Apresentação
GENOCÍDIO,
segundo o dicionário de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira,
é: “Crime contra a humanidade, que consiste em, com o intuito
de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico,
racial ou religioso, cometer contra ele qualquer dos atos
seguintes: matar membros seus, causar-lhes grave lesão à integridade
física ou mental; submeter o grupo a condições de vida capazes
de o destruir fisicamente, no todo ou em parte; adotar medidas
que visem a evitar nascimentos no seio do grupo; realizar
a transferência forçada de crianças dum grupo para outro.”
Essa definição
coincide com a do artigo 1º da Lei n º 2.889, de 1 º de outubro
de 1956, que define e pune o crime de genocídio, no Brasil.
Trata-se,
pois, de crime cuja prática tem por escopo a destruição de
um grupo humano, em virtude de sua nacionalidade, etnia, raça
ou religião. São esses atributos de um conjunto de pessoas
humanas que constituem, de per si, o valor jurídico penalmente
tutelado pela lei citada. Não se confunde, portanto, com o
valor “vida” ou com outros já tutelados pelo Código Penal
e que são relativos a todo o gênero humano, indistintamente.
Essas considerações
introdutórias de cunho jurídico-lingüístico servem para constatar
que a legislação penal brasileira, em sintonia com tratados
e convenções internacionais, há muito repudia o genocídio.
Trata-se de espécie odiosa de discriminação, a par de covarde,
porque a nacionalidade, a etnia, a raça ou a religião discriminada
e eleita para ser extinta é composta de seres humanos numérica
e potencialmente inferiores ao do grupo exterminador.
É o que,
entre nós, ocorre ainda hoje, notadamente em relação aos grupos
étnicos, cujos indivíduos denominamos “índio”.
Com efeito,
está, também, no Novo Aurélio, que índio é o “indivíduo pertencente
a qualquer um dos povos aborígines das Américas”, seguindo-se
a estarrecedora informação: “Em 1500 estima-se que havia entre
5 milhões e 6 milhões de índios no Brasil. Atualmente a Funai calcula que a
população indígena seja de 325,6 mil” (Folha de São Paulo,
18.4.1999).
As páginas
seguintes, escritas pelo Procurador da República Luciano Mariz
Maia, constituem relato trágico de genocídio, recente ( e
quiçá constante), praticado na fronteira do Brasil com a Venezuela.
Os massacrados foram homens, mulheres e crianças da frágil
étnia “yanomami”, habitantes de Haximu, tratados como “coisas”
sem valor e como estorvo à extração das riquezas minerais
existentes nas terras por eles habitadas.
Quem visitou
o cenário do massacre, em agosto de 1993, como eu, no exercício
de minhas funções de Chefe do Ministério Público da União,
pôde facilmente constatar o genocídio e publicamente reconhecê-lo.
Foi o bastante para que vozes iradas, brotadas do Parlamento
e dos meios de comunicação social, se insurgissem contra minha
constatação.
Então,
pude constatar, também, num misto de tristeza e indignação,
que o “econômico”, hoje, tem muito mais valor do que a vida.
O que importa é o dinheiro. Dinheiro vivo é valor maior que
índio vivo. A “vida” do dinheiro, proveniente da extração
do ouro, vale muito mais do que a vida humana, principalmente
quando esta é inerente a criaturas diferentes de nós, na origem,
na religião e na cultura, fatores esses que, constantemente,
são empecilhos para nosso modo de vida, chamado civilizado.
Revoltante
constatação de uma aberrante realidade social.
Mas não
basta que nos indignemos com essa inversão de valores e com
o menosprezo à vida humana. É preciso agir.
E o Ministério
Público Federal agiu, por meio de um grupo destemido de seus
membros, entre os quais o autor do relato, ora publicado.
Alguns
dos autores do genocídio, porque identificados, foram regularmente
processados e condenados pela Justiça Federal.
Que o Ministério
Público, tendo como única arma a lei e o sentimento de Justiça,
continue a lutar para
que a “vida” volte a ocupar o cume dos valores juridicamente
tutelados, erradicando os “preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, objetivo
fundamental de todos nós brasileiros.
Viva, pois,
o Ministério Público, para que os índios possam continuar
vivendo a seu modo, livres de nossos preconceitos genocidas.
Acima de
tudo, viva a vida!
Brasília, 30 de
junho de 2001
Aristides
Junqueira Alvarenga