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Brasília,     


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Esta seção apresenta um conjunto de documentos de referência sobre diversos aspectos da ação da entidade na defesa dos direitos Yanomami (Terra Indígena Yanomami, direitos humanos, saúde, educação e preservação do meio-ambiente). Trata-se de documentos recentes ou " históricos ", de documentos produzidos pela Pró-Yanomami (CCPY) ou de documentos oficiais.


 
 

... Arquivo Pró-Yanomami

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BOLETIM URIHI Nº 16

SÃO PAULO, JANEIRO DE 1993
EDITADO PELA COMISSÃO PELA CRIAÇÃO DO PARQUE YANOMAMI (CCPY)
RUA MANOEL DE NÓBREGA 111 3º CJ.32
04001 SÃO PAULO SP
COLABORADORES DESTE NÚMERO
CAPA: CIÇA FITTIPALDI
PLANEJAMENTO EDITORIAL E EDITORIAL: CLAUDIA ANDUJAR


Boa Vista, 20 de setembro de 1992

QUERIDOS AMIGOS

Quero dar notícias sobre a nossa Situação.

A nossa terra está sendo invadida de novo pelos garimpeiros, a saúde não esta funcionando, os meus parentes  continuam morrendo e a malária esta fora de controle.

A situação estava começando a melhorar quando a Fundação Nacional de Saúde começou a trabalhar na área, mas agora a Fundação não tem mais verbas, não tem avião, não tem helicóptero não tem remédios e as pessoas que trabalham na Fundação são poucas e os Yanomami estão morrendo,

Para agravar a situação, os garimpeiros estão voltando para a área. A invasão está pegando a partir do Amazonas: Maturacá, Pico da Neblina, Cauaburis, e de Roraima: Hoomoxi, Xitea, Parahuri, ao redor do Paapiú, na pista do Pau Grosso, que nunca foi destruída, sobem o rio Mucajaí, o Urariquera e o Aracaçá. Calcula-se que já tenha mais de dois mil garimpeiros.

A FUNAI não tem recursos e não pode pagar as despesas da Polícia Federal e do helicóptero, está cheia de dívidas e os garimpeiros se aproveitam para invadir cada vez mais.

Por agora ainda não há invasões na Perimetral Norte, nos rios Demini, Toototobi e Aracá.

Estou vendo a campanha dos políticos aqui em Boa Vista. Os candidatos estão prometendo abrir o garimpo na terra Yanomami, para se eleger, estão chamando de volta os garimpeiros que saíram daqui e encorajando a invadir de novo nossa terra. Es tão também esperando o Presidente Collor cair para se aproveitar.

É por isso que estou muito preocupado, porque a demarcação da nossa terra não foi bastante forte para garantir a nossa tranqüilidade e nossa vida, os nossos inimigos estão fazendo força para revogar a demarcação da terra indígena.

Eu quero que vocês fiquem sabendo o que está acontecendo de novo e espero que continuem a dar seu apoio para que os garimpeiros sejam retirados novamente e a luta contra a doença continue com mais força.

Um grande abraço do vosso amigo

Davi Kopenawa Yanomami

 



O FUTURO DO PROJETO DE SANGUE DEMINI

Mensagem para Bruce Albert Gravada por  Lucimara Montejane. Demini, dezembro de 1991.

Traduzida para o francês por Bruce Albert, antropólogo, consultor da CCPY (ORSTOM, Paris)

Traduzida para o português pela CCPY

DAVI KOPENAWA YANOMAMI

Bruce, aqui está o que penso do que você chama de” futuro ". No futuro, se nós o Yanomami,  ficarmos sós, se os médicos não vierem mais  até aqui e se não nos ensinarem a aplicar os medicamentoso as coisas irão mal. Ainda não há ninguém entre nós que saiba essas coisas. Nós não sabemos ler os papéis dos brancos,  nós não sabemos utilizar os medicamentos. É preciso que vocês, brancos. nos ensinem a utilizar os medicamentos; os medicamentos para a malária,  para a tuberculose e para as outras doenças. Então, quando nossos jovens souberem tudo isso, nós poderemos nos tratar sozinhos. É o que eu penso.

Como nossa terra já foi demarcada, eu quero que nosso projeto de saúde Demini continue. Eu quero que ele continue por muito tempo. Sem esse projeto, eu creio que outros Yanomami vão morrer. Nós não sabemos como usar seus medicamentos. Nós não sabemos nos tratar sozinhos com eles. Os Yanomami não conhecem essas coisas; elesignoram a língua dos brancos. Eles ainda não sabem ler a escrita de vocês. É preciso, por isso, que esse projeto continue por muito tempo. É preciso primeiro que sejam vocês, brancos, que venham para nos tratar. Depois, quando seus médicos nos tiverem ensinado a fazer o tratamento como eles, então, no futuro, os jovens Yanomami, nossas crianças, poderão por sua vez nos tratar, como o fazem seus médicos e seus enfermeiros. Quando eles tiverem aprendido o que é necessário, então nós poderemos ficar sozinho. Nós nos trataremos sozinhos, mas vocês continuarão a nos dar seu apoio, de longe. Vocês continuaram a nos ajudar.

Por enquanto, nós ainda não sabemos tudo o que é necessário. No passado, quando os brancos não tinham chegado até aqui, nós não éramos ignorantes, Nossos pajés sabiam nos tratar quando os espíritos maléficos ne weribe da floresta devoraram o princípio vital das pessoas. Quando o espírito Riori nos agredia, os pajés retiravam e cuspiam as doenças que ele colocava em nosso corpo.

Mas, hoje, os pajés não sabem fazer isso com a malária e com a tuberculose. Essas são doenças que vêm de longe que eles não conhecem. Não há  senão os medicamentos dos brancos para tratar dela. Quando o mal está ainda começando e se trata o doente com medicamentos, ele sara. Isso é o que nós pensamos.

É preciso que esse projeto continue. Assim funciona bem, nós  tratamos os Yanomami quando eles ficam doentes. É preciso que isso continue. Nós tratamos as pessoas do Aracá, Ajuricaba, Toototobi e também os Ayaobetheri, os Weyukutheri, os  Shihometheri, os Mashababitheri. ..Todos esses Yanomami não sabem tratar as doenças dos brancos, é por isso que eu quero que meu projeto continue. Se esse projeto não continuar as pessoas vão começar a morrer. Eu não sou médico e nada poderei fazer.

Eu sou m pajé mas fazendo pajelança não se chega a ver e a destruir o poder da malária. E as pessoas morrem. Não adianta fazer pajelança, as pessoas morrem assim mesmo. Nós tentamos destruir o poder da malária" mas se os doentes não tomam os comprimidos que precisam, eles morrem. É por isso que eu quero que meu projeto Demini continue, Eu quero que ele continue e quero expandi-lo. Para isso, preciso ir buscar o dinheiro necessário junto àqueles que nos ajudam, Nós estamos muito longe das cidades. Nós vivemos bem no meio da floresta. Por tudo isso estou inquieto. Se o projeto não continuar, nós- ficaremos complemente desprovidos. É preciso que o projeto continue, é preciso também que a Fundação de Saúde continue a dar assistência aos Yanomami. Senão, todos nós vamos morrer. Se nós ficarmos sozinhos, sem médicos, vamos desaparecer e os brancos ocuparão nossas terras, porque elas estarão vazias.

(. ..) É por isso que eu defendo meu projeto. É preciso que nós continuemos a trabalhar. Os Yanomami não sabem ainda como virar-se sem isso. Mais tarde, no futuro, os jovens aprenderão a aplicar os  medicamentos dos branco. e então nós poderemos nos tratar sozinhos. É o que eu penso. Quando os médicos brancos nos tiverem ensinado a utilizar os medicamentos, os comprimidos para a malária e a tuberculose quando nós soubermos aplicá-los, então poderemos nos tratar sozinhos. Nesse momento, é preciso primeiro que os brancos continuem a nos tratar. É isso o que eu penso. Nós não temos ainda jovens que saibam bem a língua dos brancos e que saibam escrever; que saibam fazer os exames de malária, que saibam ver a malária com um microscópio. Nós não sabemos ainda essas coisas. Mas nós as aprenderemos e saberemos um dia nos cuidar nós mesmos. No futuro, quando eu for velho, os Yanomami terão aprendido isso e quando eu tiver morrido eles continuarão a se tratar sozinhos. É o que eu penso. Vocês dizem "futuro", nós dizemos "yutuha" (daqui há muito tempo). Quando, daqui há muito tempo, nós, que estamos aqui, morrermos, os Yanomami não desaparecerão. Nós somos pouco numerosos, mas Omamë, que nos criou, continuará a nos proteger. Nós continuaremos a existir, nós continuaremos a existir mas a malária precisa terminar.

Eu estou temendo que não haja mais pajés no futuro porque a presença dos brancos torna nosso pensamento obscuro. Agora, os jovens têm medo de fazer pajelança. Infelizmente, eles querem apenas imitar os brancos. Isso me deixa preocupado. Quando você voltar de novo, nós falaremos com eles juntos. Nós falaremos também com os anciãos para que eles os iniciem como pajés. Quando não havia medicamentos, no passado, os pajés faziam seu trabalho e apenas poucas pessoas morriam. Agora não adianta tentar destruir a Xawara (epidemia), ela se vinga duramente e mata até nossos espíritos de pajé (shabiribe ou hekurabe).

É por isso que eu quero continuar meu projeto. Para trabalharem tanto os médicos do projeto como os pajés. Assim, fica tudo bem. A Xawara é muito forte, mas assim nós nos vingaremos. Os pajés e seus espíritos auxiliares são amigos dos medicamentos. Os pajés atacam os espíritos da Xawara e os doentes tomam os medicamentos. É assim que eles ficam bons e é por isso que eu quero que o projeto continue. É o que eu queria lhe dizer. Você transmitirá isso aos outros brancos. Quando eles disserem a você: “ o que vão achar os Yanomami se os brancos suspenderem seu trabalho médico?” “como eles vão se tratar?” você lhes responderá assim: “os Yanomami ainda não sabem utilizar os medicamentos, é preciso ensiná-los e só depois disso é que eles poderão se tratar sozinhos!”

Nós temos pajés ,o mas a xawara dos brancos ataca os espíritos de pajé que tentam destruí-la. Nossos espíritos de pajé são muito corajosos, mas a xawara é como uma nuvem muito grande ,o seus espíritos maléficos pegam o princípio vital dos anciãos , das crianças, das mulheres e dos homens e o devoram. É por isso que nós continuamos a querer os medicamentos dos brancos e a querer que esse projeto continue. Nós trabalhamos em lugares distantes na floresta, lá embaixo no Wanabiú e também no Balaú... lá longe onde não têm nenhum branco. É muito longe e os Yanomami não têm medicamentos. Quando eles têm malária, morrem. É por isso que meu projeto deve continuar. Mais tarde, daqui há muito tempo os Yanomami aumentarão de novo. Isso é que será bom. Não é suficiente que eu trabalhe sozinho num projeto no Posto Demini. Nós , Yanomami, não temos aviões. Se os brancos trabalham conosco, podemos chamar aviões e ir tratar as pessoas de longe. Então podemos nos vingar da Xawara. Quando os brancos vêm nos ajudar, eles são verdadeiramente nossos amigos.

Não pense: "eles defenderam seu território , já o têm demarcado, agora que se cuidem eles mesmos e vivam por si só.' ". Não se pode mais fazer isso. Os brancos se aproximaram de nós e fizeram chegar a Xawara até aqui. Os garimpeiros trabalharam por toda parte sobre nossas terras e a Xawara continua sem parar. Ela é muito agressiva e tem muita fome de carne humana. Mata as pessoas e as moqueia como macacos antes de comê.-las,  mesmo os brancos. Ela as come pouco a pouco, quando tem fome, quando está farta, então para um pouco de nos devorar. Ela não tem pressa. Ela come lentamente, primeiro os mais velhos e depois os mais jovens...

É por isso que eu quero que meu projeto continue. Eu ainda sou jovem e , ainda quero trabalhar nele. Vocês, que defendem os' Yanomami, ainda precisam nos ajudar com dinheiro. Não pensem: "Davi vai trabalhar sozinho!", Se vocês começarem a pensar assim eu vou ficar muito preocupado, Se eu for o único a trabalhar aqui. Também vou morrer de malária e será o fim. Não! nós temos que trabalhar juntos, com os brancos. Quando eu faço pajelança para destruir a xawara,  ela sempre volta. Eu a empurro para longe, mas ela volta, Ela agora nos conhece, não se pode afastá-la assim. 0s brancos aumentaram na floresta e a xawara aumentou com eles. Nós somos numerosos e ela gosta de comer nossas crianças, Ela come também as dos brancos. Ela não para jamais.

Eu sou um verdadeiro brasileiro. Sou um defensor da floresta, Omane queria que se protegesse a floresta onde vivemos. Mas certos brancos, que são os filhos de Yoasi, o irmão mau de Omamë, querem nos abandonar à nossa sorte. Eles dizem:

"virem-se! vocês quer iam suas terras, elas lhes foram dadas!” Se eles disserem isso, respondam- lhes: “as terras dos Yanomami foram demarcadas mas é preciso continuar a ajudá-los, eles ainda têm problemas!". Você lhes dirá que eu quero defender meu projeto. Eu não estou mentindo" eu quero realmente continuá-lo! É o que eu quero te dizer. Transmita isso aos outros brancos. Se você quiser escrever isso nos papéis., faça-o, para que eles os leiam.

Quando não tínhamos medicamentos, nos trocávamos fazendo pajelança. Mas agora que os brancos, os garimpeiros, se aproximaram,nós temos medo de suas epidemias. Nós temos medo da malária e da tuberculose. Só os medicamentos podem pará-las. Os espíritos de pajé não sabem destruir senão as outras doenças" que nós conhecemos. Quando eles tentam lutar contra a malária ou a tuberculose são atingidos por sua vez. e a xawara os devora e os pajés também morrem. É isso o que eu penso, só por isso que eu lhe transmito essas  palavras. Eu faço isso porque você compreende minha língua. Você sabe imitar nosso falar então eu te digo todas essas coisas. Se você  não falasse minha língua eu não te diria. Vocês soube aprender nossa língua,  então eu  falo,  para que você transmita minhas palavras e que os outros brancos compreendam o que se passa. É o que eu quero lhe dizer. Você me pediu de novo minhas palavras,  então eu as envio a você.

(...)Mais tarde eu  perguntarei também aos pajés, aos anciãos, o que eles pensam. E se eles falarem, eu  te enviarei outras palavras. Meu sogro Lourival me disse: "envie outras palavras aos brancos, nós aprendemos a engolir seus medicamentos para nos tratar,  então é preciso que eles continuem a dar esses remédios para nós!" Não pense de nós: "eles querem ficar sozinhos em suas terras, então que eles próprios se tratem!". Não! O que é preciso que você  pense é: "eles estão doentes por causa de nossas epidemias, então nós devemos continuar a lhes dar dinheiro e medicamentos para que eles continuem seu projeto de saúde! . Se vocês pensarem assim então eu ficarei muito contente! Eu pensarei: "tudo bem! eles são nossos amigos, eles se preocupam conosco por causa das epidemias e eles nos ajudam!". Se vocês pararem de nos ajudar, eu ficarei muito inquieto e pensarei: "está bom! nós morreremos sozinhos ! nós não tomaremos mais medicamentos e quando todos os velhos e todos os pajés estiverem mortos não restará seus espíritos auxiliares senão se vingar dos brancos .'"

Quando eu penso em tudo isso,  quero que meu projeto continue. Eu estou preocupado pelas crianças,  pelas moças pelas mulheres, pelos jovens , velhos. ..eu estou muito inquieto. Eu quero que vocês nos ajudem para que esse projeto continue, é por isso que eu  falo isso de novo. Enquanto o projeto funcionar e as pessoas ficarem  doentes, nós teremos o dinheiro para chamar um avião, médicos, enfermeiros e os medicamentos podem vir. As pessoas serão tratadas e ficarão contentes. Enquanto o projeto existir os Yanomami ,se sentirão ajudados. Eu gostaria que minhas palavras fossem entendidas e que os brancos se dissessem: "sim, é isso, é verdade!" Se eu não falar assim e ficar totalmente só, não saberei mais o que fazer. Se não houvesse mais epidemia nesta floresta eu diria simplesmente: "sim, nós ficaremos sós aqui, sem ajuda!". Se não houvesse nem malária, nem tuberculose, nem outras epidemias,  eu diria: "não há mais xawara na floresta! Não temos mais necessidade de seus medicamentos !". Mas, nosso território esta repleto de malária e ainda precisamos de seus medicamentos.

Nós ainda queremos projetos de saúde para nos ajudar. Nós queremos que eles durem, que eles continuem ainda quando nossas crianças tiverem crescido. Vocês, brancos, têm muito dinheiro não sejam avarentos! Continuem a nos ajudar. Nós vivemos sobre o mesmo solo: nós vivemos todos sobre esta terra. que é o dorso do céu que caiu nos tempos primeiros. Continuem a nos ajudar, vocês não são pobres! Se os seus anciãos fossem, vocês poderiam ser avarentos: mas eles não são. Não fiquem preocupados com seu dinheiro! É papel que vem da casca das árvores. É a pele das árvores da floresta, não o recusem aos outros. Doem-no para ajudar os Yanomami. Não façam que nosso projeto de saúde termine.! Nós queremos que ele continue senão nossas crianças vão morrer! Se ele continuar, nós poderemos continuar a viver com boa saúde. Estes são meus pensamentos e é o que eu quero lhe dizer. Ninguém me colocou isso na cabeça. É o que eu penso quando estou só, à noite. Meus espíritos de pajé me dão idéias nos meus sonhos e eu espalho suas palavras. Essas palavras são muito numerosas, elas não  se esgotam. Eu não leio papéis e não tenho leis escritas, mas  sim no meu interior, no meu pensamento. Há essas palavras, que são muito numerosas. Eu as transmito a você. Eu quero que os anciãos dos brancos, cujo pensamento está obstruído., as entendam. Eu quero que os jovens., seus filhos que vão à escola, as recebam, Eu quero que esses pensamentos sejam escritos e que todos os brancos comecem a pensar " é verdade! essas são as verdadeiras palavras dos Yanomami" não as palavras dos brancos!" e que eles comecem a querer nos defender também onde vivem" lá  longe. Para que os anciãos do governo em Brasília nos entendam e nos respondam, Se eles nos escutarem então nós ficaremos satisfeitos, Nós pensaremos: "eles estão longe mas são nossos amigos! eles nos escutam, portanto podemos ,ser amigos!",

Os brancos têm uma língua tão incompreensível quanto a dos fantasmas, mas eles podem ser nossos amigos. Alguns são sábios., não como esses garimpeiros, e são nossos amigos. Nós estamos contentes porque eles nos ajudam, Eles vivem conosco e nos  ajudam então eu estou contente com o projeto de saúde. Se ele não existisse eu ficaria preocupado. Mas ele existe e meus pensamentos estão calmos eu me sinto amparado. Nas nossas aldeias da região do Demini nós ainda estamos com boa saúde nossas crianças ainda estão bem, Elas pegam a malária mas os enfermeiro(a)s logo as atendem com medicamentos e eu fico satisfeito. Vocês os brancos. conhecem os medicamentos  para a malária. mas nós não; então, é preciso que vocês continuem a dá-los a nós. Não nos digam: “virem-se sozinhos! Curem -se com seus pajés! "  Não sejam hostis. Sejam amigos como eu sou com vocês.



DAVI KOPENAWA NA CONFERÊNCIA DO MEIO AMBIENTE RIO-92( JUNHO DE 1992)

Entrevista filmada por Geoffrey O'Connors, Realis Pictures (NovaYork)

Traduzida do Yanomami para o inglês por Bruce Albert, antropólogo,

consultor da CCPY(ORSTOM, Paris)

Traduzida para o português pela CCPY

Por que os brancos estão tão interessados na vida dos índios hoje?

DAVI: As pessoas que moram em cidades, os brancos, não têm sabedoria. Eles não sabem das coisas. Nós, povos da floresta, temos sabedoria e sabemos das coisas. Nós temos um conhecimento verdadeiro. É por termos nascido e sido criados na floresta que temos essa sabedoria e agora os brancos estão interessadas nela e querem ouvir nossas palavras. Depois que eles entenderam que nós somos pessoas com sabedoria eles querem ouvir nossas palavras, porque eles acham que são boas palavras, palavras certas. Eles fazem isso porque suas próprias palavras não são certas. Nós falamos coisas verdadeiras e é por isso que eles querem pegar nossas palavras para eles. É por isso que eles estão "interessado.".

Hoje em dia os brancos estão interessados em apoiar os índios porque os índios têm mais conhecimento da terra, da floresta, do planeta. Os brancos estão interessados em pegar nosso conhecimento para eles, pegar emprestadas nossas palavras porque seu próprio conhecimento vale muito pouco. O que os Yanomami falam, o que os Xavante (e outros índios) falam tem mais sabedoria. Eles sabem mais do que o branco. Nós sabemos mais. Os brancos falam muito mas não sabem nada. Um índio Yanomami, um índio Xavante, um índio Kayapó, nasceu na floresta e pode se tornar um pajé, um xabori, como nós dizemos. É por isso que ele sabe muito mais que os brancos. Por isso os brancos agora vêm atrás de nós, porque estão interessados em ouvir nossas palavras. Nossas palavras são mais  sábias, dizem a verdade, porque vemos as coisas com nossos próprios olhos, olhando e andando (na floresta).



Muitos garimpeiros dizem que estão levando progresso e "civilização" para os índio. O que você acha disso?

D: Os garimpeiros só mentem. Eles querem nos tratar como escravos, é por isso que eles dizem isso. Eu não quero que meu povo seja tratado como escravo. Eles estão mentindo quando dizem: "nós vamos transformar os índios em homens brancos!" Eles só querem fazer conosco o que foi feito aos povos indígenas que viviam aqui (Rio) no passado, é por isso que eles mentem. Eles querem nos fazer morrer de fome, roubar nossa floresta e Cavar o seu solo, é isso. Nós não queremos ser transformados em homens brancos. Nós somos um povo diferente e só queremos ser como eram nossos ancestrais.

Por que você se envolveu em política? A vida não seria mais fácil se você tivesse ficado na  floresta?

D: Seria mais fácil. A floresta é onde eu vivo é bela e só quando estou lá minha mente fica em paz. Quando estou na cidade fico nervoso. Só quando estou perto de meus parentes tenho pensamentos calmos. Antes, eu nem conhecia essa palavra política, eu a aprendi ouvindo os brancos. Agora começo a entender sua palavra política. Comecei a pensar direito sobre ela. Primeiro, pensava errado. Eu me perguntava: "0s brancos são bons? são amigos?" Agora, eu não  penso mais assim. Eu penso que os maus político são muitos, que querem  nos fazer esquecer nossa língua e ai  mandar os brancos trabalharem em nossas terras. É por isso que eles tentam nos enganar dizendo "quando você for um homem branco, você vai ter dinheiro! você vai morar na cidade entre os brancos! você vai dirigir um carro!" Eles só mentem e,  de qualquer modo, eu não quero viver  onde os brancos vivem. Eu quero viver nas nossas terras Yanomami. Eu  quero viver no lugar ao qual realmente pertenço, nas minhas próprias terras.

Por que você foi à Kari-Oca?

D: A aldeia Kari-Oca? As pessoas lá me pediram para ir, por isso fui. Marcos Terena, Alvaro Tukano, esses dois amigos me pediram para ir e eu fui. Se eles não me tivessem chamado eu não teria vindo aqui para visitar. Eles me pediram para vir "falar duro" com eles lá. Foi por isso que eles nos chamaram para vir, para "falar duro" com eles. Se eles não nos tivessem pedido para vir, nós não teríamos vindo. Nós viemos falar para defender nossas terras, foi por isso que viemos. Quando as pessoas nos pedem para fazer isso, não é difícil nos convencer. Assim, quando eles nos pediram para vir dar uma força, nós viemos.

Por que é importante que as nações do mundo reconheçam a luta dos povos indígenas?

D: É porque nós defendemos nossas terras. Todos nós Yanomami falamos obstinadamente sobre isso. Os brancos (aqui) estão destruindo nossas terras, é por isso que "falamos duro". E por causa disso o mundo, as pessoas bem longe daqui (do Brasil) ouvem o que dizemos e nos dão apoio, elas realmente dão. Você aqui (filmando), você também nos dá apoio. Se não formos apoiados dessa maneira, pensamos: "nós vamos morrer?". É isso o que pensamos: "nós todos vamos desaparecer?" E muitos brancos espalham nossas palavras por todo o mundo. Muitas pessoas ouviram essas palavras e elas se tornaram bem conhecidas. O governo brasileiro tentou nos esconder mas agora não pode mais, nossas palavras já são conhecidas por toda a parte. O mundo dos brancos é importante para nos ajudar.

Dizem que mais garimpeiros estão entrando nas terras Yanomami. O que é preciso fazer para proteger as terras Yanomami no futuro?

D: A FUNAI e o governo fecharam os limites de nossas terras. Mas as pessoas que não gostam de nós são muito numerosas. Todos esses garimpeiros sem terras, sem casas e sem dinheiro estão voltando para nossas terras. Eles estão aumentando de novo e querem nosso ouro. Depois de tirar esse ouro eles vão dá-lo de novo a outros brancos ricos e poderosos... Essas pessoas o pedem de muito longe e os garimpeiros estão aumentando de novo em nossas terras. Estou novamente muito preocupado. "Será que a FUNAI e o governo vão defender nossas terras? Será que eles vão realmente defendê-la? " É o que estou perguntando a mim mesmo. MAS, eles não vão. Se eles realmente o fizessem os garimpeiros não teriam voltado. A FUNAI não tem dinheiro. A FUNAI, que nos defende, não tem dinheiro e os garimpeiros estão aumentando de novo. Vocês, no exterior, vão ter que dar dinheiro à FUNAI para realmente nos ajudar. Recentemente, A FUNAI estava tentando fazer alguma coisa sozinha. Sem muito poder, mas ela nos defendia. Mas agora ela não tem nada, ela está realmente pobre. Ela não tem nenhum dinheiro e os garimpeiros estão se aproveitando disso e aumentando novamente. Se eles continuarem a aumentar assim, os Yanomami vão começar a morrer de novo, com a epidemia de malária dos garimpeiros nós vamos começar a morrer de novo.

Você concorda com os brancos que dizem que descobriram o Brasil? Se não, por quê?

D: Vocês, brancos, costumam se enganar com essa história. Os brancos não descobriram essa terra. Nós temos estado aqui desde muito tempo. Nós Yanomami e outros índios já vivíamos aqui. Mas, apesar disso, os brancos dizem: "nós vimos o Brasil primeiro!" e isso é uma mentira. Só uma mentira. Nós já vivíamos aqui desde os primeiros tempos. Nós, os povos da floresta. Os Yanomami e os outros, nós fomos criados aqui.

De acordo com os Yanomami, como foram criados os brancos?

D: Nosso povo diz que há muito tempo atras, quando nossos ancestrais foram criados, os brancos foram também criados, quando Omamë nos criou. Mas, enquanto que nós fomos criados por Omamë, vocês são o povo de Yoasi (seu irmão mau). Os brancos são o povo de Yoasi, é por isso que não gostam dos Yanomami. Omamë nos criou. Havia dois irmãos (nos primeiros tempos): Omamë e Yoasi. Os brancos são o povo de Yoasi. Nós, Yanomami, os povos da floresta, nós somos os filhos de Omamë. Yoasi não gosta de nós, é por isso que os brancos não gostam de nós.

Você poderia nos descrever o que aconteceu quando os garimpeiros começaram a entrar nas terras Yanomami em grande número há alguns anos atrás?

D: Quando os garimpeiros chegaram nós ficamos ansiosos, porque eles eram um povo que nós não conhecíamos. Os Yanomami não sabiam quem eram os garimpeiros. Depois disso, os garimpeiros os iludiram (com seus bens) e os Yanomami começaram a ficar mal. Os garimpeiros chegaram procurando ouro no solo, eles eram muito pobres. Os chefes deles que os mandaram; eles tinham ordenado que eles trabalhassem em nossas terras. Esses garimpeiros entraram em nossas terras e nós começamos a ficar doentes. Pegamos malária, ficamos todos doentes com a epidemia de malária dos brancos que esses garimpeiros introduziram em nossas terras, a xawara. É por isso que agora, nenhum de nós quer esses garimpeiros mais em nossa floresta.

De acordo com os Yanomami, o que acontece quando muito ouro é retirado do solo?

D: Eu vou lhe dizer o que nós, pajés, dizemos sobre isso, nós que usamos o alucinógeno yãkoana. Nos tempos primordiais, nossos ancestrais também inalavam yãkoana e faziam pajelança para segurar o céu e evitar que caísse e também para controlar o espirito do submundo, Shiwarirewë, que ameaça destruir a Terra. Os garimpeiros cavam o ouro freneticamente, mas os metais são coisas venenosas que Omamë criou e escondeu no subsolo. No fim, os garimpeiros vão estar cortando as raízes do céu, eles vão quebrá-las e o mundo vai desmoronar. Se os pajés Yanomami morrerem por causa da fumaça de malária do ouro tirado da terra, se esses homens de sabedoria desaparecerem, não haverá mais ninguém para segurar o céu e todos os Yanomami e todos os brancos vão morrer.

Como é possível parar doenças como a malária? Você usa apenas remédios do homem branco, ou xabori ou ambos?

D: No passado, nossos ancestrais, que eram pajés, costumavam curar seu povo. Isso era tudo. Quando nossos ancestrais foram criados, os Yanomami não tinham os remédios do homem branco, só tinham os pajés. Quando as pessoas ficavam doentes, quando os espíritos da floresta tiravam seu principio vital, os pajés costumavam curá-los. Hoje, em nossas terras, muitos de nós morreram, muitos anciãos desapareceram e ainda estamos morrendo das epidemias do homem branco. Depois que os garimpeiros vieram com suas epidemias de malária e nos contaminaram, nós começamos a morrer. Hoje, só os remédios dados pêlos médicos brancos, que sabem como matar os poderes da malária, podem  nos curar. No passado, só os pajés curavam nossas doenças. Hoje, são os remédios dos brancos que curam os  Yanomami. Nós só podemos ser curados por coisas que conhecem os poderes da malária.

Por que o xabori é importante para os Yanomami?(NB: "xabori" significa pajé ou o espirito auxiliar do pajé, dependendo do contexto: aqui Davi entendeu a questão tendo em mente "espíritos auxiliares do pajé)

D : Os espíritos dos pajés foram criados por Omamë. Vocês brancos usam a palavra “importante" .Nós dizemos que eles são totihi, bons e belos. Esses espíritos nos defendem, combatem os espíritos maléficos da floresta, combatem também as epidemias. É por isso que nós, pajés, queremos tê-los conosco, eles têm realmente muito valor. Nossos ancestrais também os tinham, eles são de fato muito "importante.".

Quando os garimpeiros vieram para o território Yanomami parece que muito. dos Yanomami se sentiram atraídos pelas coisas do homem branco, como sabonete, machetes e arroz. Por que isso acontece?

D: Depois que os garimpeiros vieram, uma parte dos Yanomami começou inadvertidamente a ficar feliz com sua presença. Estavam pensando, sem conhecê-los: "será que os garimpeiros são pessoas boas?" Eles gostaram da comida deles. Os garimpeiros começaram a iludi-los com arroz, farinha de mandioca e roupas velhas. Os Yanomami ficaram desapontados com as roupas velhas, mas os garimpeiro continuaram dando-lhes parte de sua comida e eles ficaram contentes de comer aquela comida. Eles pararam de trabalhar em suas roças e de plantar sua própria comida. Logo todos eles ficaram muito doentes. Então, muitas pessoas começaram a morrer, todos os velhos morreram e os Yanomami ficaram muito assustados. Esses Yanomami não tinham objetos de troca, eles estavam isolados, sem machetes e facas, é por isso que no começo eles foram aos acampamentos dos garimpeiros. Se eles tivessem bastante dessas coisas, eles não teriam chegado perto dos garimpeiros.

Por que você foi a Nova York no ano passado?

D: Nosso povo esta contaminado por " epidemias, está doente, muitos de nós  morrem. Nós falamos para defender nossas terras contra os garimpeiros mas eles, do governo, não estavam nos respondendo. Nós estávamos com raiva e é por isso que fomos para Nova York, onde alguns dos chefes dos branco. vivem. Onde as pessoas que têm a ver com o que acontece em nossas terras estão. É por isso que eu fui, para falar com homens importantes. É de lá que as pessoas querem o ouro de nossas terras e pedem por ele. Eles o pedem e os garimpeiros, os brasileiros, o procuram para ganhar dinheiro, para ganhar seus dólares. O povo de Nova York (os americanos) também querem ouro e eu fui lá também para dizer a eles que isso é mau e para fazê-los  pensar certo sobre isso.

O que você acha da vida na cidade em comparação com a da floresta?

D: Na cidade a vida é ruim, há muito barulho. Não se pode ouvir nada.  É impossível ouvir as vozes que ouvimos na floresta. O barulho dos motores cobre tudo. Ele enche os ouvidos. É por isso que eu não digo “as cidades são boas" Elas são muito barulhentas, cheias de fumaça e doenças. Não se ouve nada e as pessoas não podem falar claramente. Nós, Yanomami, não achamos que cidades são boas. Em nossa floresta, não fazemos tanto barulho. Nós ficamos em silêncio, porque ouvimos a floresta. Nós ouvimos as araras e tucanos quando falam, os macacos quando gritam juntos. Quando os seres da floresta falam, essa é a Única coisa que é boa de se ouvir

Por que é importante que os Yanomami tenham tanta terra?

D: Para nós, Yanomami, nossa floresta é "importante", como você diz, porque nós queremos continuar vivendo nela. É uma terra bela, tem muito poder para fazer as coisas crescerem, onde nosso alimento nasce. Nós queremos continuar a tê-la para viver, é por isso que a defendemos. Vocês, brancos, não sabem como proteger a floresta. Vocês a maltratam e só a põem abaixo. Nós, Yanomami, somos sábios e amigos com a floresta. Como você diz, é "importante". Em nossa língua, que nossos ancestrais falavam desde então, eu digo que minha floresta é totihi, bela, e que estou ligado a ela. Eu quero conserva-la e defendê-la. Nós realmente queremos continuar vivendo em nossas terras. Essa floresta é onde nós fazemos nossos festivais da morte, nossas caçadas rituais, onde vamos pescar, onde viajamos para fazer visitas, onde fazemos caminhadas atrás de frutos silvestres. É nessa floresta que a caça ou os animais selvagens que comemos se reproduzem, os peixes se reproduzem, onde as frutas silvestres crescem. É por isso que conservamos em nossos pensamentos que essa floresta é "importante".

Durante quase 500 anos os brancos e índios têm tido muitos problemas entre si. Por que você acha que isso acontece?

D: "500 anos"... Em nossa língua, apenas dizemos. "há muito tempo atrás"..."500 anos" atrás, com você diz, foi quando o povo branco chegou aqui, depois que Yoasi o mandou de volta de seu país para onde ele foi criado (nas terras Yanomami). Eles cruzaram as águas de volta. Outros povos, como os Yanomami, viviam aqui. O povo branco, os portugueses, chegaram e mataram esses povos, com suas armas e suas epidemias. Depois de matá-los, eles costumavam tirar- lhes a pele e mostrá-la aos outros brancos. Eles matavam os índios e quando seus corpos estavam no chão eles os escalpelavam com suas facas. Então, os homens brancos mostravam essas peles a seus chefes. É isso o que os fantasmas dessas pessoas mortas dizem quando nós os vemos em nossas sessões de pajelança. Há muito tempo atrás, no passado, os brancos não viviam aqui, mas nós sim. Nós sempre vivemos aqui, em nossa floresta. Quando os brancos chegaram, eles atiraram nos índios e os fizeram morrer com as epidemias. Então, não estou contente, nós não estamos contentes.

Como você descreveria a diferença entre a maneira que os índios e os brancos vivem o mundo?

D: Todos nós, Yanomami, não conhecemos de fato a floresta. Os meninos, as mulheres, os adolescentes, todas as pessoas que não são pajés realmente não conhecem a floresta. Nós, pajés, a conhecemos de fato. Nós a conhecemos depois de inalar o alucinógeno yãkoana de suas árvores. Ai dançamos para os espíritos da floresta e todos os outros espíritos dos pajés. Nós os vemos com nossos próprios olhos. Depois que morremos sob o forte poder do alucinógeno yakoana, vemos a imagem sobrenatural da floresta. Vemos Hutukarari, o espirito do céu. Da mesma maneira que nossos ancestrais o viam. É nossa vez de vê-lo. Nós não estudamos como os brancos. Não vamos à escola. Vocês, brancos, só mentem (sobre a floresta). Vocês não a conhecem como nós. Vocês só pensam mentiras e as transformam em desenhos sobre o papel. Nós não temos escritos sobre a floresta, não temos escritos sobre o Planeta, não conhecemos nenhum mapa da terra. Nós não desrespeitamos o céu e a floresta fazendo escritos sobre eles. Nós somos sábios e respeitamos as coisas. Os brancos não têm sabedoria e é por isso que eles desrespeitam o espirito do céu e a floresta escrevendo sobre eles em papéis. Nós Yanomami realmente os conhecemos. Quando nossos anciãos fazem pajelança nós, os mais jovens, acompanhamos e vemos essas coisas. Nós vemos o espírito da lua, vemos sua imagem sobrenatural. Vemos a imagem sobrenatural do sol, das estrelas, do céu, da Terra. Não conhecemos nenhum  desenho de escrita em papel, mas temos conhecimento e as palavras  ficam em nosso pensamento.

O que diz Omamë sobre o que vai acontecer ao mundo se os garimpeiros continuarem a trabalhar por toda a floresta Amazônica?

D: Eu vou lhe dizer como Omamë, o espírito de Omamë, fala. Ele criou o booshikë, o metal das profundezas do mundo, ele fez isso. Se os brancos, os garimpeiros, as pessoas  “espíritos tatus gigantes" (as empresas de mineração) o tirarem todo fora do solo, eles vão quebrar os pés do céu. Os pés do céu estão sob o solo e eles vão quebrá-las. Omamë os colocou lá, e os fez do metal que ele criou. Se os brancos o tirarem todo, o fantasma de Omamë diz a nós (pajés) que todos os Yanomami vão morrer e realmente desaparecer quando todos os pajés que conhecem o Céu e a imagem supernatural do metal de Omamë estiverem mortos. Omamë também criou os espíritos auxiliares dos pajés e quando eles aumentarem,  lá no alto do céu , vão se vingar (pela morte de  seus pais pajés). Eles vão bater no  céu (com seus machetes e machados) e ele vai cair.Quando o céu cair, nós vamos todos desaparecer, todos nós vamos morrer.

Os Yanomami restantes também vão morrer. Todos serão esmagados pelo céu cadente. Os brancos também, todos eles também vão morrer, todos eles. O céu é muito pesado. No dorso do céu há outra floresta, como a nossa, e é muito pesada. Isso vai acontecer no futuro, se os garimpeiros não pararem de trabalhar em nossas terras. Se eles não pararem de sujar a florestas e de cavar procurando metais. Esses metais são venenosos. Eles tem fortes poderes de propagar epidemias e farão todos nós morrermos. Isso é o que diz Omamë. Ele fala com os pajés que possuem seu fantasma (como espírito de pajé) e o faz dançar:

“Quando os Yanomami desaparecerem, os espírito ajudantes dos pajés (dos pajés mortos) cortarão o céu em pedaços e ele vai cair".

Muitos índios morreram nos últimos 5OO anos. Quando você pensa sobre. o futuro, o que é que você. acha que vai acontecer com os povos indígenas?

D: Há muito tempo atrás os brancos... Muitos Yanomami já morreram. Nós, que sobramos, quando por nossa vez morrermos, nós, Pajés que conhecemos o céu e os espíritos maléficos como Shiwarirewë, quando nós todos desaparecermos, o espírito do céu vai chorar. O céu já está ansioso e começa a chorar, porque ele também está morrendo. Nos primeiros tempos, o céu já caiu uma vez. Este solo aqui é o dorso desse antigo céu. Os primeiros ancestrais Yanomami também morreram (dessa maneira). O céu caiu porque os espíritos ajudantes dos pajés Yanomami mortos o cortaram em pedaços. O" futuro", como você diz, para nós é o céu, é como nós o chamamos. Quando o céu, ou o "Planeta", como você o chama, for cortado pelos espíritos dos pajés, nós seremos esmagados e cairemos com ele para o submundo. Nós vamos morrer e desaparecer, todo nós. Talvez então outro povo será criado. Os Yanomami não serão criados de novo. Talvez outro povo como nós será criado, outros brancos também. É isso que minhas palavras, as palavras que pertencem a nossos anciãos, dizem sobre o "futuro".

Algumas coisa mais sobre novas invasões em terras Yanomami?

D: Agora vou falar português. Os garimpeiros voltaram a nossas terras durante este mês. Essas pessoas não tem dinheiro para invadir nossas terras. Quem realmente está invadindo nossa floresta são as pessoas que têm dinheiro, os  políticos (de Roraima)... Os (simples) garimpeiros não tem dinheiro para comprar mantimentos, não tem aviões, não tem dinheiro para comprar combustível. Então quem está realmente nos invadindo (por trás deles) é o Projeto Calha Norte e os empresários do Brasil e outros países. Eles são aliados, eles são unidos. Todos os países tem empresários que extraem riquezas da terra, que destoem as terras (como as) dos índios Yanomami, Macuxi e Waimiri-Atroari. Essas pessoas importantes têm dinheiro para pagar as invasões dos garimpeiros. Os garimpeiros não têm terra, nem casa, nem bom trabalho, eles não são funcionários públicos. Os que estão invadindo nossas terras novamente estão se aproveitando do fato de que todos estão ocupados no encontro aqui no Rio. As pessoas importantes, pessoas que decidem, estão todas aqui no Rio. Os garimpeiros estão se aproveitando disso. Todos estão ocupados aqui. A FUNAI também. Os  chefes dos garimpeiros são muitos poderosos, eles não gostam dos Yanomami, eles são contra a demarcação de nossas terras. É por isso que eles estão voltando para as nossas terras. Eu quero que eles  parem de invadir novamente. Eu quero que você fale com outros amigos de Nova York e de outros países para  fazer barulho de novo (sobre isso), para fazer pressões sobre o governo (brasileiro) novamente. É o governo que tem que resolver nosso problema, porque nossa terra foi demarcada muito dinheiro já foi gasto (para livrá-las dos garimpeiros). Eles não ,podem nos invadir denovo , eles têm que nos deixar em paz. É isso que queremos: viver em paz. Estamos cansados de morte, de assassinatos, da destruição da floresta, chega! É o que eu quero por na sua câmera para outras pessoas ouvirem, para mandar uma nova mensagem para todas as pessoas que já me ajudaram, para fazer novas pressões sobre o governo (brasileiro), nos chefes dos empresários, no chefe do Calha Norte (projeto militar), nos chefes dos " políticos que estão contra nós.

 

 
 



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