedicou a esse trabalho de demarcação, fazer três vezes mais que em toda a história do Brasil.

 

Íris de Oliveira: Agora, ninguém como ele (o índio) sabe conservar o meio ambiente, não é, Presidente?

 

Presidente Sarney: Ah, sim.  Agora, e preciso cuidado  com  nossas arvores   As madeireiras, querendo comprar, cortar árvores,  pegar madeira nobre, muitas vezes envolvem as comunidades indígenas.

 

Íris  de  Oliveira: Outra  grande  preocupação  hoje  deles,   já manifestada  é  o  problema  dos  garimpeiros,  principalmente  em relação a área Yanomami.

 

Presidente Sarney: Nós já tiramos eles uma vez de lá, do  Pico  da Neblina (área Yanomami no Estado do Amazonas).

 

General Bayma Denys: Tiramos uma vez lá de Surucucus (1985).  Eles voltaram, agora eles estão em grande numero e o Davi  Yanomami  tá me avisando que não adianta chuva não, eles vão continuar lá.

 

Davi Yanomami: Eles não tem medo de chuva, não tem medo de doença, trabalha como queixada.  Eles são como queixada, não vão sair não. No tempo de chuva, quando  encher  rio,  eles  vão  encher  balsa. Porque eles tem avião para levar maquinário, levar balsa.

 

Presidente Sarney: Lá nessa área?

 

Davi Yanomami: Nessa área do Yanomami.  Ao redor do Surucucu  está cheio de garimpeiros.  No rio Urariquera tem trezentas balsas,  no Catrimani está cheio de balsas também.    Eles  não  tem  medo  da chuva, é como queixada, fuçando, fazendo buraco e sujando  o  rio, tudo isso tá acontecendo.  Vocês daqui,  sentado  aqui    escuta alguém que conta pra vocês, vocês acreditam; eu tá    vendo,  eu sou de lá, eu conto a verdade, não to mentindo aqui, eu não  venho pra mentir aqui não, eu venho pra  contar  o  que    acontecendo mesmo.  Na área Yanomami, a situação é problema sério mesmo, e por isso estou muito triste

 

Presidente Sarney: Essa invasão e recente?

 

General Bayma Denys: Essa já está há mais de dois amos.

 

Davi Yanomami: Vocês tiraram(os garimpeiros) no  Surucucu  (1985) mas não tirou do Paapiú, no Rio Uaicá e Ericó.

 

Presidente Sarney: Aquela área toda tem ouro, naqueles rios todos?

 

Não identificado: E hoje acho que já são uns 500 mil  garimpeiros, na Amazônia toda.

 

General Bayma Denys: Eu acho que mio chega  a  ser  tanto,  sempre aumentam um pouco.  Assim como eles dizem 400 mil, eles  dizem um milhão.

 

Íris de Oliveira: Mas o que o Davi talvez mio  tenha  compreendido bem em relaçao ao problema da chuva é que todo o esforço  que  vai ser feito pelo governo no sentido de retirar os  garimpeiros  será feito no período da chuva, porque pelo menos  alguns  deles  devem sair no período das chuvas.  Fica mais difícil ficar lá no período da chuva, de modo que n6s vamos  aproveitar  o  período  da  chuva porque a forma de abastecimento e suprimento é mais  difícil,  mio tem jeito de levar mantimento, não  tem  jeito  de  levar  comida, entendeu, e alguns deles vão sair na época da chuva, concorda?

 

Davi Yanomami: Eu não acredito muito.

 

Íris de Oliveira: O importante é  você  saber  que  eles  vão  ser retirados essa decisão já esta tomada, não é  ministro?    Ainda hoje o ministro do  Interior  disse isso, inclusive    no próprio Senado.

 

Presidente Sarney: E ficam poluindo o rio, não é, com mercúrio...

 

Davi Yanomami: E, ficam poluindo o rio  com  mercúrio.    Agora  o peixe tá morrendo.  O rio e grande, tá sujo, onde é  que  o  índio vai tomar água, pra beber?  Eles não, eles tem, os garimpeiros tem dinheiro para pedir água mineral;  agora,  mês  índios  não,  nos índios usamos o rio lá, se  beber  aquela  água  suja morre  todo mundo.

 

Presidente Sarney:  Você mora em que área, Davi?

 

Davi  Yanomami:  No  Km  211   (da  rodovia   Perimetral   Norte, desativada), no Demini.

 

Íris de Oliveira: Mas ele não nasceu lá no Demini, não é, Davi?

 

Davi Yanomami: Não, mas é perto.

 

Íris de Oliveira: Você nasceu perto.   Qual  é  a  área  que  você nasceu?  Como é que chama lá?

 

Davi Yanomami: Toototobi.  Mas tem que olhar todas as comunidades, não e só pra me cuidar não, tem que olhar cada comunidade.

 

Íris de Oliveira: Tá certo.

 

Presidente Sarney: Porque o Yanomami  tem  várias  áreas,  não  é? Cada naçãozinha, quanto é que tem?

 

Íris de Oliveira: Isso varia,  aliás, se o Sr. tiver interesse nos dados, tenho até um mapa aqui com as áreas  todas....,  posso  até apanhar para mostrar ao senhor.  Mas é surpreendente que não e  só em relação ao Yanomami.  No Parque do  Xingu,  aparentemente,  nós temos urna unidade; os índios do Xingu, não existe nenhuma unidade. Para o senhor ter uma idéia, aqui em Brasília nós temos  uma  casa transitória, onde  nos  acolhemos  os  Índios  em  tratamento,  em trânsito por Brasília.  Pois bem,  o  índio  Tchucarramáe  não  se hospeda  na  mesma  casa  em  que  se  hospeda  o  Xavante,  ou  o Yawalapiti.

 

Presidente Sarney: Nações diferentes, não é?

 

Íris de Oliveira: Completamente diferentes.  Então, no Xingu,  nós temos aldeamentos..

 

Presidente Sarney: Mas o Yanomami tem uma língua só, não é?

 

Davi Yanomami: Tem quatro línguas.  Eu falo todas elas.

 

Íris de Oliveira: E por outro lado,  mesmo  quando  a  língua  tem afinidade de língua, de hábitos culturais não tem.  Então no  caso do Xingu, nós vamos encontrar índios com a mesma língua,  mas  com hábitos culturais diferentes.  Então, no caso  que  ele  citou,  o Yawalapiti.  Não convive  com  o  Tchucarramãe  de  jeito  nenhum, convive pressionado pelos Tchucarramãe.  No alto  Rio  Negro,  nós temos o caso dos lupas com os Macus, do lado de lã do rio, que não aceitam sequer que atravessem o rio.   Consideram  aqueles  índios uma casta inferior  aos  Macus,  e  não  deixam  sequer  que  eles atravessem o rio.    Então,  é  impressionante,  e  dai  porque  a conveniência inclusive de se demarcar...

 

General Bayma Denys: A demarcação vai  evitar  conflitos  futuros, porque as tribos são  separadas.    Nós  percorremos  essas  áreas todas, com o grupo  de  trabalho  para  fazer  a  demarcação,  com helicóptero, durante três ou quatro meses. Cada família, grupo, tribo vive separadamente, e esse é que é o problema. Futuramente, vai dar briga, daqui uns vinte anos.

 

Não identificado: O Yanomami muda muito?

 

Davi Yanomami: Sim, muda sim. Usa  uma área de 10, 20 Km, rodando, mudando. A gente deixa a capoeira crescer de novo, aí volta de novo; a turma chama de nomadia.

 

General Bayma Denys: Mas isso e que foi observado. Nas área que foram demarcadas, as dezenove, foi considerada a perambulação, por causa do tempo, durante 20, 30, 50 anos.

 

Davi Yanomami: Eu tô preocupado aqui. Tem um meio, fizeram duas florestas.

 

General Bayma Denys: Pois é, mas a floresta é para proteger...

 

Davi Yanomami: Não, isso aí não tá garantido não. A nossa mesmo, área Yanomami, é pequenininha. Mas no meio, cheio de buraco, daqui 10 anos, 20 anos, garimpeiros vai ocupar tudo, os garimpeiros vão, como é que se diz...

 

Presidente Sarney: Depredar.

 

Davi Yanomami: Sim, vão ocupar pra fazer casa, pista. Aí nós fica preso, não anda mais pra lá, pra ali, eles vão proibir andar, atravessar numa área dos brancos, proibir pescar, proibir caçar, proibir tirar palha, proibir tirar madeira, isso que vai acontecer.

 

General Bayma Denys: Mas a floresta nacional é para evitar a entrada, a floresta nacional é só para índio...

 

Davi Yanomami: Não, isso é só nome. Só ficou nome dos índios. Diz que essa terra é do Yanomami, só ficou nome.

 

General Bayma Denys: Não, não é verdade.

 

Davi Yanomami: Tem que tirar mesmo, presidente. Eu tô muito preocupado.

 

Presidente Sarney: Quando é que nós vamos começar a tirar essa gente de lá ?

 

General Bayma Denys: Presidente, tirar depende, vai depender de pelo menos NCz$ 57 milhões em  2,  3 meses  para  o  Exército  se equipar, se movimentar.

 

Presidente Sarney: Ah então vamos fazer isso imediatamente, vamos tirar essa gente de lá.

 

General Bayma Denys: Tem que mandar mensagem  para  o  Congresso, pedindo orçamento, tem que fazer uma coisa importante.

 

Presidente Sarney: Vamos começar logo esse plano, a executar, para tirar esse pessoal de lá.

 

General Bayma Denys: E um símbolo (a área Yanomami).

 

Iris de Oliveira: E o aspecto de poluição, eu estive lá...

 

Presidente Sarney: Deve ser uma coisa terrível.

 

Íris de Oliveira: E lama pura, imagine o  senhor,  30  ou  40  mil garimpeiros cavando e lavando ouro...

 

General  Bayma  Denys: Muitos  sustentados  por  grandes   grupos econômicos. Não é mais o garimpeiro romântico, o original...

 

Íris de Oliveira: São empresas é que financiam hoje  o  garimpeiro para  instalar.    O  custo  e  tão  elevado  que  um  garimpeiro, individualmente, não tem condições de estar lá; tem  empresas  por trás disso.

 

General Bayma Denys: E o  senhor  vai  ver,    pra  tirar  esses garimpeiros, dependendo de mensagem ao Congresso pedindo recursos, para as Forças Armadas e a  Policia  Federal  se movimentar,  vai mostrar o que e o garimpeiro, a força que eles tem de predação.

 

Íris de Oliveira: Na área  de  Couto  de  Magalhães  (Paapiú),  eu estive em Boa Vista há um mês, havia sido realizada uma  transação de venda de um garimpo por 500 milhões de  cruzados.    Dentro  da área indígena.

 

Davi  Yanomami: Dentro  da  área  indígena,  dentro  da  floresta nacional.

Então, assim, tá como lá, vem (todo) dia outro  garimpeiro    no São Gabriel da Cachoeira   equipado,  comendo  (a  área  Yanomami) devagar.

 

Não identificado: Tem (garimpeiro) em São Gabriel?

 

Davi Yanomami: Tem.  Até na fronteira, essa gente tá comendo tudo, como a queixada, hoje tira aqui, acaba de tirar  daqui  faz  outro buraco, outro e outro, é assim.

 

General Bayma Denys: Davi, você está garimpando também?

 

Davi Yanomami: Não, eu não garimpo.

 

General Bayma Denys: Mas não tem gente da sua área garimpando?

 

Davi Yanomami: Não.  Eu tenho medo de ouro.  O preço desse medo  é nos estar aqui.  O senhor tem medo de urucu?

 

Presidente Sarney: Eu? Não!

 

Davi Yanomami: O sr. tem medo de nos, índios?

 

Presidente Sarney: Não.

 

Davi Yanomami: Eu tenho medo de ouro, se eu pego  ouro,  a  minha força  (espírito)  vai  ser  prejudicada;   eu  não  quero   ser prejudicado, cavar buraco como tatu.

 

Íris de Oliveira: Isso é o aspecto do  apoio  da  área  de  saúde. Aliás, o ministro já até me solicitou e já passei ás mãos dele  um plano de saúde para as áreas indígenas, um plano de educação  para as áreas indígenas.  Sem o concurso desses dois  ministérios,  por certo nos não vamos conseguir emprestar  o  nível  de  atendimento necessário a essa comunidade e a tendência é cair.

 

Presidente Sarney: E o exército?

 

General Bayma Denys: Estou falando dessa parte essencial.

 

Presidente Sarney: Nós vamos ver se a gente tira esses  homens  de lá, tá vendo, Davi.  Tem que tirar.

 

Não identificado: Já pedi oficialmente.

 

Davi Yanomami: Vocês estão prometendo tirar esses garimpeiros, tem que tirar mesmo.

 

Presidente Sarney: Mas nós    tiramos  urna  parte  de  lá;  eles voltaram.

 

General Bayma Denys: Eles voltaram em 88.  Em 87, nós  tiramos  lá do Paapiú, depois eles voltaram, ai eles ficaram.    Já estão  há quase um ano lá.

 

Davi Yanomami: Lã no Paapiú já é (a  ocupação)  grande,  eles tão fazendo vila.

 

General Bayma Denys: Do Pico da Neblina já saíram.

 

Davi Yanomami: Mas sai e volta.

 

Íris de Oliveira: Davi, o importante aí é a decisão do  presidente que tá mandando tirar os garimpeiros.

 

Presidente Sarney: Não, isso já é uma decisão há muito tempo.  Nós já temos tirado, é que eles voltam, é como queixada.

 

Davi Yanomami: É como cupim: você joga  água,  espanta,  mas  eles voltam de novo.

 

General Bayma Denys: Davi  não é o tamanho da área que vai impedir o garimpeiro de voltar.    a persistência  em  nós  resolvermos  o problema da queixada, terminar com as queixadas.

 

Davi Yanomami: Tem que terminar com as  queixadas,  porque  eu  tô muito preocupado com os  meus  parentes  Yanomami,  onde  não  tem FUNAI, onde não tem pista, onde não  anda medico  da  FUNAI, tão morrendo.  Onde tem posto  da  FUNAI,  como  Surucucu,  Catrimani, Demini, Mucajaí e Uaicás tem controle.  Mas onde  não  tem  FUNAI, não tem  nada,  eles  tão  morrendo,  porque  falta  remédio.    O garimpeiro não trata eles.

 

General Bayma Denys: Outro ponto  que  tem  que  ter  apoio  é  do Ministério da Saúde, da CEME, pra dar medicamentos para eles.

 

Presidente  Sarney:  Essa  entrada  de  garimpeiros   deve   levar doenças...

 

Davi Yanomami: Demais.  Gripe, disenteria, fome, sarampo, catapora tão aparecendo lá e outras doenças de pessoal de  fora  que  chega lá.

 

Íris de Oliveira: Tem que coordenar aqui no  Gabinete.  Eu  fiquei muito feliz ontem, numa conversa com o Davi...

 

Davi Yanomami: Tem outra doença também, como chama,  que  é  muito perigosa

 

Presidente Sarney: Lepra? É doença de pele?

 

General Bayma Denys: Tuberculose?

 

Íris de Oliveira: Ele tá querendo dizer doença venérea.

 

Davi Yanomami: Tem outro nome.

 

Não identificado: Doença de mulher?

 

Davi Yanomami: Sim.

 

Presidente Sarney: Gonorréia?

 

Davi Yanomami: Não, eu conheço, mas tem outra.. .AIDS. Já tem lá no Paapiú, lá em Boa Vista também.  Isto vamos sofrer todo mundo, não só o índio não, até os brancos vão  sofrer  muito.    Agora  estão morrendo muitos brancos lá e essa cidade vai ter ladrão, matança.

 

General Bayma Denys: Em Boa Vista.

 

Íris de Oliveira: Presidente, um aspecto que eu queria  ressaltar, que o Davi colocou e que para nós é  importante  é  que  as  vezes tentam explorar a condição de índio e ontem ele me disse, na minha sala, numa conversa, que mais que índio ele é brasileiro, me disse ontem textualmente: sou brasileiro, dai porque  meu desejo de falar com o Presidente, de eu ter pleiteado esse encontro com o  senhor. Outra  coisa  que  ele  me  falou  que  também  me   surpreendeu, presidente, é de que na verdade...

 

Presidente Sarney: Nós todos somos índios, aquele ali  é  neto  de índio, minha bisavó era índia, a velha Teresa, casada com o  velho

 

 

Davi Yanomami: Vocês são índios, agora virou branco,    esqueceu parentes de vocês.  São neto do índio mas virou branco, virou rico e não quer mais olhar para pobre...

 

Presidente Sarney: Tá todo mundo aqui, rapaz, a gente tá no  mesmo barco, nós todos estamos aqui nesse Brasil, lutando por ele.  Isso aqui é um navio, nós estamos todos embarcados nele,  ninguém  pode desembarcar, todo mundo tá aqui dentro.    Para  o  lado  que  ele jogar, joga branco, joga preto, joga  índio,  joga amarelo,  joga todo mundo.  Você não sabe que quando esta dentro de um navio,  no mar...  Você já andou no mar?     andou  em  canoa?    Pode  ser cacique, índio, mulher que ela joga com tudo.  Assim é aqui.

                                                                                                                                          

General Bayma Denys: Vocês gostariam de aprender..

                                                                                                                                                                             

Presidente Sarney: Você estudou aonde?                                                                                   

 

General Bayma Denys: Seu pessoal está  recebendo  informação  para plantar?

 

Davi Yanomami: Não.

 

General Bayma Denys: Gostaria de receber?

 

Davi Yanomami: Não.  Eu gostaria de receber a  área  demarcada,  a primeira coisa e resolver nosso problema, a área dos Yanomami.

 

Íris de Oliveira: Quer que tire os garimpeiros?

 

Davi Yanomami:  Retirada  dos  garimpeiros,  ai  eu  ficava muito satisfeito !

 

Íris de Oliveira: O Presidente quer saber onde você estudou, Davi.

 

Davi Yanomami:  Lá no Toototobi mesmo, com os  missionários.    Esse missionário das  Novas  Tribos  ensinou  a nossa  língua,  não  o português..

 

Presidente Sarney: Trata-se de um grupo  linguístico  que  estuda línguas estranhas...

 

Davi Yanomami: A MEVA também ensinou. O padre.   Agora a  FUNAI, falo também da FUNAI, porque eu meto o pau nela,  porque  ela  não faz bom trabalho. Eu tô com doze anos na FUNAI, e não bota escola para índio Yanomami estudar...  A FUNAI também tem culpa.

 

Íris de Oliveira: Mas o que eu estava dizendo ao  Presidente  é  que nós temos, na verdade, que levar o Ministério da Educação para nos ajudar, as secretarias estaduais, a prefeitura municipal.  E o que eu tenho dito ai.  E preciso que  o  Estado  também nos  ajude  a colocar escolas, e o município também nos ajude a colocar escolas. E  preciso partilhar essas  responsabilidades  com  todo mundo, conveniar com todo mundo, e é isso que nós estamos fazendo agora.

 

General Bayma Denys: Especialmente na  linha dos  ministérios,  o Presidente já deu essa ordem.  O Ministério da Saúde, da Educação.

 

Presidente Sarney: Muito bem.  Foi um prazer, um abraço para você, felicidades.

 

Davi Yanomami: Também.  Isso aqui é para entregar.   O  senhor  já recebeu esse documento?

 

Presidente Sarney: Não, esse veio para o Ministério  da  Justiça, não foi pra mim, não.

 

Davi Yanomami: Então esse aqui e pra  responder para  os  nossos parentes lá, os Tikuna,  que  foi morto  14  índios.    Eles tão querendo resposta.

 

MacSoara Cadiwel: Presidente, ele está pedindo se  o  senhor pode fazer uma próxima audiência.

 

Presidente Sarney:  Posso, como não?

 

 

 

 

OS DECRETOS QUE ORGANIZAM A  GARIMPAGEM

 

O Decreto nº 97.627 de  10.04.89  criou  uma comissão Especial para  estudar  o  apoio  à organização e desenvolvimento  da  atividade garimpeira sob a forma associativa,  devendo apresentar  suas  propostas  dentro  de  180 dias, a partir daquela data.    Integram  os trabalhos dessa Comissão, além do  Instituto Brasileiro   do   Meio   Ambiente    e    do Departamento Nacional da  Produção  Mineral, diversas    Secretarias,    podendo    dela participar também os  Governos  estadual  e municipal.  Tais estudos serão  apresentados como  anteprojetos  de   lei   ou   decreto, exposição  de  motivos   ou   propostas   de projetos específicos, sendo que os  recursos financeiros necessários deverão  originar-se nas  dotações   orçamentárias   dos   órgãos implicados.

 

Na  sequência  das  medidas   geradas   pelo Programa  Nossa  Natureza,  base   da   nova política nacional  de  meio  ambiente  e  de exploração    dos     recursos    naturais brasileiros, destacam-se as providências que visam organizar as atividades  extrativistas que têm levado danos às  populações  e  suas regiões, principalmente na  Amazônia  legal. Assim, em face da incontrolável expansão  da garimpagem e das responsabilidades da  União para o seu exercício, surgem os Decretos que pretendem   assegurar    os    benefícios sócio- econômicos   do   garimpeiro   e    da comunidade envolvida.

 

No caso do mercúrio,  este  metal  altamente tóxico e de uso indiscriminado no garimpo, o Decreto  97.634  (10.04.89)   estabelece   o cadastramento, pelo Instituto Brasileiro  do Meio  Ambiente,   dos   seus   importadores, produtores  e  comerciantes,  devendo   essa medida tornar-se condição necessária para  a garimpagem.

 

Em sua exposição de motivos que acompanha os 'Decretos  publicados  no  dia  10  de  abril último, o Ministto do Interior,  João  Alves Filho,  e  o  Chefe  do  Gabinete   Militar, general Rubens Bayma Denys, observam "que as atividades de exploração do subsolo não  são incompatíveis com o  conceito  de  Floresta Nacional", citando  o  exemplo  da  Floresta Nacional  do  Jamari,  em   Rondônia,   onde atualmente se explora cassiterita.  Ou seja:

a  demarcação  de  áreas  indígenas   nessas unidades de conservação não assegura  a  não exploração de minérios em  terras  indígenas tradicionais,  e,  como  se  sabe,  no  caso Yanomami elas foram retalhadas em "colônias" indígenas dentro de duas florestas nacionais e de um parque nacional.

 

Aliás, como já assinalou o antropólogo Bruce Albert no Urihi  8  (janeiro/89),  não  é outro o objetivo da "Proposta de Regulamento das Florestas Nacionais", de  julho  de  88, que foi enviada ao Ibama.

 

Embora a mineração em terras indígenas  seja considerada  inconstitucional,  apenas  duas condições  poderão   viabilizá-la:   sob   o consentimento dos próprios índios  e  sob  a aprovação do Congresso Nacional.  Assim,  em meados do mês de julho, foi criado um grupo de trabalho por iniciativa do governador  de Roraima, Romero Jucá, que está estudando  as medidas  necessárias   para   "legalizar   e ordenar" o garimpo nessas áreas.

 

Participaram dos trabalhos representantes da Funai , do Ibama, da Saden e do Departamento Nacional de  Pesquisas  Minerais  (DNPM),  à época reunidos com o ministro  das  Minas  e Energia, Vicente Fialho. Também considerou-se urgente o encaminhamento de um anteprojeto de  lei  ao  Congresso  Nacional para viabilizar tais medidas.

 

Em nova  reunião,  uma  semana  após   esse encontro, o deputado federal  Alcides  Lima, de Roraima, assumiu o encargo de  apresentar o projeto de lei  na  Comissão  de  Minas  e Energia do Congresso  Nacional.    Entre  as medidas propostas, consta a criação de áreas de  garimpagem  nas   terras   tradicionais Yanomami    demarcadas    como    Florestas Nacionais,   a    serem   exploradas    por cooperativas  de  garimpeiros.    Quanto   à situação das terras  demarcadas  como  áreas indígenas ou "colônias",  a  Funai  fará  um levantamento por cada comunidade para  saber onde os Yanomami  concordam ou  não  com  a exploração mineral.

 

Enquanto  isso,  a  Procuradoria  abriu   um inquérito civil público para  questionar  os decretos   de    demarcação    das    terras tradicionais Yanomami.  A sociedade nacional e as lideranças indígenas do  país,  cientes da dramática situação dos Yanomami, estão se organizando.



Coordenação Editorial: Alcida Rita Ramos, Bruce Albert, Jô Cardoso de Oliveira


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