BOLETIM URIHI Nº 10
SÃO PAULO, SETEMBRO DE 1989
EDITADO PELA COMISSÃO PELA CRIAÇÃO DO PARQUE YANOMAMI
(CCPY)
RUA MANOEL DE NÓBREGA 111 3º CJ.32
04001 SÃO PAULO SP
COLABORADORES DESTE NÚMERO
PLANEJAMENTO EDITORIAL E GRÁFICO - CLAUDIA ANDUJAR
TEXTO: ROMEO GRAZIANO
REVISÃO DE TEXTO: LÚCIA PRADO
ILUSTRAÇÃO: CIÇA FITTIPALDI
FOTOGRAFIAS: CLAUDIA ANDUJAR
INDICE
1. Exposição leva realidade Yanomami ao MASP
2. Verdades e mentiras no Dia do Índio
3. Davi Kopenawa Yanomami fala no Congresso
Nacional
4. A audiência concedida pelo Presidente Sarney
5. Os decretos que organizam a garimpagem
EXPOSIÇÃO LEVA REALIDADE YANOMAMI AO MASP
Como
uma forma de homenagear o líder Davi
Kopenawa Yanomami, Prêmio Global 500 da ONU de 1988, e sensibilizar a
opinião pública para a situação enfrentada pelo seu
povo, a CCPY realizou,
de 6 a 23 de abril no
Museu de Arte de são Paulo (Masp),
a exposição "Genocídio do Yanomami: Morte
do Brasil".
Ficha técnica
Exposição: "Genocídio do Yanomami: Morte o Brasil"
Organização: Comissão pela Criação do Parque Yanomami (CCPY)
Período: de 06 a 23 de abril de 1989
Local: Museu de Arte de São Paulo (Masp)
Av.Paulista
1.578, 12 andar, sala 40x15m
Instalação
-
5 painéis contendo informações
sobre a situação atual
dos yanomami; textos de Dermi Azevedo
e fotografias
de Claudia Andujar.
-
2 vitrines com espécies da cultura material yanomami.
-
Audiovisual, sistema de multivisão,
com 360 imagens a
cores sobre a vida tradicional yanomami e as consequências
do contato com o mundo
dos brancos; utilização de 4 projetores e espelhos para ambientar
a sequência de imagens, projetadas sobre 40 telas (faixas de
plástico) de 2,5 metros de altura; duração de 30
minutos. Realização
de Claudia Andujar e Marluí
Miranda, com base em projeto fotográfico
e pesquisa sonora de
campo de Claudia Andujar. Áudio a
partir de composições
de música clássica japonesa, minimalista e
gravações obtidas entre
os yanomami (rituais e discursos); entrevista
realizada com Davi Kopenawa Yanomami, flashes sobre a
sua visão de mundo gravados no programa "TV Vanguarda"
(Bandeirantes), produzido por Marcos Terena em fevereiro de
89.
Assessoria
de planejamento visual: Jeferson da Costa.
Sonoplastia: Marluí Miranda
Ambientação: Dan Fialdini
Sonorização:
Fotóptica Ltda
A
mostra destacou-se por
uma instalação de luz e som,
onde 360 imagens
da vida tradicional yanomami e do seu contato
com o mundo civilizado
desfilaram sobre 40 telas
dispostas na vertical,
ao som de
Marluí Miranda, de gravações
colhidas entre os
yanomami e de músicas
japonesa e minimalista. As imagens apresentadas foram
obtidas ao longo de vinte anos
de trabalho da
fotógrafa Claudia Andujar.
A instalação também contou
com painéis didáticos
e objetos do cotidiano yanomami, inclusive de caráter mágico- religioso.
E um libreto
prefaciado por Ailton Krenak
(UNI), com textos da antropóloga Alcida Ramos e
do jornalista Dermi Azevedo,
ofereceu ao visitante informações essenciais
para o entendimento mais amplo da questão yanomami.
Material Impresso
Cartaz,
convite e libreto de 24 paginas, prefaciado
por Ailton Krenak
(União das Nações Indígenas); apresentação da CCPY e textos da antropóloga Alcida Ramos e do
jornalista Dermi Azevedo;
fotografias (P&B) de Claudia Andujar
e planejamento visual dos arquitetos Fernando
Mascaro e Roberto Strauss.
A
exposição registrou um movimento diário de 400 a 600 pessoas,
e foi vista por cerca de
2 mil estudantes do primeiro e segundo graus de
diversas escolas
paulistas. Nos
depoimentos deixados por uma parcela
desses estudantes, cuja
idade media é
15 anos, destacam-se a preocupação com o futuro dos yanomami, a indignação
com as atitudes do
homem branco contra a sua
sobrevivência.
"Meu
nome e Ana Cristina Gavinho, sou uma estudante e estou muito sensibilizada com essa palestra.
Sou
neta de índio e minha mãe, filha de índio, casou com um Português,
meu pai, que causou uma separação muito grande
sobre os conhecimentos indígenas e a sua
verdadeira importância.
Estou
muito impressionada com esse
debate e senti
profundamente a importância do índio e quero me envolver profundamente sobre esse povo tão
rico e sábio.
Estou
triste pois meu avô já faleceu e não
pude acolher nenhuma informação sobre "o que
e ser índio", mas sinto
que por ser descendente e ter pelo menos
50% de sangue índio circulando
sobre meu ser, em
minhas veias, tenho a responsabilidade de lutar e me unir aos
meus descendentes. Através dessa palestra, tenho acolhido força e vontade
de lutar e conservar o que e nosso.
Quero
fazer comunicações. Por
favor.
Estou
muito feliz e agradeço".
Certamente,
as explicações fornecidas
por Carlo Zacquini, ao fim
de cada sessão
do audiovisual, provocaram muitas surpresas
na jovem platéia, que percebeu a
inter-relação entre a grande
ameaça aos yanomami
e os desastres ecológicos brasileiros.
Pode-se dizer que
a exposição "Planeta Terra", patrocinada pela
IBM no subsolo
do Masp, e a homenagem aos yanomami feita
pelo artista plástico e
grafiteiro Maurício Villaça, que decorou
os tapumes do
andar térreo, ofereceram uma feliz associação
com a mensagem do evento
da CCPY, montado no primeiro andar do museu.
D.O.E.; Seç. I,
São Paulo, 99 (O59), sexta feira, 31 mar. 1989
Comunicado COGSP-CEI
Os Coordenadores de Ensino da Região
Metropolitana da Gran-de São Paulo e do Interior, a Secretaria
da Educação através da Comis-são Contra Discriminação, tendo
em vista o que lhe foi representado pela Comissão pela Criação
do Parque Yanomami, (CCPY) expedem o presente comunicado divulgando
a Programação de visitas para a ex-pedição cultural sobre a
questão Yanomami, de 6 a 23 de abril, no Museu de Arte de São
Paulo.
Nesta ocasião estará sendo homenageado
O Índio Davi Copena-wa Yanomami ganhador do prêmio Global 500,
oferecido pelas Na-ções Unidas e todos aquela que se destacam
na defesa do meio am-biente. A exposição será toda audio visual
e pretende esclarecer a opi-nião pública sobre os aspectos humanitários,
ecológicos e patrimoniais que estão envolvidos nesta questão.
A Rede Estadual de Ensino poderá
organizar grupo, para visitas, no máximo de 100 alunos. A CCPY
colocará a disposição um monitor que prestará esclarecimentos.
os alunos terão um espaço reservado pa-ra a entrega de trabalhos
onde manifestarão suas opiniões sobre direitos dos Yanomami.
As escolas interessadas deverão entrar
cm contato com o Ari, da CCPY. através do telefone 284-6997,
das 8 às 12 horas, de 3ª à 6ª feira.
Comissão pela Criação
Yanomami
Rua Manoel da Nóbrega,
11, 3.cj. 32
04001 - São Paulo-
SP.
No
dia 20 de abril, a CCPY, a
Comissão Teotônio Vilela de Direitos
Humanos e a
Ordem dos Advogados do Brasil
reuniram diversas personalidades que lutam em defesa
dos direitos humanos para homenagear
Davi Kopenawa Yanomami.
No grande auditório
do Masp, Davi deixou claro que
não alimentava
ilusões do seu encontro com o presidente José Sarney,
realizado no dia anterior em
Brasília, pois estava consciente
das mentiras e enganações
que lhe dirigem
as autoridades. Mas reafirmou sua coragem e disposição para continuar na defesa do seu
povo e do meio ambiente do país.
O líder Yanomami
não tem motivos para acreditar nas promessas
do presidente
de retirada dos garimpeiros de Roraima. Portanto,
voltou à carga com as denúncias de violações
em território Yanomami,
sob o apoio de algumas
lideranças indígenas presentes àquela solenidade, como MacSoara
Cadiwel (do Mato Grosso do
Sul), Ailton Krenak (da união das Nações Indígenas),
e Marcos Terena (piloto
da Funai), todos
ligados à União das Nações
Indígenas. Na
ocasião, o senador Severo Gomes reafirmou
a decisão do movimento
Ação pela Cidadania,
criado no início do ano em São Paulo, de dar prioridade à situação
dos yanomami.
O
empenho de várias entidades, a corajosa
adesão do Masp e o
apoio dos meios
de comunicação favoreceram a boa repercussão da mostra
"Genocídio do Yanomami:
Morte do Brasil". Deve-se destacar também que, pela primeira vez nos seus onze
anos de existência, a CCPY recebeu apoio de empresas
brasileiras numa iniciativa em defesa
do povo yanomami
COLABORADORES
- Entidades: Ação pela Cidadania, Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB), Centro
Ecumênico de Documentação e Informação
(CEDI), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Comissão
Pró- Índio de
São Paulo (CPI/SP),
Centro de Trabalho
Indigenista (CTI), Comissão Teotônio Vilela de Direitos
Humanos e Museu de Arte de
São Paulo (MASP).
- Na realização da exposição: Ailton Krenak (coordenador
da União das Nações Indígenas - UNI); Abel de Barros Lima
e Carlos Alberto Ricardo, no planejamento; Alcida Ramos e Bruce Albert
(antropólogos); Ari Osvaldo de Andrade, Daniela Hart e
Lúcia Prado, na divulgação;
Carlo Zacquini,
na informação e comunicação; Claudete Nanni, na secretaria;
Pan Fialdini (Departamento de Exposições
do MASP); Dermi
Azevedo, na redação; Fernando Mascaro e Roberto Strauss, no
planejamento visual do catalogo, cartaz,
convite e painéis;
Jeferson da Costa; Marlui Miranda, na sonoplastia, e Rose Stoianov,
na montagem de painéis.
Claudia Andujar coordenou os trabalhos
e realizou o audiovisual
VERDADES
E MENTIRAS NO DIA DO ÍNDIO
Se
o Dia do Índio deste ano beneficiou-se
com a premiação
e o reconhecimento internacional de Davi Kopenawa Yanomami, por outro
lado também não deixou de trazer
a tona a conhecida
política indigenista de inspiração militar. Basta dizer
que, na mesma hora em que Davi recebia as homenagens
do Congresso Nacional,
o ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves, de um auditório bem próximo dali,
dirigia críticas ao líder yanomami, dizendo que "ele
está é fazendo charminho". A deputada Moema São Thiago (PSDB-CE), que abriu
a sessão conjunta da Câmara e Senado, lamentou
a "coincidência" entre os
pronunciamentos, reconhecendo que a Casa e a imprensa
estavam divididas.
O ministro
do Exército participava
de um seminário sobre a
Amazônia no auditório
Nereu Ramos, da Câmara, e suas
bombásticas declarações garantiram as manchetes
do dia seguinte de muitos jornais. "No
Brasil existem 30 mil índios
ainda selvagens: os demais usam jeans, aparelhos Panasonic
e são atores", assegurou o
general, para depois chamar a atenção dos repórteres
para a realidade
imposta pelos garimpeiros em Roraima. "É impossível", respondeu o ministro à
sua própria pergunta sobre como tirar 40 mil pessoas de um lugar, citando
a posição favorável da sociedade
de Roraima aos benefícios
decorrentes da atividade.
Ainda
durante a entrevista coletiva que
foi concedida depois de sua
palestra, Leônidas Gonçalves tentou justificar a integração
dos índios à sociedade
alegando que eles enfrentam uma vida difícil na mata, e
seria uma "impiedade" confiná-los em reservas.
"A vida deles não
é respeitável", resumiu
o ministro.
Entretanto, a intenção
manifestada pelo presidente José Sarney na audiência
concedida a Davi Kopenawa
e MacSoara Cadiwel, na tarde daquele mesmo dia,
foi bem outra. O presidente prometera
retirar os garimpeiros
de Roraima "em 30 ou 40 dias", inclusive com o Exército do general
e mais a Polícia Federal. No
outro dia, já em São Paulo para participar
da homenagem realizada no MASP,
Davi usava a
sua tradicional franqueza para expressar
o que pensa
do presidente: "ele é mentiroso".
“TROCANDO
A CARIDADE DO BRANCO POR JUSTIÇA”
O senador
Severo Gomes (PMDB-SP) falou em
nome do Senado Federal na Sessão Especial do Congresso, onde,
além dos poucos parlamentares, compareceram D. Erwin, presidente
do CIMI, Ailton Krenak, da UNI, Claudia Andujar, da CCPY, e representantes
das comunidades indígenas kamaiurá, terena, krenak, Cadiwel e Pancararô. Seu pronunciamento fez uma rápida retrospectiva da história do contato do povo yanomami com a sociedade brasileira, bem como do processo
de demarcação de suas terras,
que culmina com a atual mobilização
pela anulação da Portaria Interministerial nº 250 (18/11/88),
responsável pelo estabelecimento do “arquipélago yanomami"
Severo
Gomes lembrou que o Poder Executivo não ignora a grave ameaça que hoje
ronda a sobrevivência dos yanomami, pois o Ministério da Justiça, em janeiro
deste ano, enviou uma comissão a Roraima que constatou inúmeras irregularidades na área, de acordo com o relatório enviado aos
ministros da Aeronáutica, do Interior, das Minas
e Energia e do Gabinete Militar.
O senador destacou que a destruição
da cultura indígena não lhe parece algo inevitável,
e que a nossa civilização está mudando
o seu conceito
de desenvolvimento com consequências desastrosas para a sociedade
e o meio ambiente.
"Ao
lutar pela sobrevivência de seu povo,
e pela preservação do ambiente
em que vive,
Davi Yanomami se iguala
em humanismo às maiores figuras de todo o mundo, e disso é
prova o reconhecimento internacional. Para nós, constitui motivo de orgulho fato de que um índio - também
ameaçado de morte -
assume a liderança desse combate, trocando a caridade do branco
pela exigência
de justiça. Por
isso eu o saúdo, Davi, e por isso o povo brasileiro jamais o esquecera”, concluiu Severo Gomes.
DAVI KOPENAWA FALA NO CONGRESSO NACIONAL

Rosto pintado de
vermelho e adorno
na cabeça, sinal
de festa, Davi Yanomami deu
a sua mensagem na tribuna da Câmara, no Dia do Índio. Seus pedidos de ajuda
não se restringiram apenas ao seu povo, e o
alerta contido em suas palavras antecipa
o futuro desastroso que pode estar aguardando o país. Ao mesmo tempo,
a luta contra a descrença -
vocês falam hoje, amanhã vocês esquecem
- numa ajuda efetiva é a própria angústia pela falta
de espaço neste mundo civilizado, mas
não ao ponto de
compreender as verdades
simples que até há pouco tempo permitiram a sobrevivência da sua gente. Seu pronunciamento
é transcrito a seguir:
"Bom
dia, presidente, bom
dia deputados e senadores,
todos os meus amigos que estão aqui presentes, todas
as comunidades e meus
parentes que estão aqui comigo para escutarem
o que vou dizer, minha mensagem
para vocês, brancos, hoje, no Dia do
Índio. Vou
contar a situação dos Yanomami em Roraima, Amazonas.
A situação
dos Yanomami é problema sério.
Nossa área está toda invadida pelos brancos, os garimpeiros. Nós pedimos ajuda a
vocês, e vocês estão a favor do índio. Vocês querem ajudar mesmo o índio do Brasil? Quero que vocês ajudem mesmo. Só a promessa
não ajuda, tem que ajudar para resolver nosso problema,
a nossa terra. Todos os índios do Brasil estão sofrendo. Ate os brancos
estão sofrendo também Nosso
Governo brasileiro federal
tem que escutar,
tem que olhar para a gente.
Nós pedimos socorro, mas não estão olhando. Nosso
Índio quer a sua terra. O branco
tem que respeitar a terra do índio.
Por
muitos anos os índios reclamam aqui, em
Brasília, pedindo ajuda e pedindo a terra demarcada.
Mas hoje os meus parentes,
os índios do Brasil inteiro, estão sofrendo.
Precisamos da ajuda
de vocês. É por isso que estou aqui para falar com vocês
e contar a historia
e a verdade que está acontecendo lá.
Porque sou de
lá, moro na minha aldeia, porque ela e minha
e não posso esquecer
o lugar onde nasci. Lá é meu lugar. Estou aqui para defender o meu povo Yanomami, defender o povo brasileiro,
o índio do
Brasil inteiro. Na minha área, o rio está poluído. Outras pessoas
não acreditam no que o índio fala.
O índio fala a
verdade, porque está
vendo lá, porque está sofrendo lá.
o índio vê que o
branco está fazendo mal
para a gente,
destruindo o rio
e a área, desmatando nossa
floresta, matando nossa caça
e matando nosso
peixe.
"Então,
sempre vocês falam que estão a favor do índio,
quero que vocês
resolvam, que o Governo brasileiro resolva o nosso problema.
Agora, precisa resolver o nosso
problema, demarcar a
terra do índio Yanomami, porque estamos pedindo socorro.
Índio não quer
que acabe a nossa reserva.
Índio quer a terra dele,
porque e dele, por9ue ele usa a terra para
fazer roçado, plantar para fazer alimentação. Índio nunca pediu alimentação aos brancos.
“É por isso que quero proteger, quero lutar
ate o fim,
quero preservar a minha - terra, preservar a floresta,
a mata e a
selva. Não quero abrir mão pra ninguém, pros brancos,
porque o Brasil
é grande, o Brasil e grande mesmo.
"Por
que o Governo não deixa a terra para o índio?
Já chega de tomar a nossa terra. Índio tem direito de viver li na aldeia, lá onde ele está. Nós respeitamos vocês, e
o branco que nos respeite, respeite a terra. Isso á que o índio quer. Índio não
quer que todo mundo morra, não.
O meu pensamento á diferente do de vocês. Não estou pensando o
pensamento de vocês.
Meu pensamento, meu trabalho e diferente.
Continuo na luta
pelos Índios do Brasil.
Nossos irmãos outros
estão sofrendo e
vão sofrer mais ainda. O problema do Brasil está crescendo, porque
o Governo não faz nada. Ele não pensa, ele não pensa
no futuro. Tem que pensar no neto, no filho.
Não e pensar nele, não. Tem
que pensar no mundo inteiro.
O meu trabalho não e
só para mim. Meu trabalho á para todos
os índios do
Brasil. Não estou
trabalhando para resolver problemas meus. Quero resolver todos os problemas dos índios
no Brasil. Também desde
pequenininho conheci a Funai.
A Funai não quer deixar a terra grande, quer
deixar um pedacinho, como chiqueiro de galinha.
Nós, índios, não precisamos só de um pedacinho de terra,
não. Precisamos
de terra grande,
porque nós temos casa muito longe, andamos 10, 20, 30 Km.
Por isso queremos a terra grande.
Por isso sempre reclamamos, sempre falamos, pedimos.
"Agora,
lá onde moro, na terra dos Yanomami, o Calha Norte dividiu a
nossa área. Ficou muito difícil. Agora, para
demarcar área pequena sou contra, porque daqui para
frente, daqui a 10, 20 anos, vão chegar muitos brancos: os garimpeiros,
os madeireiros, os fazendeiros vão chegar lá também. Antes de chegar o branco,
tem que resolver demarcar área única, grande.
Isso é o que o Yanomami quer.
Yanomami não quer pedacinho de ilha, não.
Porque aquilo é
dele. Há muitos anos o nosso lugar é lá, para viver.
Índio tem direito de viver lá. Índio
nunca saiu para outro canto, Índio
nunca vendeu a terra para os brancos. Isso que quero dizer para vocês escutarem. Essa é minha palavra verdadeira, porque estou
vendo lá os meus parentes sofrendo de doença, porque estragaram
o rio. Já estragaram três rios grandes (Urariquera,
Mucajaí e Catrimami). Está morrendo. Está morrendo
peixe. E chegando cada
vez mais garimpeiros. Saem
uns e chegam outros. A outra cidade está ficando
vazia porque está todo mundo indo
para lá, Boa Vista. Isso que Índio conta e a verdade,
porque esta vendo
lá. Não estou falando mentira. E também respeitamos, queremos respeitar
os garimpeiros. O garimpeiro,
não quero que mate mais os
meus parentes. Isso eu não
quero, porque, se nós
Índios matamos branco, vocês não acham bom. Então, quero que o Governo retire garimpeiros da área, porque não quero
deixar morrer todos os meus
parentes. Quero salvar
os meus parentes que estão morrendo.
Onde não tem Funai, onde não
anda o doutor- médico, estão morrendo.
Agora, vocês estão aqui, não olham, não estão exergando daqui
para lá. Vocês falam
em ajudar. Tem que ajudar mesmo. Vocês falam
hoje, amanha vocês esquecem.
Isso Índio não quer. índio quer
ajuda mesmo, para resolver nosso problema.
"Essa
é a minha palavra para vocês.
Isso que á palavra. Tenho que falar. Então,
meus parentes estão escutando aqui.
Todo Índio esta sofrendo.
Até os brancos também estão sofrendo.
Os pobres do branco sofrem igual a nós. Eles não tem terra. Eles não
tem prédio. Então, os
brancos, o Índio, todo
mundo vai morrer. Também o branco vai morrer, vai sofrer.
O Governo diz que
vai melhorar o Brasil. Não está melhorando nada, está piorando.
"Então,
isso é que eu queria dizer para vocês.
E também uma outra coisa: eu ganhei um prêmio, porque
o pessoal de fora conhece o meu trabalho, conhece o meu nome.
O meu nome e reconhecido
no mundo inteiro, porque eu luto.
E não estou
lutando, assim, atoa.
Estou lutando por um direito meu, para defender o meu povo,
a minha terra, todas as caças, os rios, os
igarapés, as montanhas, os lagos e, também, os irmãos dos
brancos, os Índios.
Para proteger as florestas, para não acabar, para
não perder. Isso para mim é muito importante. Para nós,
tudo é importante. O branco diz que
é brasileiro; eu também
sou brasileiro, o verdadeiro brasileiro.
Os meus parentes
andavam nus primitivamente. Eu não quero que acabem com a
nossa cultura também.
"O
homem branco quer acabar com a nossa cultura.
Não quero que acabem com a nossa cultura, quero que continuem
nossos costumes, para a sobrevivência das nossas
aldeias. Quero que
elas continuem. Nós temos de segurar isso para não
acabar a nossa
cultura. Homem branco
quer que a gente vire branco.
Não queremos virar branco.
Estou vestido porque se entrasse nu vocês não iriam gostar.
Por isso estou aqui vestido.
Na minha aldeia não
ando vestido, ando nu. Estou falando a verdade. Se entrasse
nuzinho, sem roupa, vocês não iriam gostar. Por isso estou aqui vestido, para participar da reunião. Vocês me convidaram, me chamaram e,
por isso, estou com minha cara
pintada. Meus parentes todos,
minha família toda é primitiva, não sabem falar português. Sou uma pessoa que fala, porque luto para defender meu povo Yanomami
e todos os indígenas do Brasil.
"Quero
dizer, também, que nosso Governo Federal pensa
que, se ganharmos a terra grande, vamos fazer outro
país. Não. Está enganado.
Para nos não existe isso -
fazer outra cidade, não. Para nós, é muito importante o mato, para
usar a fruta, matar uma
caça; uma anta, urna queixada, pescar um peixe.
Isso, para nós, é
que é muito importante. Sem
terra não há vida. Tem que
ter a terra para índio viver. Isso, para mim, é que é importante, não é só
para índio, mas para o
branco também.
Lá na tribo Xi-dea-théri, também Yanomami, e Parahuri e Amin Coabu-théri, lá onde não tem o médico, os Índios estão morrendo.
"Por
isso, estou aqui para contar a história.
Estou muito triste, porque meus parentes estão morrendo. O Governo
tem que fazer alguma coisa. Tem que retirar os garimpeiros, urgentemente. o que os brancos querem é invadir toda a nossa área. Queremos viver em paz, sem problemas. Nunca existiu esse problema, mas agora
aumentou o número de brancos, chegou muita gente de fora. Também o homem rico esta mandando invadir
a nossa área indígena. O
homem rico não trabalha, só manda.
O branco pobre também está
sofrendo lá, trabalhando para o rico.
Os brancos pobres
não vão ficar ricos nunca. Agora quem está ficando mais rico é aquele que está mandando. Esses é que estão numa boa. Agora,
aqueles que estão trabalhando para o rico, garimpando,
tirando o ouro, e que estão sofrendo de malária, de fome, para enriquecer
ainda mais o homem rico.
"Estas
são as minhas palavras. Gostaríamos
muito da ajuda
de todos vocês. Estou pedindo que não esqueçam de nós, fiquem
sempre do nosso lado, estou pedindo ao Governo que faça alguma
coisa para nos ajudar.
"Em
Boa Vista, os brancos estão morrendo também, porque os ladrões
daqui estão indo para lá. Meus parentes, outros índios, nunca
viram um branco. A aldeia
que nunca viu branco vai sofrer.
Por isso estamos pedindo para demarcar a área do índio.
"É
muito difícil para mim falar o
português. Penso que estão
entendendo mal. Se vocês
estiverem entendendo mal, falem
para mim. Quando a gente fala muito atrapalha.
"Muito obrigado."
A AUDIÊNCIA
CONCEDIDA PELO PRESIDENTE SARNEY
Davi Yanomami e
MacSoara Cadiwel foram
recebidos pelo presidente José
Sarney, no Palácio do Planalto, na tarde do dia 19 de
abril. Participaram
da audiência o general
Bayma Denys, Chefe do Gabinete Militar e Íris Pedro de Oliveira, presidente da Funai.
Embora o general Bayma
Denys tivesse afirmado, horas antes, que é
impossível retirar os garimpeiros
do território yanomami, nesse encontro ele garantiu
aos índios que a medida seria
executada num trabalho conjunto entre o Exército
e a Polícia Federal, e mais o auxílio financeiro
de NCz$ 57 milhões. O
presidente Sarney comparou
a situação do Brasil com um barco no mar, onde todos estão lutando
por ele e
sendo jogados ao ritmo das
águas do mesmo
jeito, branco, negro, amarelo ou índio.
Davi
Yanomami pôs o presidente
a par da alarmante situação criada pelos garimpeiros e se queixou do tamanho
da área que
foi demarcada. E o presidente da Funai tentou evitar que a
imprensa entrevistasse os índios à saída da audiência.
Abaixo, damos os
principais trechos do
diálogo mantido naquela reunião.
Presidente Sarney: Desde 1910 ate 1984, nós
já chegamos a (demarcar) 34
milhões de hectares, o que significa três vezes mais do que
toda a história do Brasil.
E com as terras que estão
em estudo na base de demarcação, são mais 46.
Isso significa que nas vamos chegar, hoje, a cerca de
10% do
território nacional como
reservas indígenas, com uma população de 200 mil indígenas,
o que significa 1/10 do território brasileiro
para 200 mil indígenas e quase 400 hectares para cada Índio. Esse é um trabalho que mostra o quanto o governo
se dedicou a esse trabalho de demarcação, fazer três vezes mais
que em toda a história do Brasil.
Íris de Oliveira: Agora, ninguém como ele (o índio) sabe
conservar o meio ambiente, não é, Presidente?
Presidente
Sarney: Ah, sim. Agora,
e preciso cuidado com nossas arvores As madeireiras,
querendo comprar, cortar árvores,
pegar madeira nobre, muitas vezes envolvem as comunidades
indígenas.
Íris de Oliveira:
Outra grande preocupação
hoje deles, já manifestada é o problema dos
garimpeiros, principalmente em relação a área Yanomami.
Presidente Sarney: Nós já tiramos eles uma vez de lá, do
Pico da Neblina (área Yanomami no Estado do Amazonas).
General
Bayma Denys: Tiramos uma vez lá de Surucucus (1985). Eles voltaram, agora eles estão em grande numero e o Davi Yanomami tá
me avisando que não adianta chuva não, eles vão continuar lá.
Davi
Yanomami: Eles não tem medo de chuva, não tem medo de doença,
trabalha como queixada. Eles
são como queixada, não vão sair não. No tempo de chuva, quando
encher rio, eles vão
encher balsa. Porque eles tem avião para levar maquinário,
levar balsa.
Presidente Sarney: Lá nessa área?
Davi
Yanomami: Nessa área do Yanomami.
Ao redor do Surucucu
está cheio de garimpeiros.
No rio Urariquera tem trezentas balsas,
no Catrimani está cheio de balsas também.
Eles não tem
medo da chuva, é como queixada, fuçando, fazendo
buraco e sujando o rio, tudo isso tá acontecendo. Vocês daqui, sentado aqui só escuta
alguém que conta pra vocês, vocês acreditam; eu tá lá vendo,
eu sou de lá, eu conto a verdade, não to mentindo aqui,
eu não venho pra mentir
aqui não, eu venho pra contar
o que tá
acontecendo mesmo. Na área Yanomami, a situação é problema sério
mesmo, e por isso estou muito triste
Presidente
Sarney: Essa invasão e recente?
General Bayma Denys: Essa já está há mais de dois amos.
Davi Yanomami: Vocês tiraram(os garimpeiros) no Surucucu (1985)
mas não tirou do Paapiú, no Rio Uaicá e Ericó.
Presidente Sarney: Aquela área toda tem ouro, naqueles rios
todos?
Não identificado: E hoje acho que já são uns 500 mil garimpeiros, na Amazônia toda.
General
Bayma Denys: Eu acho que mio chega
a ser tanto, sempre aumentam um
pouco. Assim como eles
dizem 400 mil, eles dizem
um milhão.
Íris
de Oliveira: Mas o que o Davi talvez mio
tenha compreendido
bem em relaçao ao problema da chuva é que todo o esforço que vai ser feito pelo governo
no sentido de retirar os garimpeiros
será feito no período da chuva, porque pelo menos
alguns deles devem sair no período das chuvas. Fica mais difícil ficar lá no período da chuva,
de modo que n6s vamos aproveitar
o período da
chuva porque a forma de abastecimento e suprimento é
mais difícil,
mio tem jeito de levar mantimento, não
tem jeito de levar comida,
entendeu, e alguns deles vão sair na época da chuva, concorda?
Davi Yanomami: Eu não acredito muito.
Íris
de Oliveira: O importante é
você saber que eles
vão ser retirados essa decisão já esta tomada,
não é ministro? Ainda hoje o ministro do Interior disse
isso, inclusive lá no próprio Senado.
Presidente Sarney: E ficam poluindo o rio, não é, com mercúrio...
Davi
Yanomami: E, ficam poluindo o rio
com mercúrio. Agora o
peixe tá morrendo. O
rio e grande, tá sujo, onde é
que o índio vai tomar água, pra beber?
Eles não, eles tem, os garimpeiros tem dinheiro para
pedir água mineral; agora, mês índios
não, nos índios usamos o rio lá, se beber aquela
água suja morre
todo mundo.
Presidente Sarney: Você
mora em que área, Davi?
Davi Yanomami:
No Km 211 (da rodovia Perimetral
Norte, desativada), no Demini.
Íris de Oliveira: Mas ele não nasceu lá no Demini, não é,
Davi?
Davi Yanomami: Não, mas é perto.
Íris de Oliveira: Você nasceu perto. Qual é
a área que você nasceu? Como é que chama lá?
Davi Yanomami: Toototobi. Mas tem que olhar todas as comunidades,
não e só pra me cuidar não, tem que olhar cada comunidade.
Íris de Oliveira: Tá certo.
Presidente Sarney: Porque o Yanomami tem várias
áreas, não é?
Cada naçãozinha, quanto é que tem?
Íris
de Oliveira: Isso varia, aliás,
se o Sr. tiver interesse nos dados, tenho até um mapa aqui com
as áreas todas....,
posso até apanhar
para mostrar ao senhor. Mas
é surpreendente que não e só
em relação ao Yanomami. No Parque do Xingu, aparentemente,
nós temos urna unidade; os índios do Xingu, não existe
nenhuma unidade. Para o senhor ter uma idéia, aqui em Brasília
nós temos uma
casa transitória, onde nos acolhemos
os Índios em
tratamento, em trânsito por Brasília. Pois bem,
o índio Tchucarramáe não se hospeda na mesma
casa em que
se hospeda o Xavante, ou
o Yawalapiti.
Presidente Sarney: Nações diferentes, não é?
Íris de Oliveira: Completamente diferentes. Então, no Xingu, nós temos aldeamentos..
Presidente Sarney: Mas o Yanomami tem uma língua só, não
é?
Davi Yanomami: Tem quatro línguas. Eu falo todas elas.
Íris
de Oliveira: E por outro lado,
mesmo quando a língua
tem afinidade de língua, de hábitos culturais não tem.
Então no caso
do Xingu, nós vamos encontrar índios com a mesma língua,
mas com hábitos culturais diferentes. Então, no caso que ele citou, o
Yawalapiti. Não convive com o
Tchucarramãe de jeito
nenhum, convive pressionado pelos Tchucarramãe.
No alto Rio Negro, nós temos o caso
dos lupas com os Macus, do lado de lã do rio, que não aceitam
sequer que atravessem o rio.
Consideram aqueles índios
uma casta inferior aos
Macus, e não
deixam sequer que
eles atravessem o rio. Então, é
impressionante, e dai
porque a conveniência inclusive de se demarcar...
General
Bayma Denys: A demarcação vai
evitar conflitos futuros, porque as tribos são separadas. Nós percorremos essas áreas
todas, com o grupo de trabalho para
fazer a demarcação, com helicóptero, durante três ou quatro meses.
Cada família, grupo, tribo vive separadamente, e esse é que
é o problema. Futuramente, vai dar briga, daqui uns vinte anos.
Não identificado: O Yanomami muda muito?
Davi
Yanomami: Sim, muda sim. Usa
uma área de 10, 20 Km, rodando, mudando. A gente deixa
a capoeira crescer de novo, aí volta de novo; a turma chama
de nomadia.
General
Bayma Denys: Mas isso e que foi observado. Nas área que foram
demarcadas, as dezenove, foi considerada a perambulação, por
causa do tempo, durante 20, 30, 50 anos.
Davi Yanomami: Eu tô preocupado aqui. Tem um meio, fizeram
duas florestas.
General Bayma Denys: Pois é, mas a floresta é para proteger...
Davi
Yanomami: Não, isso aí não tá garantido não. A nossa mesmo,
área Yanomami, é pequenininha. Mas no meio, cheio de buraco,
daqui 10 anos, 20 anos, garimpeiros vai ocupar tudo, os garimpeiros
vão, como é que se diz...
Presidente Sarney: Depredar.
Davi
Yanomami: Sim, vão ocupar pra fazer casa, pista. Aí nós fica
preso, não anda mais pra lá, pra ali, eles vão proibir andar,
atravessar numa área dos brancos, proibir pescar, proibir caçar,
proibir tirar palha, proibir tirar madeira, isso que vai acontecer.
General
Bayma Denys: Mas a floresta nacional é para evitar a entrada,
a floresta nacional é só para índio...
Davi
Yanomami: Não, isso é só nome. Só ficou nome dos índios. Diz
que essa terra é do Yanomami, só ficou nome.
General Bayma Denys: Não, não é verdade.
Davi Yanomami: Tem que tirar mesmo, presidente. Eu tô muito
preocupado.
Presidente Sarney: Quando é que nós vamos começar a tirar
essa gente de lá ?
General
Bayma Denys: Presidente, tirar depende, vai depender de pelo
menos NCz$ 57 milhões em 2, 3 meses para o Exército
se equipar, se movimentar.
Presidente Sarney: Ah então vamos
fazer isso imediatamente, vamos tirar essa gente de lá.
General Bayma Denys: Tem que mandar
mensagem para o Congresso,
pedindo orçamento, tem que fazer uma coisa importante.
Presidente Sarney: Vamos começar
logo esse plano, a executar, para tirar esse pessoal de lá.
General Bayma Denys: E um símbolo
(a área Yanomami).
Iris de Oliveira: E o aspecto de
poluição, eu estive lá...
Presidente Sarney: Deve ser uma coisa
terrível.
Íris de Oliveira: E lama pura, imagine
o senhor, 30 ou
40 mil garimpeiros cavando e lavando ouro...
General Bayma Denys:
Muitos sustentados por grandes
grupos econômicos. Não é mais o garimpeiro romântico,
o original...
Íris
de Oliveira: São empresas é que financiam hoje
o garimpeiro
para instalar.
O custo e tão
elevado que um
garimpeiro, individualmente, não tem condições de estar
lá; tem empresas
por trás disso.
General
Bayma Denys: E o senhor vai ver,
só pra tirar
esses garimpeiros, dependendo de mensagem ao Congresso
pedindo recursos, para as Forças Armadas e a
Policia Federal se movimentar, vai mostrar o que e o garimpeiro, a força
que eles tem de predação.
Íris
de Oliveira: Na área de Couto de
Magalhães (Paapiú),
eu estive em Boa Vista há um mês, havia sido realizada
uma transação de venda de um garimpo por 500 milhões
de cruzados. Dentro da
área indígena.
Davi Yanomami: Dentro da área indígena,
dentro da floresta nacional.
Então,
assim, tá como lá, vem (todo) dia outro
garimpeiro lá no São Gabriel da Cachoeira equipado,
comendo (a área Yanomami)
devagar.
Não identificado: Tem (garimpeiro)
em São Gabriel?
Davi
Yanomami: Tem. Até na
fronteira, essa gente tá comendo tudo, como a queixada, hoje
tira aqui, acaba de tirar daqui faz
outro buraco, outro
e outro, é assim.
General Bayma Denys: Davi, você está
garimpando também?
Davi Yanomami: Não, eu não garimpo.
General Bayma Denys: Mas não tem
gente da sua área garimpando?
Davi Yanomami: Não. Eu tenho medo de ouro. O preço desse medo é nos estar aqui. O senhor
tem medo de urucu?
Presidente Sarney: Eu? Não!
Davi Yanomami: O sr. tem medo de
nos, índios?
Presidente Sarney: Não.
Davi
Yanomami: Eu tenho medo de ouro, se eu pego
ouro, a minha força
(espírito) vai ser prejudicada;
eu não quero
ser prejudicado, cavar buraco como tatu.
Íris
de Oliveira: Isso é o aspecto do
apoio da área de
saúde. Aliás, o ministro já até me solicitou e já passei
ás mãos dele um plano
de saúde para as áreas indígenas, um plano de educação para as áreas indígenas. Sem o concurso desses dois ministérios, por certo nos não vamos conseguir emprestar o nível
de atendimento necessário a essa comunidade e
a tendência é cair.
Presidente Sarney: E o
exército?
General Bayma Denys: Estou
falando dessa parte essencial.
Presidente Sarney: Nós
vamos ver se a gente tira esses
homens de lá,
tá vendo, Davi. Tem
que tirar.
Não identificado: Já pedi
oficialmente.
Davi Yanomami: Vocês estão prometendo
tirar esses garimpeiros, tem que tirar mesmo.
Presidente Sarney: Mas nós já tiramos
urna parte de
lá; eles voltaram.
General
Bayma Denys: Eles voltaram em 88.
Em 87, nós tiramos lá do Paapiú, depois eles voltaram, ai eles
ficaram. Já estão há quase um ano lá.
Davi Yanomami: Lã no Paapiú já é (a ocupação)
grande, eles
tão fazendo vila.
General Bayma Denys: Do Pico da Neblina já saíram.
Davi Yanomami: Mas sai e volta.
Íris de Oliveira: Davi, o importante aí é a decisão
do presidente que tá
mandando tirar os garimpeiros.
Presidente Sarney: Não, isso já é uma decisão há muito
tempo. Nós já temos
tirado, é que eles voltam, é como queixada.
Davi Yanomami: É como cupim: você joga água, espanta,
mas eles voltam de novo.
General
Bayma Denys: Davi não
é o tamanho da área que vai impedir o garimpeiro de voltar.
a persistência em nós resolvermos
o problema da queixada, terminar com as queixadas.
Davi
Yanomami: Tem que terminar com as
queixadas, porque eu tô
muito preocupado com os meus
parentes Yanomami, onde não tem FUNAI, onde não tem pista, onde não anda medico
da FUNAI, tão
morrendo. Onde tem posto da FUNAI, como Surucucu,
Catrimani, Demini, Mucajaí e Uaicás tem controle.
Mas onde não tem FUNAI, não tem nada, eles
tão morrendo,
porque falta remédio.
O garimpeiro não trata eles.
General Bayma Denys: Outro ponto que tem que ter
apoio é do
Ministério da Saúde, da CEME, pra dar medicamentos para eles.
Presidente Sarney: Essa
entrada de garimpeiros
deve levar doenças...
Davi
Yanomami: Demais. Gripe,
disenteria, fome, sarampo, catapora tão aparecendo lá
e outras doenças de pessoal de fora que
chega lá.
Íris de Oliveira: Tem que coordenar aqui no Gabinete.
Eu fiquei muito
feliz ontem, numa conversa com o Davi...
Davi Yanomami: Tem outra doença também, como chama, que é
muito perigosa
Presidente Sarney: Lepra? É doença de pele?
General Bayma Denys: Tuberculose?
Íris de Oliveira: Ele tá querendo
dizer doença venérea.
Davi Yanomami: Tem outro nome.
Não identificado: Doença de mulher?
Davi Yanomami: Sim.
Presidente Sarney: Gonorréia?
Davi Yanomami: Não, eu conheço, mas
tem outra.. .AIDS. Já tem lá no Paapiú, lá em Boa Vista também. Isto vamos sofrer todo mundo, não só o índio
não, até os brancos vão sofrer muito. Agora
estão morrendo muitos brancos lá e essa cidade vai ter
ladrão, matança.
General Bayma Denys: Em Boa Vista.
Íris
de Oliveira: Presidente, um aspecto que eu queria ressaltar, que o Davi colocou e que para nós é importante
é que as vezes tentam explorar
a condição de índio e ontem ele me disse, na minha sala, numa
conversa, que mais que índio ele é brasileiro, me disse ontem
textualmente: sou brasileiro, dai porque
meu desejo de falar com o Presidente, de eu ter pleiteado
esse encontro com o senhor. Outra coisa que ele
me falou que também me
surpreendeu, presidente, é de que na verdade...
Presidente Sarney: Nós todos somos
índios, aquele ali é neto de
índio, minha bisavó era índia, a velha Teresa, casada com o velho
Davi
Yanomami: Vocês são índios, agora virou branco, aí esqueceu parentes de
vocês. São neto do índio
mas virou branco, virou rico e não quer mais olhar para pobre...
Presidente
Sarney: Tá todo mundo aqui, rapaz, a gente tá no mesmo barco, nós todos estamos aqui nesse Brasil, lutando por ele.
Isso aqui é um navio, nós estamos todos embarcados nele,
ninguém pode desembarcar, todo mundo tá aqui dentro.
Para o lado
que ele jogar, joga branco, joga preto, joga
índio, joga amarelo, joga todo
mundo. Você não sabe
que quando esta dentro de um navio,
no mar... Você já andou no mar? Já andou
em canoa? Pode
ser cacique, índio, mulher que ela joga com tudo.
Assim é aqui.
General Bayma Denys: Vocês
gostariam de aprender..
Presidente Sarney: Você
estudou aonde?
General Bayma Denys: Seu pessoal está recebendo
informação para
plantar?
Davi Yanomami: Não.
General Bayma Denys: Gostaria de receber?
Davi Yanomami: Não. Eu
gostaria de receber a área
demarcada, a primeira coisa e resolver nosso problema,
a área dos Yanomami.
Íris de Oliveira: Quer que tire os garimpeiros?
Davi Yanomami: Retirada
dos garimpeiros, ai eu ficava muito satisfeito !
Íris de Oliveira: O Presidente quer saber onde você estudou,
Davi.
Davi
Yanomami: Lá no Toototobi
mesmo, com os missionários. Esse missionário das Novas Tribos
ensinou a nossa língua,
não o português..
Presidente Sarney: Trata-se de um grupo linguístico
que estuda línguas
estranhas...
Davi
Yanomami: A MEVA também ensinou. O padre.
Agora a FUNAI,
falo também da FUNAI, porque eu meto o pau nela,
porque ela não faz bom trabalho. Eu tô com doze anos na
FUNAI, e não bota escola para índio Yanomami estudar... A FUNAI também tem culpa.
Íris
de Oliveira: Mas o que eu estava dizendo ao
Presidente é que nós temos, na verdade, que levar o Ministério
da Educação para nos ajudar, as secretarias estaduais, a prefeitura
municipal. E o que eu
tenho dito ai. E preciso
que o Estado
também nos ajude a
colocar escolas, e o município também nos ajude a colocar escolas.
E preciso partilhar
essas responsabilidades com todo mundo, conveniar
com todo mundo, e é isso que nós estamos fazendo agora.
General Bayma Denys: Especialmente na linha dos
ministérios, o
Presidente já deu essa ordem.
O Ministério da Saúde, da Educação.
Presidente Sarney: Muito bem. Foi um prazer, um abraço para você, felicidades.
Davi Yanomami: Também. Isso
aqui é para entregar. O
senhor já recebeu esse documento?
Presidente Sarney: Não, esse veio para o Ministério da Justiça,
não foi pra mim, não.
Davi
Yanomami: Então esse aqui e pra
responder para os nossos parentes lá, os Tikuna, que foi
morto 14 índios.
Eles tão querendo resposta.
MacSoara Cadiwel: Presidente, ele
está pedindo se o senhor pode fazer uma próxima audiência.
Presidente Sarney: Posso, como não?
OS DECRETOS QUE ORGANIZAM A
GARIMPAGEM
O Decreto
nº 97.627 de 10.04.89 criou uma
comissão Especial para estudar
o apoio à
organização e desenvolvimento
da atividade
garimpeira sob a forma associativa,
devendo apresentar suas propostas
dentro de 180 dias, a partir daquela data. Integram
os trabalhos dessa Comissão, além do
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente
e do Departamento Nacional da Produção Mineral,
diversas Secretarias,
podendo dela participar também os Governos estadual
e municipal. Tais estudos serão apresentados como anteprojetos
de lei ou
decreto, exposição de motivos
ou propostas
de projetos específicos, sendo que os
recursos financeiros necessários deverão originar-se nas dotações orçamentárias dos órgãos implicados.
Na sequência
das medidas geradas
pelo Programa Nossa Natureza,
base da nova política nacional de meio
ambiente e de
exploração dos recursos naturais brasileiros, destacam-se as providências que visam organizar
as atividades extrativistas
que têm levado danos às populações e suas
regiões, principalmente na
Amazônia legal.
Assim, em face da incontrolável expansão
da garimpagem e das responsabilidades da
União para o seu exercício, surgem os Decretos que pretendem assegurar os benefícios sócio- econômicos do garimpeiro
e da comunidade envolvida.
No
caso do mercúrio, este metal altamente
tóxico e de uso indiscriminado no garimpo, o Decreto 97.634 (10.04.89)
estabelece o cadastramento, pelo Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente,
dos seus importadores, produtores e comerciantes,
devendo essa medida tornar-se condição necessária
para a garimpagem.
Em
sua exposição de motivos que acompanha os 'Decretos publicados no dia 10
de abril último, o Ministto do Interior, João Alves Filho, e o
Chefe do Gabinete
Militar, general Rubens Bayma Denys, observam "que
as atividades de exploração do subsolo não
são incompatíveis com o conceito de
Floresta Nacional", citando
o exemplo da Floresta Nacional do Jamari, em Rondônia,
onde atualmente se explora cassiterita.
Ou seja:
a demarcação
de áreas indígenas
nessas unidades de conservação não assegura a não exploração de minérios
em terras indígenas tradicionais, e, como
se sabe, no
caso Yanomami elas foram retalhadas em "colônias"
indígenas dentro de duas florestas nacionais e de um parque
nacional.
Aliás,
como já assinalou o antropólogo Bruce Albert no Urihi
nº 8 (janeiro/89),
não é outro o objetivo da "Proposta de Regulamento
das Florestas Nacionais", de
julho de 88, que foi enviada ao Ibama.
Embora
a mineração em terras indígenas
seja considerada inconstitucional, apenas duas
condições poderão viabilizá-la: sob o consentimento dos
próprios índios e sob a
aprovação do Congresso Nacional.
Assim, em meados
do mês de julho, foi criado um grupo de trabalho por iniciativa
do governador de Roraima, Romero Jucá, que está estudando
as medidas necessárias para "legalizar
e ordenar" o garimpo nessas áreas.
Participaram
dos trabalhos representantes da Funai , do Ibama, da Saden e
do Departamento Nacional de
Pesquisas Minerais (DNPM),
à época reunidos com o ministro
das Minas e Energia, Vicente
Fialho. Também considerou-se urgente o encaminhamento de um
anteprojeto de lei ao
Congresso Nacional para viabilizar tais medidas.
Em
nova reunião, uma semana após esse
encontro, o deputado federal
Alcides Lima,
de Roraima, assumiu o encargo de
apresentar o projeto de lei
na Comissão de
Minas e Energia do Congresso Nacional.
Entre as medidas
propostas, consta a criação de áreas de
garimpagem nas terras tradicionais
Yanomami demarcadas como Florestas
Nacionais, a serem exploradas
por cooperativas de garimpeiros. Quanto à situação das
terras demarcadas como áreas
indígenas ou "colônias", a Funai fará um
levantamento por cada comunidade para saber onde os Yanomami concordam
ou não com a
exploração mineral.
Enquanto isso, a
Procuradoria abriu um
inquérito civil público para questionar
os decretos de demarcação
das terras tradicionais Yanomami. A sociedade nacional e as lideranças indígenas
do país, cientes da dramática situação dos Yanomami,
estão se organizando.

Coordenação
Editorial: Alcida Rita Ramos, Bruce Albert, Jô Cardoso de Oliveira
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2004 - A comissão incentiva a veiculação dos textos desde citadas
as fontes. |