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Brasília,     


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Esta seção apresenta um conjunto de documentos de referência sobre diversos aspectos da ação da entidade na defesa dos direitos Yanomami (Terra Indígena Yanomami, direitos humanos, saúde, educação e preservação do meio-ambiente). Trata-se de documentos recentes ou " históricos ", de documentos produzidos pela Pró-Yanomami (CCPY) ou de documentos oficiais.


 
 

Documentos Pró-Yanomami / N. 01 - 2001



HAXIMU: Foi Genocídio!

 Luciano Mariz Maia

Antecedentes

É suficientemente estudado que os Yanomami [1] são grupo indígena de tradicional ocupação da região montanhosa e de floresta na fronteira entre o Brasil e a Venezuela. Seu habitat natural é a região das cabeceiras dos rios Orinoco (Hwaraú, em sua língua) e Casiquiare, na Venezuela, e dos Rio Branco e parte da do Rio Negro, no Brasil.

Há informes da existência de, aproximadamente, 22.500 índios, sendo que 9.636 [2] são habitantes vivendo nas matas situadas nos Estados do Amazonas (2.304) e Roraima (7.332), no norte do Brasil.

São, em suma, um grupo étnico, no sentido que ao termo empresta Fredrik Barth. [3]

Os Yanomami têm enfrentado circunstâncias e situações extraordinariamente penosas para si, especialmente a partir do contacto com um grupo social que, iludido pela promessa de enriquecimento rápido, e tangido pela pobreza em seus Estados de origem, vem em busca do ouro, ou de outros minérios que signifiquem atingir os mesmos objetivos (cassiterita, por exemplo). São os garimpeiros. Estes provocaram a invasão das terras Yanomami a partir de 1987. Com isto, poluíram os rios, destruindo a fauna e a flora. Trouxeram doenças (especialmente a malária) e mortes (por doenças, fome e violência).

A demarcação das terras, em 1991, resolveu o problema jurídico, mas não afastou a agressão permanente dos invasores. Para se ter noção da dimensão do problema, há dez anos atrás, narra o Delegado Cutrim, o Governo Federal foi obrigado pela Justiça a realizar a retirada de garimpeiros da área.

“Em decorrência disso, por determinação judicial, o Departamento de Polícia Federal em apoio à FUNAI colocou em execução o plano de "OPERAÇÃO SELVA LIVRE" iniciado no dia 04 de janeiro de 1990 e que se estendeu até o dia 20.12.90, cumprindo ao longo desse período, um trabalho gigantesco e complexo envolvendo vidas humanas, destruição de pistas e toda uma problemática social.

A Operação Selva Livre foi dividida em várias etapas e contou no seu projeto inicial com quase 300 Policiais.

Esse trabalho de janeiro a março abrangeu uma área de mais de dois milhões de hectares, onde se achavam os maiores focos de Garimpeiros, como em Surucucus, que abrigava a sua maioria.

A primeira preocupação da Polícia Federal foi com a tensão social reinante na população de Boa Vista e nas regiões de garimpo com a expectativa da ação policial e, também, o clima de insegurança que os cidadãos de Boa Vista deixavam transparecer ante a possibilidade de milhares de Garimpeiros ficarem desalojados nas cercanias da cidade.

Transcorridos 72 dias após o início da operação, contabilizou-se a retirada de 9.971 Garimpeiros. Estima-se que mais de 10.000 saíram espontaneamente." [4]

Início dos atritos

Tudo resulta da convivência e aproximação entre índios e não-índios, da chamada “fricção interétnica”. Dependendo da atividade que move a frente de expansão econômica, o contacto com o branco poderá significar o genocídio –sua forma extrema, com a extinção do grupo enquanto unidade biológica–, ou o etnocídio– extinção dos seus valores e padrões culturais.

O antropólogo francês Bruce Albert explica a raiz e a causa fundamental que resultou na chacina de Haximu (Hwaximëutheri). Sua análise é extremamente lúcida e merece ser conhecida [5] :

"Na origem do massacre de Haximu está uma situação crônica de conflito interétnico criada na área yanomami pela presença predatória das atividades garimpeiras. Desde o início da grande corrida do ouro em Roraima, em agosto de 1987, vários assassinatos de índios ocorreram e outros poderão ocorrer novamente devido às mesmas causas. Portanto, é preciso primeiro tornar claro o contexto social e econômico capaz de gerar tais violências.

Ao instalar-se num novo sítio dentro da área yanomami, os garimpeiros vêm primeiro em pequenos grupos. Sendo poucos, sentem-se vulneráveis perante a população indígena. Temendo uma reação negativa dos índios, tentam comprar a sua anuência com farta distribuição de bens e comida. Por sua vez, os índios têm pouca ou nenhuma experiência com brancos e tomam essa atitude como uma demonstração de generosidade que se espera de qualquer grupo que quer estabelecer laços de alianças intercomunitárias. Enquanto se desenrola esse mal-entendido cultural, os índios ainda não sentem o impacto sanitário e ecológico das atividades de garimpo. A seus olhos, o trabalho dos garimpeiros parece ainda algo enigmático e irrelevante. Com ironia e condescendência, chamam-nos de "comedores de terra" ao compará-los a um bando de queixadas (porcos selvagens) fuçando na lama.

Num segundo momento, o número de garimpeiros aumenta substancialmente e já não é preciso manter aquela generosidade inicial. Os índios passam de ameaça a estorvo com suas insistentes demandas pelos bens que se acostumaram a receber. Os garimpeiros irritam-se e tentam afastá-los dos garimpos com falsas promessas de presentes e com atitudes impacientes ou agressivas.

A essa altura, os índios já começam a sentir uma rápida deterioração em sua saúde e meios de subsistência. Os rios ficam poluídos, a caça foge e muita gente morre em constantes epidemias de malária, gripe, etc., desestruturando a vida econômica e social das comunidades. Desse modo, os índios passam a ver os bens e a comida que vêm dos garimpeiros como uma compensação vital e inquestionável pela destruição causada. Negada tal compensação, cria-se no seu entender uma situação de hostilidade explícita.

Surge assim um impasse: os índios se tornam dependentes dos garimpeiros no exato momento em que estes se dispensam de comprar a boa vontade indígena. Essa contradição está na raiz de todos os conflitos envolvendo índios e garimpeiros na área yanomami. Com ela abre-se a possibilidade para que o menor incidente degenere em conflito aberto. Como a disparidade de forças entre garimpeiros e índios é enorme, a balança da violência pende sempre contra os yanomami. Esse tipo de situação mostra claramente até que ponto a lógica da economia garimpeira repele a participação dos índios e até a sua simples presença. Garimpeiros que utilizam técnicas mecanizadas não têm qualquer interesse nos índios, nem sequer como mão-de-obra. Na melhor das hipóteses, são inconvenientes, na pior, são uma ameaça à sua segurança. Se com brindes e promessas não conseguem afastá-los, então a solução é intimidá-los ou exterminá-los."

A promessa descumprida

A prova dos autos dá razão à linha de raciocínio seguida pelo antropólogo.

João Neto e seu cunhado Chico Ceará estabeleceram balsas no Rio Taboca, afluente do Rio Orinoco, na Venezuela, e iniciaram atividade garimpeira, tendo sob sua orientação e dependência alguns garimpeiros, todos de origem e nacionalidade brasileira. Logo estabeleceram relações de contacto com os Hwaximèutheri (então habitantes de Haximu, e antigos Bokarahutumëtheri [6] ), que habitavam a região. Ocasionalmente freqüentavam os índios os barracos, quando em algumas vezes receberam gêneros alimentícios. Em razão de alguns presentes e de muitas promessas, aqueles garimpeiros gozavam da amizade dos índios [7] . Uma das vezes, João Neto e Chico Ceará fizeram promessas ao Tuxaua Kerrero de que lhe trariam roupas e uma rede [8] .

No dia aprazado, final de maio [9]   de 1993, Tuxaua Kerrero foi, juntamente com um índio Davi, visitar João Neto, levando-lhe um presente. Deslocou-se até a pista Saddan Hussein (na Venezuela) e, acompanhado de Pedro Emiliano Garcia (Pedro Prancheta), o irmão deste, Adriano, e Barbacena (garimpeiro a serviço de Pedro Prancheta), aguardou a chegada do rancho e demais gêneros necessários à manutenção da atividade. 

Foram desembarcados doze carotes de óleo diesel, com 60 litros cada, mas não vieram as roupas nem a rede. O Tuxaua Kerrero irritou-se e, juntamente com o índio que lhe fazia companhia, foi direto ao barraco de João Neto. Não o encontrando (pois estava em Boa Vista), disparou um tiro na direção do garimpeiro Goiano Doido, que desabou incólume em desenfreada carreira. Kerrero e seu amigo Davi apanharam no barraco um rádio e cortaram uma rede que ali havia.

Genocídio: primeiro ato

O ocorrido no barraco de João Neto fez crescer o sentimento de hostilidade e rejeição aos índios, por parte dos garimpeiros. Em razão disso  é que, passados 20 (vinte) dias daquela visita, e no dia 15 de junho [10] , chegaram outros índios [11] ao barraco. Vinham todos desarmados, inclusive sem lanças ou flechas. Apenas Paulo Yanomami portava uma espingarda.

Dirigiram-se ao barraco de Pedro Prancheta. Este os recebeu com fingida amizade e, para ganhar tempo, escreveu um bilhete [12] , remetendo-os ao barraco de Eliézer.

Os garimpeiros foram ao barraco de Pedro Prancheta, e confirmaram a orientação de extermínio do grupo.

Os 6 índios seguiam seu caminho de volta à maloca, quando pararam para comer um pouco de farinha. Não tardou e chegaram 7 garimpeiros que convidaram os índios a caçar anta.

         Após alguns minutos de caminhada, Paulo Yanomami parou, entregou a espingarda a Geraldo (ou Bauxi), e pediu que continuassem, porque ele iria fazer suas necessidades. Os garimpeiros não quiseram continuar. Aproveitaram o momento como propício e um deles segurou a espingarda de Geraldo (ou Bauxi) com uma das mãos, enquanto com a outra disparava um tiro em Geraldo, com a espingarda que ele garimpeiro portava, atingindo-o um pouco abaixo do peito. É de Paulo Yanomami, que sobreviveu para contar, a seguinte narrativa:

"...um garimpeiro pegou no braço de Geraldo que estava com a espingarda, com uma espingarda deu um tiro em Geraldo entre o tórax e o abdômen do lado direito; que a espingarda utilizada para dar o tiro em Geraldo tinha dois canos serrados, que outro garimpeiro deu um tiro também nas costas de Geraldo e um terceiro tiro dado pelo garimpeiro que estava com a espingarda com o cano serrado, tendo nessa oportunidade Geraldo caído e os garimpeiros pegaram a espingarda de Geraldo e o informante se jogou de costas para o rio e saiu pelo outro lado do rio e nesse ínterim ouviu muitos tiros..." [13]

         Nessa emboscada morreram os índios Geraldo (ou Bauxi), Makuama (ou Makoam), o filho de Waythereoma e Kaperiano (ou Caperiano ou Kaperão, filho de Jacó). Reikim escapou com vida e foi encontrado no dia seguinte por Paulo Yanomami e outros índios por este convocados. Estava ferido e foi orientado a voltar à maloca.

Caporal voltou para o barraco de João Neto à tarde desse dia, trazendo a notícia da morte dos índios. Os demais garimpeiros participantes da chacina cuidaram de providenciar o enterro dos índios mortos.

         Reikim, antes de seguir seu caminho de volta à maloca, descreveu para Paulo Yanomami e para os demais índios das duas malocas de Hwaximëutheri onde os garimpeiros tinham enterrado os índios mortos. Embora enfrentando grande perigo, os índios seguiram em busca dos seus parentes para chorar suas mortes e realizar suas cerimônias funerárias, que incluem a cremação dos corpos, pilação dos ossos e guarda das cinzas em cabaças.

Índios: contabilizando as perdas

Paulo Yanomami, juntamente com alguns índios e índias da maloca Hwaximëú, cuidou de desenterrar os mortos, fazer fogueiras e realizar as cremações, levando os ossos de Geraldo, Makuama e do filho de Waythereoma para a maloca de Hwaximëú. [14]

Preparando a retaliação

Realizando cerimônia funerária intercomunitária, cuidaram os Hwaximëutheri de convidar guerreiros de outras malocas para expedição de retaliação. Acolheram o convite e enviaram guerreiros como representantes os Homoxitheri, os Makayutheri e os Toumahitheri. [15]

Os índios partiram e após dois dias de marcha, chegaram ao acampamento dos garimpeiros. O garimpeiro Fininho caiu fatalmente atingido por um tiro desferido pelo índio Macuxi. Os demais garimpeiros que se encontravam no barraco fugiram. [16]

Neguinho foi atingido no ombro por novos disparos, mas conseguiu esconder-se no mato até que os seus companheiros retornaram à noite e o socorreu. Foi carregado, dentro de uma rede, até a pista Raimundo Nenen velha, para apanhar um avião para Boa Vista. [17]

Os índios Hwaximëutheri retornaram para suas malocas. Mas perceberam o risco que estariam correndo, se ali permanecessem. Deixaram-nas, com todos os seus bens e utensílios, indo refugiar-se em uma roça velha, onde construíram tapiris.

Já havia se passado mais de uma semana que estavam nos tapiris, quando vieram 2 índios da maloca do Simão (Makayutheri), convidando-os para participar de uma festa. No mesmo dia, a quase totalidade dos homens de Haximu seguiu para a festa, deixando nos tapiris apenas algumas mulheres e as crianças.

Embora os índios temessem ser atacados, não se preocuparam em deixar sozinhas as mulheres e as crianças, porque estas nunca são atacadas pelos seus inimigos. Imaginavam que também se passasse o mesmo, ainda que dessa vez inimigos fossem os garimpeiros.

Genocídio: segundo ato

A audácia dos índios fez eclodir uma fúria indomável sobre o bando de garimpeiros. Estes começaram a organizar uma operação com o objetivo de varrer definitivamente do mapa seus desafetos. João Neto  e seu cunhado Chico Ceará contrataram alguns pistoleiros [18] , e deram início às reuniões, para definição do plano de extermínio dos Hwaximëutheri. Chico Ceará, João Neto, Eliézer, Cururupu e Pedro Prancheta adquiriram munição e distribuíram com os garimpeiros Goiano Doido, Pedão, Neguinho, Parazinho, Ceará Perdido, Goiano Boiadeiro, Japão, Boroca, Maranhão (Uriçado), Adriano, Paraná Aloprado, Barbacena, Goiano Barbudo e Silva. [19] Pernoitaram no  barraco de Cururupu e, no dia seguinte, Pedro Prancheta e esses garimpeiros, todos firmemente determinados a matar todos os índios, saíram em demanda de Haximu, portando 15 espingardas, 7 revólveres, alguns facões e facas. [20]

O bando varou 2 dias inteiros no mato, até alcançar a primeira maloca de Haximu, já quando tinha caído a noite. Vazia. Não entenderam porque. Suspeitaram que estivessem todos na segunda maloca. Também vazia. Decidiram ocupá-la para o pernoite. Continuariam a busca quando o sol raiasse. Amanheceria 23 de julho. [21]

Nos tapiris  da roça velha, nem todos os Hwaximëutheri  se encontravam, vez que os homens, que tinham ido à festa na maloca do Simão (Makayutheri) ainda não tinham regressado. E boa parte das mulheres do grupo e algumas crianças tinham ido, apanhar ingá. [22] Estavam ali nos tapiris refugiadas várias mulheres e crianças. Paulo Yanomami, que já tinha conseguido escapar do primeiro massacre, e Simão Yanomami estavam entre os poucos homens do grupo que permaneceram nos tapiris, onde se encontravam quando os garimpeiros deflagraram o ataque.

Simão Yanomami conta

"Que ainda se encontrava deitado (buruoma), por volta de 10:00 para 11:00 hs, ocasião em que foram surpreendidos pelos ataques dos garimpeiros e o informante levou um tiro do lado direito pegando vários caroços de chumbo na costela, pescoço e três bem próximos uns dos outros na face, perto da orelha do lado direito e os caroços de chumbo ainda não foram retirados, em seguida o informante correu para o mato". [23]

Esse depoimento guarda absoluta concordância com o prestado por Paulo Yanomami, também presente no local do ataque e sobrevivente do mesmo:

"Que, no dia seguinte, por volta das 9:00 para 10:00 h, o informante estava deitado em uma rede de casca e no momento ouviu alguns tiros e um garimpeiro atirou em sua direção e ele conseguiu evitar que o tiro pegasse e no momento em que o garimpeiro estava trocando o cartucho aproveitou para correr, ficando ali à distância escondido dentro do mato, ainda na roça velha e dali escutou gritos e muitos tiros e no final ouviu os garimpeiros dizendo: "Embora, Embora, Embora"; que, em seguida o informante foi procurar as mulheres, ou seja, chegou até o local onde se encontrava a maioria das mulheres e crianças que tinham saído dos tapiris de manhã para apanhar frutos, ingás, etc. ; que após os garimpeiros terem saído o informante retornou ao local dos tapiris à procura de sua espingarda e não mais encontrou pois os garimpeiros a tinham levado e naquele momento gritou para a turma de indígenas que estava apanhando ingá, para virem até o local, tendo observado que haviam muitos mortos com marcas de tiros e cortes de terçado na maioria deles, inclusive mulheres e crianças; que entre os corpos estava o de sua filha de três a quatro anos;" [24]

Waythereoma Hwanxima, mulher índia dos Hwaximëutheri, que se encontrava na festa na maloca do Simão (Makayutheri), e foi avisada do ataque, conta o que viu, quando chegou aos tapiris:

"Que, com a notícia de que os garimpeiros atacaram os indígenas que ficaram nos tapiris onde, segundo as mesmas, haviam muitos mortos, naquela oportunidade abandonaram a festa, unicamente os Hwaximëutheri, que haviam deixado seus familiares nos tapiris , inclusive a informante e ao anoitecer chegaram próximo ao local e acamparam e não foram até o local dormir, em vista que não queriam ficar olhando seus parentes mortos; que no dia seguinte, foram até o local onde os corpos foram todos identificados e em seguida cremados em diversas fogueiras; " [25]

Waythereoma Hwanxima pode constatar, ainda, que "nos corpos das vítimas havia perfurações de chumbo, balas de revólver, golpes de "terçado" (facão) e que quase todos eles estavam cortados por quase todo o corpo". [26]

A narração dos fatos, pelo lado dos índios, que foram vítimas, é absolutamente fidedigna, tendo sido inteiramente confirmada a partir do depoimento dos garimpeiros.

O próprio Pedro Prancheta, que participou da chacina, revelou:

"Que, no dia seguinte, saíram por volta das 7:00 hs e só retornaram após três dias e o reinquirido conversou pessoalmente com "Japão" e este por sua vez lhe contou que saíram em direção às malocas, que eram em número de duas, uma próxima da outra e lá chegando não tinha nenhum índio, tendo então eles dormido ali e no dia seguinte pela manhã saíram no rastro dos índios e após três horas de caminhada encontraram umas barraquinhas no meio da mata e ali estavam os índios, onde haviam algumas crianças brincando, ocasião em que os garimpeiros ficaram todos de um lado e atiraram por alguns minutos matando todos que ali se encontravam, tendo também sabido, através de "Japão", que "Goiano doido" meteu a faca numa criancinha e ele só ouviu ela gritar e logo após saíram todos correndo com medo dos  outros índios em direção às malocas e na ocasião atearam fogo nas mesmas, antes porém deram vários tiros em panelas e em tudo que viam pela frente e em seguida retornaram aos seus barracos". [27]

Silvânia Santos Menezes, conhecida por Silvinha, cozinheira do garimpeiro João Neto, confirma as palavras de Pedro Prancheta:

"Que, quando eles retornaram disseram aos demais garimpeiros, bem como à declarante que eles teriam ido primeiro na chapona e lá não haviam achado ninguém e saíram dali e encontraram os índios e segundo eles mataram uns vinte, entre homens, mulheres e crianças; que, segundo eles, quem começou a atirar foi "Goiano Boiadeiro" e depois todos atiraram; que, gostaria de esclarecer que ouviu os garimpeiros dizerem que na chapona arrumaram as panelas, deram vários tiros e depois atearam fogo nas mesmas e de lá saíram à procura dos índios; que presenciou "Goiano Boiadeiro" dizer: "que havia uma criança deitada numa rede e ele enrolou a criança em um pano e meteu a faca de um lado para o outro"; [28]

Realizada a missão de extermínio e destruídas e queimadas as 2 malocas, retornaram os garimpeiros para os seus barracos, comunicando aos que os aguardavam o "êxito" da incursão assassina.

Os Hwaximëutheri retornaram da coleta de frutos e da festa na maloca do Simão e cuidaram de identificar e chorar seus parentes mortos.

Não puderam, mais uma vez, seguir o ritual completo de tratamento dispensado aos que morrem, mas prepararam fogueiras [29] e iniciaram os processos de cremação.

Segundo narra Waythereoma Hwanxima

“.foram feitas duas fogueiras na área dos tapiris e foram cremados um homem numa e uma mulher e sua filha em outra, esclarecendo que a mulher era a idosa, cega, irmã da informante; que recolheram o restante dos corpos e caminharam meia hora, aproximadamente, a pé do local onde foram mortos e lá fizeram outros tapiris, providenciaram lenha para fazer a cremação dos corpos, sendo seis fogueiras, onde foram cremadas as crianças e uma moça e outra fogueira próxima onde foi cremada uma moça mais velha, esclarecendo que nas seis fogueiras foram cremadas cinco crianças e uma moça; que, no local das duas primeiras fogueiras, onde foram cremados o homem, a velha cega e a criança, deixaram o corpo não cremado da índia dos Homoxitheri, que não tinha parentes, entre os que ali se encontravam, razão pela qual não foi cremada, recordando-se que haviam furos de balas na cabeça e cortes nos braços, barriga, peito, cabeça e pernas; havia também um corte profundo do lado direito da face da mesma, tendo a cabeça ficado aberta"; [30]

Veremos mais adiante que a índia esquecida se chamava Masena, era irmã de Ruruá, e era membro da comunidade Yanomami dos Homoxitheri. Sendo visitante dos Hwaximëutheri, sem parentes que lhe chorassem a morte, tornou-se, com sua presença sem vida, a mais viva lembrança do genocídio! [31]

O êxodo

Os sobreviventes da chacina de Haximu cremaram alguns dos seus mortos lá mesmo nos tapiris e iniciaram sua fuga. Sessenta e nove sobreviventes chegaram, no dia 25 de agosto de 1993, à maloca do Makos, próximo a Toototobi, em território do Brasil.

Contabilizaram como mortos no segundo massacre [32] : Homem adulto de idade avançada, 2 mulheres idosas, sendo uma cega, 3 moças, uma jovem mulher adulta, identificada posteriormente como Masena, a visitante dos Homoxitheri; 3 meninas (1, 7 e 8 anos); 2 meninos (7 e 8 anos); além de vários feridos (Simão, 20; 2 meninas de 6 e 7 anos).

A religiosa Luzia Pereira Leite, conhecida pela designação de Irmã Aléssia, do posto da FUNAI de Xidéia (Xitëtheri)) no dia 17 de agosto de 1993, dirigiu correspondência ao Administrador da FUNASA, Luis Eustorgio Pinheiro Borges, comunicando o relato feito pelo Tuxaua Antônio, onde fez um registro preocupado, pedindo fosse apurada a morte de sete crianças, cinco mulheres, dois homens" e a destruição da maloca. [33]

Garimpeiros em fuga livre

Com o conhecimento público da chacina somente a partir do dia 18 de agosto de 1993, houve transmissão de tal notícia por empresas de radiodifusão no Estado do Amazonas e também Roraima, sendo certo que somente quando os garimpeiros tomaram conhecimento, através da Rádio Nacional da Amazônia, de que o fato fora descoberto, iniciaram sua dispersão, fugindo a partir da pista clandestina Raimundo Nenen velha e dali para a cidade de Boa Vista (RR). [34]   Chegando a Boa Vista, alguns garimpeiros logo tomaram paradeiro desconhecido. Outros permaneceram na cidade e terminaram sendo presos pela Polícia Federal. É o caso de Pedro Prancheta e de Eliézer.

Da tipificação da conduta de genocídio

A ação dos garimpeiros contra os Yanomami de Hwaximëutheri configura o delito de genocídio. Quem usou por primeiro essa expressão foi o jurista Raphael Lemkin, conceituando como:

" O crime de genocídio é um crime especial, consistente em destruir intencionalmente grupos humanos, raciais, religiosos ou nacionais, e, como o homicídio singular, pode ser cometido tanto em tempo de paz como em tempo de guerra." [35]

A Organização das Nações Unidas fez aprovar Convenção para Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio em 1948, a qual foi ratificada pelo Brasil e promulgada através do Decreto n° 30.822, de 6 de maio de 1952.

Nesse ato internacional, são definidos como genocídio os atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, aí compreendido: assassínio de membros do grupo; dano grave à integridade física ou mental de membros do grupo; submissão intencional do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição física total ou parcial; medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e transferência forçada de menores do grupo para outro grupo.

Nessa mesma Convenção há previsão de punição para o genocídio; o conluio para cometer genocídio; a incitação pública e direta a cometer genocídio; a tentativa de genocídio e a cumplicidade no genocídio.

É importante acentuar que a Convenção prevê sejam punidos pelo cometimento de genocídio e dos demais atos ao mesmo equiparados tanto governantes e funcionários, quanto particulares.

Ao lado da previsão na Convenção da ONU, o Brasil editou norma legal interna, específica, criminalizando tal conduta. É a Lei n° 2.889, de 1° de Outubro de 1956:

Art. 1º - Quem, com intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal: a) matar membros do grupo; b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo. Será punido: com as penas do art. 121, § 2º, do Código Penal, no caso da letra a; com as penas do art. 129, § 2º, no caso da letra b;         com as penas do art. 270, no caso da letra c; com as penas do art. 125, no caso da letra d; com as penas do art. 148, no caso da letra e."

Observa o Prof. Heleno Cláudio Fragoso [36] que "todas as ações que configuram o crime de genocídio não se dirigem, em primeira linha, contra a vida do indivíduo, mas sim contra grupos de pessoas, na sua totalidade". Dizendo de outro modo, o Prof. Byron Seabra Guimarães afirma: "a tutela se faz em protegendo a vida em comum dos grupos de pessoas de cada comunidade do povo" [37] .

O genocídio costuma ser chamado de delito de intenção, em razão de se distanciar das condutas típicas do homicídio ou da lesão corporal precisamente pela impessoalidade que reveste a vítima da agressão no genocídio, que é atingida pela única condição de fazer parte do grupo étnico, religioso, etc.

Embora seja sempre presente a idéia de que o genocídio seja praticado por governantes ou funcionários públicos, é pacífico hoje o entendimento de que qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do delito. [38]

Já o sujeito passivo

"...pode ser qualquer pessoa que integre determinado grupo nacional, étnico, racial ou religioso e que seja atingida como tal.”

"Embora a definição do delito se refira a "membros de um grupo", pode configurar-se o crime ainda que um só seja vítima, desde que atingido em caráter impessoal, como membro de um grupo nacional, étnico, racial ou religioso.”

"A pluralidade de vítimas é irrelevante para a configuração do delito, devendo ser levado em conta na medida da pena", segundo ainda observa Heleno Cláudio Fragoso, na obra já citada.

Mas a chave do entendimento da conduta genocida está em analisar e examinar o ambiente em que os grupos em conflito estão situados, qual visão têm um do outro e como são vistos pela sociedade envolvente.

Formulando algumas considerações criminológicas em torno do genocídio, Javier Saenz Pipaon y Mengs [39] aponta algumas atitudes coletivas que costumam ser assumidas por grupos genocidas: um sentimento de frustração real e efetivo, o medo ante a idéia de fracasso, um grande ressentimento (que se vê instrumentalizado em expressa hostilidade, com repressão de pretensões internas, mesmo um orgulho não satisfeito com posição de inferioridade e, especialmente, explosividade psíquica tanto maior quanto maiores forem as diferenças entre o valor publicamente atribuído aos grupos de maneira abstrata ou ambígua e as relações efetivas de poder).

Conclui afirmando que atitudes coletivas de grupos genocidas costumam assumir uma agressividade como válvula de segurança social, uma consciência pseudo-justiceira e uma inafastável idéia de retribuição e vingança.

Para esse Professor da Universidade de Madrid [40] ,

"Um dano provocado e sofrido implica uma reação suficiente. A idéia de retribuição supõe, dentro deste contexto, que o mencionado prejuízo tenha sido infligido de maneira injusta e é princípio fundamental que informa invariavelmente o comportamento do homem primitivo em relação tanto com os membros de seu grupo como com respeito aos das demais comunidades.

Assim, se tomamos o espírito justiceiro como elemento desencadeante do fenômeno genocida, não parece haver nenhum inconveniente em situar este no seio da teoria da retribuição.

Sem embargo, parece mais exato contemplá-lo no contexto de um processo de vingança, que é um problema distinto.

Psicologicamente, a vingança, como assinala Steinmetz, consiste no fato de que a sensação desagradável de ser lesado, ou de crer haver sido lesado, acrescentamos nós, seja neutralizada pela agradável [sensação] de lesar, ou de crer que se haja lesado".

O modelo teórico se enluva com rigor e precisão aos fatos acontecidos em Haximu. Não se pode perder de vista que são apontados como autores do genocídio garimpeiros brasileiros, atuando a partir de pontos de apoio localizados no Estado de Roraima.

O garimpeiro era tido como desbravador, pioneiro, corajoso, forte. O conceito histórico da sociedade não-indígena era tão favorável que o julgou merecedor, no Centro Cívico  de Boa Vista, coração da cidade e sede dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, de uma homenagem marcante, expressa em monumental estátua.

Os índios, por outro lado, não passavam de "selvagens" - que precisam ser civilizados - ou de "caboclos", que perderam sua cultura tradicional e "deixaram de ser índios". Enfim, mantém-se o mesmo estrabismo que desborda o preconceito e ingressa na discriminação.

Ora, o valor publicamente atribuído aos grupos de maneira abstrata  e as relações efetivas de poder que cada um tem consciência de ter se alteraram profundamente, em desfavor dos garimpeiros. O sentimento de frustração real e efetivo e o medo ante a idéia de fracasso, quer pela atuação dos órgãos do Estado fiscalizando e impedindo o exercício de sua atividade, quer pela determinação assumida pelos índios de defenderem suas terras, ampliou o ressentimento existente.

Faltava unicamente o fator desencadeante: a expedição de retaliação dos índios, que veio dar vazão à agressividade como válvula de segurança social, agora assumindo uma consciência pseudo-justiceira, e sua inafastável idéia de retribuição e vingança.

Em ambas as chacinas estão presentes os elementos que tipificam o delito de genocídio. Garimpeiros - como que vistos genericamente - atacam e matam índios - a quem não conhecem pessoalmente pelos nomes, e de quem, individualmente, não têm razão de ter hostilidade - pela só condição de serem índios, membros da comunidade Yanomami dos Hwaximëutheri.

Nenhum dos garimpeiros ouvidos, ou suas cozinheiras, ou os informantes, sabia identificar qualquer índio pelo nome. Nenhum. A vingança contra o Tuxaua Kerrero se deu sobre 6 índios distintos daquele, que não participaram do ato de hostilidade praticado pelo Tuxaua.

Mas, se desde a primeira chacina já se evidenciava a presença da intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo étnico, com a explosão da indescritível brutalidade ocorrida em Hwaximëu, esses contornos ficaram muito mais nitidamente delineados.

A partir da preparação da expedição –contratação de pistoleiros profissionais, tais como Pedão, Goiano Boiadeiro, Parazinho e Carequinha– [41] . não há dúvidas quanto à pretensão visada com a presença desses pistoleiros profissionais. A testemunha Manoel José Santos Soares revelou que "Chico Ceará", João Neto e Cururupu levaram uma turma para fazer a segurança deles e qualquer coisa matassem os índios todos da maloca;" [42]

Silvânia Santos Menezes, a Silvinha, cozinheira do garimpeiro João Neto, em seu depoimento no Inquérito Policial, é categórica: [os garimpeiros] tinham como objetivo matar todos os índios daquela maloca.

Mais. Os garimpeiros, ao chegarem aos tapiris, atiraram indistintamente contra mulheres e crianças, desarmadas e indefesas, além de colhidas de surpresa. A brutalidade atinge até mesmo uma criança de colo, de apenas um ano de idade, que é trespassada por uma faca, em um golpe desferido por Goiano Doido. Tudo isso pela única condição de as vítimas serem Hwaximëutheri.

Aliás, basta ver a relação das pessoas vitimadas para se perceber, em um golpe de olhos, o ímpeto e a intenção genocidas: mulheres idosas e crianças, em sua quase totalidade.

Da materialidade dos fatos

O caso do Genocídio de Haximu também é importante paradigma, no sentido de contribuir para apontar os caminhos a serem seguidos na obtenção e produção de provas em casos criminais.

As vítimas do genocídio são índios Yanomami, quase sem contacto com a sociedade envolvente, e que não têm registro civil de nascimento. Além disso, têm, como tradição e costume, realizar a cremação dos seus mortos, a pilação dos ossos e o acondicionamento das cinzas funerárias em cabaças.

Para documentar essa prática tribal, contou-se com os conhecimentos científicos do antropólogo Bruce Albert [43] .

 Demonstrou-se, ainda, que a própria Justiça Federal em Roraima já havia tomado conhecimento desse costume adotado pelos Yanomami. [44]

Por outro lado, apontou-se que o art. 231 da Constituição Federal reconhece aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições competindo à União proteger e fazer respeitar todos os seus bens. Têm os Yanomami, portanto, direito constitucionalmente reconhecido a darem a seus mortos o tratamento que seus costumes e tradições lhes recomendam e impõem.

Desaparecidos parcialmente os corpos de delito, ainda assim, é exuberante a prova da materialidade dos fatos narrados.

O Auto de Apresentação e Apreensão  de fls. 21 indica que, no local dos tapiris, foi encontrada uma ossada. Os índios esclareceram que deixaram nos tapiris o corpo de uma índia sem ser cremada, por não haver ali um seu parente que lhe chorasse a morte. A índia se chamava Masena, era irmã do índio Ruruá, e morava em Homoxi. Waythereoma Hwanxima explicou, dizendo que

"...deixaram o corpo não cremado da índia dos Homoxitheri, que não tinha parentes, entre os que ali se encontravam, razão pela qual não foi cremada, recordando-se que haviam furos de balas na cabeça e cortes nos braços, barriga, peito, cabeça e pernas; havia também um corte profundo do lado direito da face da mesma, tendo a cabeça ficado aberta"; [45]

Waythereoma Hwanxima viu o ser humano, a visitante amiga, caída e morta. E descreveu as lesões pela mesma suportada, provocadas pelos garimpeiros. Mencionou especialmente os furos de bala na cabeça e o corte profundo da face, ficando com a cabeça aberta.

Os ossos de Masena  foram levados ao Instituto de Criminalística do Departamento de Polícia Federal, em Brasília, o qual produziu Laudo [46] . O testemunho ocular de Waythereoma Hwanxima guarda consonância com a descrição dos peritos.

Além do crânio de Masena, foram examinados os ossos dos seus arcos costais e da coluna vertebral, em razão do que o Laudo é categórico ao examinar a causa mortis:

"Como bem ficou demonstrado na descrição, a coluna vertebral encontrava-se inscrustrada na sua face ventral de vários  pequenos projéteis metálicos compatíveis com carga de espingarda, cujo nível inferior se situava em L3 e o superior em T5. Havia também um projétil na epífese distal da clavícula direita e um outro na face anterior do terço antero-lateral do quinto arco costal direito, além de um orifício produzido por projétil semelhante na pars zigomática da órbita direita. Estes elementos permitem concluir por um disparo de arma de fogo do tipo espingarda, com trajetória de diante para trás e a uma distância que estima-se ter se situado entre 5 e 10 metros. No crânio, posteriormente, foram encontrados vários orifícios localizados nos ossos parietal e temporal esquerdos, produzidos por projéteis semelhantes, desta feita, a uma distância estimada não superior a dois metros, com uma trajetória de trás para diante e da esquerda para a direita.

Embora não dispondo de observações periciais do local do evento, os achados permitem fazer suposições acerca da dinâmica do mesmo. Levando-se em consideração que o disparo frontal que atingiu o tórax, o abdômen e a órbita direita deu-se a uma distância estimada de cinco a dez metros, este deve ter sido o primeiro, quando a vítima encontrava-se provavelmente de pé. Momentos após, em decorrência de provável perda sangüínea vultosa, a mesma deve ter caído, no que o agressor se aproveitou, desta vez de uma distância menor, para desferir o segundo disparo na cabeça". (Laudo, fls. 356 do IP).

Sua conclusão, de que a ossada pertencia a uma jovem índia, entre 18 e 22 anos, está em harmonia com o testemunho dos amigos de Masena.

Por outro lado, houve perícia ainda sobre o material recolhido das fogueiras crematórias, e houve formalização, através de Auto de Constatação, de que os parentes que sobreviveram carregaram cabaças, contendo cinzas acondicionadas dos seus parentes mortos.

Por fim, do massacre houve sobreviventes feridos. Nestes foram realizados exames de corpo de delito.

O genocídio de Haximu perante a Justiça Federal

Vários aspectos jurídicos relevantes foram abordados no Caso Haximu. Ser genocídio, praticado por garimpeiros contra índios, quando muitas das provas obtidas na fase policial não se renovaram na esfera judicial; muitos corpos foram cremados; foi praticado mediante a supressão da vida de alguns membros da comunidade, o que gerou discussão acerca de se equiparar ou não a homicídio, o que influenciaria quanto ao órgão judicial competente para julgar.

Inicialmente, observou-se que, nos crimes de autoria coletiva, forma-se uma sociedade de delinqüentes. Isso significa que não se faz imprescindível descrever meticulosamente a conduta de cada um dos perpetradores.  Acerca do tema, o Colendo Supremo Tribunal Federal tem manifestado o seguinte entendimento:

“Nos casos de autoria conjunta ou coletiva, e, em especial, nos delitos praticados em sociedade, não se faz indispensável a individualização da conduta específica de cada agente (HC 58802, RTJ 100.556 e HC 59.857,  RTJ 104.1002)”. [47]

O Superior Tribunal de Justiça vem aplicando esse entendimento, como se pode verificar das decisões adiante referidas:

“O crime de autoria coletiva não obriga a denúncia a pormenorizar o envolvimento de cada réu, bastando a narrativa genérica do delito, sem que tolha, evidentemente, o exercício da defesa.” [48]

Nos crimes societários ou de autoria coletiva não é imprescindível que a denúncia descreva a participação individual de cada acusado.” [49]

Por outro lado, foi possível obter, na instrução criminal na fase policial, várias confissões. O presente processo penal revela o penoso caminho seguido para que se faça justiça, rompendo o ciclo de impunidade que envolve a atividade dos garimpeiros, vitimando índios.

Os crimes aconteceram em local remoto, às margens do Rio Taboca, Venezuela, no meio da selva amazônica, com acesso feito por aviões (para pistas clandestinas) e, posteriormente, por varações (caminhadas) de alguns dias pela mata. Só vieram a ser do conhecimento do grupo público, externo à comunidade de garimpeiros, mais de um mês após os últimos acontecimentos.

Mas já eram do conhecimento da comunidade de garimpeiros desde o momento em que aconteceram. Isto porque, aparentemente perdidos no meio da selva, encontrarem-se no ponto comum de entrada e saída dos garimpos, que é exatamente a pista clandestina que garante a presença de novos aventureiros, a saída de outros e o abastecimento de todos.

Foi dando batidas policiais sobre as pistas clandestinas, no meio da selva e em fazendas nos arredores de Boa Vista, que a Polícia Federal conseguiu identificar garimpeiros e cozinheiras de garimpeiros que testemunharam e narraram os fatos constantes da denúncia que instruem o presente processo.

Houve confissões extrajudiciais dos acusados, e houve ricos depoimentos de testemunhas, durante a fase policial, alguns porque tiveram modificações no curso da instrução, ou porque pressionados pelos acusados, ou porque o próprio tempo se encarregou de retirar o brilho de suas cores.

O grande argumento do Ministério Público foi no sentido de que as confissões extrajudiciais deveriam ser levadas em consideração no exame do conjunto probatório. Isto porque nenhuma versão veiculada pelos réus teve consistência significante que retirasse a verdade de suas culpabilidades.

Apontou-se que o Supremo Tribunal Federal considerou em diversos momentos o valor das confissões extrajudiciais. E, de modo extremamente significativo, assentou:

“As confissões judiciais ou extrajudiciais valem pela sinceridade com que são feitas ou verdade nelas contida, desde que corroboradas por outros elementos de prova inclusive circunstâncias.

O Inquérito Policial ou Militar pode conter provas, diretas ou indiretas, que, não infirmadas por elementos colhidos na instrução criminal, demonstrem procedência da acusação, justificando a convicção livre do julgador (RTJ 75/ 46-50).” [50]

“Confissão em inquérito policial, testemunhada e não contrariada por outros elementos, tem valor probante.” [51]

“Confissão na polícia que ostenta valor probante, vez que se coaduna com os demais elementos do processo”. [52]

No que diz respeito à autoridade judicial competente, em se tratando de violação a direitos indígenas, a matéria é de competência da Justiça Federal.

Todos esses argumentos jurídicos, até aqui, foram aceitos pelo Juiz Federal em Roraima e pelo Tribunal Regional Federal da 1a Região, em Brasília. Mas, houve divergência quanto ao órgão competente para julgar.

O Ministério Público Federal argumentou que o genocídio teve como vítimas índios Yanomami, pela só condição de serem índios. O que se estaria disputando, e protegendo, no caso, seria o direito coletivo à vida e à segurança dos índios Yanomami, considerados como um grupo étnico distinto da sociedade envolvente. O que os genocidas desafiam é o direito daqueles Yanomami à existência, daí porque sua conduta tipifica o genocídio, que é a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo étnico. Com a criminalização dessa conduta, "a tutela se faz em protegendo a vida em comum dos grupos de pessoas de cada comunidade do povo" [53] . Procurou-se demonstrar que, no delito de genocídio, o valor jurídico (ou o bem jurídico) protegido é a etnia, assim considerada a sociedade comunitária histórica, física e cultural formada pelos membros daquele grupo étnico. Procurou-se demonstrar que, havendo vários modos de se praticar genocídio, o homicídio sobre alguns dos membros do grupo significava apenas o modo pelo qual o genocídio fora praticado naquele caso concreto. Mas não podia ser reduzido a equivaler ou equiparar genocídio a homicídio.

Os pronunciamentos da Justiça

A 19 de Dezembro de 1996, o Juiz Federal em Roraima, Itagiba Catta Preta, reconheceu que o genocídio era delito distinto do homicídio, sendo crime contra a etnia, sendo competente o juiz singular e não o tribunal do júri popular. Assim, proferiu julgamento, considerando procedente em parte a denúncia, sendo condenados Juvenal Silva (Cururupu), Francisco Alves Rodrigues (Chico Ceará), João Pereira de Moraes (João Neto), Eliézio Monteiro Néri (Eliézer) e Pedro Emiliano Garcia (Pedro Prancheta) pelo crime de genocídio, sendo imposta pena de 19 anos e 6 meses aos primeiros, e 20 anos e 6 meses a este último. Os réus foram absolvidos de outros crimes. Houve recurso tanto dos réus quanto do Ministério Público. Deste, para obter condenação por outros delitos. Daqueles, para obter a absolvição, ou a nulidade do julgamento, por entenderem que, tendo havido mortes, a competência seria do Tribunal do Júri.

Perante o Tribunal Regional Federal, houve uma reviravolta. O Tribunal Regional Federal, examinando a Apelação Criminal 1997.01.00.017140-0 RR, decidiu, por maioria, anular a sentença proferida pelo Juiz Itagiba Catta Preta, por entender que, tendo havido morte, a competência para julgar seria do Tribunal do Júri, e não do juiz singular. Esclarecendo seu pronunciamento, o Tribunal confirmou que houve genocídio. Mas, tal delito fora praticado mediante a morte intencional de membros do grupo Yanomami de Haximu, se equiparando, para fins de atribuição da competência para julgar, ao delito de homicídio. O julgamento ocorreu em 30 de junho de 1998, e o Juiz Tourinho Neto, que havia preparado um voto estudado e profundo, de mais de 100 laudas, foi vencido, sendo que a tese vitoriosa foi apresentada com inacreditável poder de síntese, em apenas uma lauda! O argumento vencedor resumiu-se, na prática, em sustentar que houve genocídio, mas o genocídio foi cometido com a morte de membros do grupo. E, se houve morte, foi crime intencional contra a vida. Se foi crime doloso contra a vida, a competência seria do júri.

O Ministério Público Federal não se conformou com esse pronunciamento. Foi muitíssimo importante obter do TRF o reconhecimento de que houvera a prática de genocídio. Mas, havia a necessidade de se modificar o entendimento de que genocídio equivalia a crime doloso contra a vida. Era necessário fazer reconhecer que o genocídio tinha como objeto (ou valor) protegido a etnia, que é o conjunto das vidas humanas que formam uma realidade distinta e além das existências individuais dos membros do grupo.

Em 12 de setembro de 2000, veio o novo pronunciamento, agora do STJ. O caso foi registrado como RESP 222653-RR, sendo Relator o Ministro Jorge Scartezzini. A 5a Turma desse Tribunal, em julgamento unânime, decidiu que, no genocídio, o bem jurídico protegido é a etnia. Genocídio é crime contra a etnia. Portanto, a competência para julgar o delito é do juiz singular, e não do Tribunal do Júri. Reformou a decisão do TRF da 1a Região e restaurou a sentença condenatória do Juiz de Roraima. Os garimpeiros devem continuar condenados e presos. Mas, o TRF da 1a Região deve examinar o mérito das apelações, ou seja, deve examinar se, em tendo havido genocídio, como já admitido e proclamado, os garimpeiros apontados como culpados efetivamente praticaram os atos que lhes foram atribuídos.

Ainda assim, a decisão da 5a Turma do STJ é paradigmática e um importantíssimo precedente. Acolhendo o entendimento de que o genocídio é crime contra uma etnia, o tribunal não apenas faz respeitar o grupo enquanto tal, como também, na prática, planta a semente da esperança de que crimes cometidos contra índios não fiquem impunes, já que o Tribunal do Júri é formado por homens e mulheres da sociedade envolvente, majoritária, a qual ordinariamente absorve o preconceito e a discriminação contrários à justiça, e absolve garimpeiros, fazendeiros, madeireiros e outros integrantes de grupos econômicos e sociais que avançam contra os bens e as pessoas de índios e suas comunidades.

Foi genocídio. O acerto de contas com a sociedade democrática e o Estado de Direito chegou. Os mortos morreram. Os vivos, muito vivos, não ficarão impunes. Esta é a lição de luta e esperança que a decisão do Superior Tribunal de Justiça nos devolve.

Diante da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que lhes foi desfavorável, os garimpeiros entraram com o recurso denominado “embargos de declaração”, alegando que o Tribunal não havia se manifestado sobre questões constitucionais referentes ao julgamento do crime de genocídio.

Em 28/05/2001, a Quinta Turma do STJ rejeitou o referido recurso, por unanimidade, entendendo que sua decisão “abordou por completo o tema”. A decisão foi publicada no Diário da Justiça de 13 de agosto de 2001.

 Nota do editor 



Procurador Regional da República na 1ª Região
Professor de Direitos Humanos na UFPB
Mestre em Direito Público (Londres/1995)
(voltar)



[1] Dados obtidos a partir do Parecer n. 002/CEA/91, proferido no Processo FUNAI/BSB/2192/04, de identificação da Terra Indígena Yanomami e Maiongong, publicado no D.O.U. Seção I, pág. 14.831/14.832;

[2] IBGE, Censo Demográfico de 1991, In "Yanomami Urgente n. 19", publicação a cargo da CCPY.

[3] Barth, Fredrik, Los Grupos Étnicos e sus Fronteras, Fondo de Cultura Economica, Mexico, pág. 11: "O termo grupo étnico é utilizado geralmente na literatura antropológica para designar uma comunidade que: a) em grande medida se autoperpetua biologicamente; 2) compartilha valores culturais fundamentais realizados com unidade manifestada em formas culturais; 3) integra um campo de comunicação e interação; 4) conta com membros que se identificam a si mesmos e são identificados pelos outros e que constituem uma categoria distinguível de outras categorias da mesma ordem" (tradução livre da versão em  espanhol);

[4]   Relatório de conclusão do Inquérito Policial 078/93-DPF/RR que serviu de base para a denúncia e acompanha a ação criminal contra os garimpeiros.

[5] Texto publicado na Folha de São Paulo de 3 de outubro de 1993.

[6] Relatório de Bruce Albert, fls 80

[7] Ação Penal 242/93-RR - Depoimento de Juvenal Silva (Cururupu), fls. 146.

[8] Ver também depoimento de Silvânia Santos Menezes (Silvinha), fls. 176

[9] Ver depoimento de Paulo Yanomami, fls. 100.

[10] Ver depoimento de Maria Dalva Elias Pinto, fls. 234.

[11] Dessa feita vieram Paulo Yanomami, Reikim (ou Reireia), Makuama (ou Makoam), Geraldo (ou Bauxi)  e seu irmão Caperiano (Kaperiano ou Kaperão), e o filho de Waythereoma .

[12]   O bilhete dizia: "Faça bom proveito desses otários". Ele confessa ter escrito um bilhete, em seu depoimento de fls. 214, embora veicule outro teor: "Eliézer, arranje um pouco de rancho para os índios, que quando o meu vôo chegar eu te pago". Essa versão é narrada por Basílio Ferreira, fls. 146.

[13] Versão narrada por Basílio Ferreira,fls 102.

[14] As cremações dos índios mortos pelos garimpeiros são testemunhadas por Paulo Yanomami (fls. 103), Waythereoma Hwanxima (fls. 94).

[15] Dos Hwaximëutheri participaram Uelesi, Davi, Aburão, Kerrero e Paulo; dos Homoxitheri seguiram Macuxi, Abiana (I) e Abiana (II) , o marido de Manihikethereyoma, Sabão (ou Japão), Ruruá, Manoel, Barai; dos Makayuthere foram Chico e Raimundo; e dos Toumahithere Rihori e Kasikekoita. Depoimento de Paulo Yanomami, fls. 103.

[16] As informações são prestadas pelo próprio Neguinho (fls. 54), corroborado pelo depoimento de Casagrande (fls. 57), Pedro Prancheta (fls. 216).

[17] Além dos depoimentos citados, o garimpeiro Aldo José Morais Barros (fls. 150) dá notícia de sua saída, nessas condições.

[18] Manoel José Santos Soares menciona, em seu depoimento (fls. 160). Também Pedro Prancheta, fls. 213 e 220, citando: Pedão, Parazinho, Boiadeiro e Carequinha.

[19] Mencionados nos depoimentos de Pedro Prancheta, fls. 216; Juvenal Silva (Cururupu) fls. 228; Silvânia Santos Menezes (Silvinha) fls. 178 e  232; e Maria Dalva Elias Pinto, fls. 236.

[20] Depoimentos de Pedro Prancheta (fls. 221) e Silvânia Santos Menezes (Silvinha) fls. 176).

[21] Pedro Prancheta, fls. 218; Basílio Ferreira, fls. 146; Relatório de Bruce Albert, fls. 82.

[22] Depoimentos dos sobreviventes Paulo Yanomami, fls. 105; Simão Yanomami, fls. 118; corroborados pelo depoimento de Waythereoma Hwanxima, fls. 96.

[23] Depoimento de fls. 118.

[24] Depoimento, fls. 105.

[25] Depoimento, fls. 97.

[26] Idem, fls. 97.

[27] Depoimento, fls. 218.

[28] Depoimento, fls. 177.

[29] Davi Kopenawa Yanomami, dos Wathoriketheri, recuperou detalhes da fuga dos Hwaximëutheri e precisou os lugares onde foram feitas as fogueiras, tudo constando de mapa de fls. 124.

[30] Waythereoma, depoimento, fls. 98.

[31] Japão Yanomami foi quem revelou o nome da india (fls. 281).  Ela ainda é tratada como pessoa humana nos depoimentos de Waythereoma Yanomami (fls. 98) e Paulo Yanomami (fls. 106). Passa a ser tratada como ossada e corpo de delito nos documentos de fls. 20 (auto de apresentação e apreensão) e no Laudo Pericial (fls. 349 e seguintes).

[32] Relatório de Bruce Albert, fls. 82; depoimentos de Waythereoma Hwanxima (fls. 97) e Paulo Yanomami (fls. 106).

[33] Ver a Carta de Irmã Alessia,  fls. 03.

[34] Ver depoimento de Silvânia Santos Menezes (Silvinha), fls. 178, e de Basílio Ferreira, fls. 147.

[35] R. Lemkin, Le Crime contra l'humanité, le génocide, Actas de la VIII Conferencia Internacional para la Unificación del Derecho Penal, Paris, 1949, pág. 174. Citado por Mengs, Javier Saenz Pipaon y, Instituto de Criminologia, Madrid, 1973, pág. 101.

[36] Fragoso, Heleno Cláudio, Genocídio, in Revista de Direito Penal, n° 9/10, jan.jun.1973, RT.pág. 31

[37] Guimarães, Byron Seabra, Genocídio, in Repositório Oficial da Jurisprudência do STF, n. 19,  pág. 33.Editora Legis Summa. SP.1976.

[38] Veja-se a respeito esses autores e obras citadas, págs. 32 e 33, respectivamente.

[39] Mengs, Javier Saenz Pipaon y, op. cit., pág. 245 e seguintes.

[40] Op. cit., pág. 260.

[41] Pedro Prancheta, fls. 213 e 220.

[42] Manoel José Santos Soares, depoimento, fls. 161.

[43] Bruce Albert, depoimento fls. 111.

[44] Ação Penal n. 92.1559-0, em que o Ministério Público Federal denunciou Benedito Carvalho Moura e Outros pelo cometimento do que se convencionou chamar de chacina de Paapiú, ocorrida em agosto de 1987, quando garimpeiros atiraram e mataram vários índios Yanomami, a autoridade policial realizou exame pericial no sítio de ocorrência do ataque, descrevendo: "IV - DOS CADÁVARES:A aproximadamente (50m) cinqüenta metros do igarapé, encontramos sobre um girau de madeira um corpo (com aparência característica dos silvícolas) envolto em varas (madeira fina) e cipós (funeral característico da tribo Yanomami").

[45] Waythereoma, depoimento, fls. 98.

[46] a) Crânio.

"Apresentava-se desarticulado nas suas suturas sagital, coronária e lambdóide, e exibia fraturas parieto-temporais bilaterais, bem como de esfenóide e etmóide. O maxilar encontrava-se fendido ao meio e as articulações fronto-malares apresentavam-se desfeitas.

Após reconstrução do crânio com cera, observou-se melhor as fraturas existentes, estando ausentes a metade posterior do parietal esquerdo, grande parte da escama temporal esquerda e da grande asa esquerda do esfenóide. Ausente também parte da escama temporal direito. Nos bordos de fratura do parietal esquerdo haviam oito formações em meia-lua, medindo 7 milímetros cada uma, além de dois orifícios situados anteriormente no mesmo osso com idênticas medidas, um deles interessando apenas a tábua externa e com projétil metálico incrustrado na diploe (na projeção interna deste último, a tábua interna encontrava-se fraturada e projetada para dentro do crânio). Na parte mais posterior do osso frontal, algo à direita do bregma, havia uma outra lesão com idênticas características, interessando apenas a tábua externa do osso, com restos do projétil incrustrado . No bordo de fratura do temporal direito, havia uma formação em meia-lua, compatível com saída de projétil. Na pars zigomática da órbita direita, havia um orifício medindo também 7 milímetros com características de ter sido produzido por projétil de arma de fogo de diante para trás" .(Laudo, fls. 350).

[47] STF, RHC 62968/SP, Rel. Min. Octavio Gallotti, 1a. T., julg. 10.5.1985, DJ 31.5.85, p. 8509.

[48] STJ, RESP 4615/90  RJ, 5a. T., Rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini; julg. 8.5.91, RSTJ 25/367.

[49] STJ, RHC 4117/94 SP, 5a. T., Rel. Min. Edson Vidigal, julg. 30.11.94, DJ 6.2.1995, p. 1361.

[50] STF, RCR 1312/RJ, 2a. T., Rel. Min. Cordeiro Guerra, julg. 3.10.73, RTJ 88-3/371.

[51] STF, HC 61 486/SP, 2a. T., Rel. Min. Francisco Rezek, julg. 7.2.84

[52] STF, HC 63265/ SP, 2a. T., Min. Francisco Rezek, julg. 1.10.85, DJ 25.10.85, p. 19147.

[53] Guimarães, Byron Seabra, Genocídio, in Repositório Oficial da Jurisprudência do STF, n. 19,  pág. 33.Editora Legis Summa. SP.1976.

 

 

 
 



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