O juiz Helder
Girão Barreto, da Justiça Federal de Roraima, julgou “improcedente” o pedido
apresentado pelos fazendeiros Walter Miranda e seu filho, Walter Miranda
Júnior; por Miguel Schultz e Ermilo Paludo que, em ação demarcatória ajuizada
em janeiro de 1991, reivindicam a propriedade de fazendas incidentes sobre a
Terra Indígena Yanomami. A sentença está fundamentada no artigo 231 da
Constituição federal, que dispõe sobre os direitos originários dos povos
indígenas às terras que ocupam tradicionalmente. Por se tratar de decisão em
primeira instância, os fazendeiros já apelaram, no início de agosto, ao
Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, em Brasília.
A área
reivindicada pelos fazendeiros está localizada no vale do rio Ajarani,
município de Caracaraí (RR), no extremo leste da Terra Indígena Yanomami, área
de influência da BR-210, a Perimetral Norte. Na ação apresentada à Justiça
Federal em Roraima, os intrusos reclamam direitos de posse e domínio,
apresentando títulos definitivos de propriedade expedidos pelo Incra e
registrados em cartório. A titulação das terras, no entanto, foi feita sobre
uma área tradicional dos Yawaripë, subgrupo yanomami que habita o vale do
Ajarani – região também conhecida como “Repartimento”- conforme atestam documentos mencionados pelo
juiz Helder Girão Barreto em sua sentença.
Erros do
passado
Na apelação
encaminhada ao TRF da 1ª Região, os fazendeiros questionam a tradicionalidade
indígena das terras que reivindicam, reapresentando os títulos expedidos pelo
Incra. Eles argumentam ainda que a própria Funai, na década de 70, havia negado
o caráter indígena das terras e afirmam que sua demarcação pelo órgão
indigenista oficial resulta de uma tentativa de estender a posse Yanomami sobre
tal área.
Na
argumentação contrária às alegações presentes na apelação dos fazendeiros, a
Funai afirma que não há pretensão sobre área não indígena, mas o reconhecimento
dos direitos originários dos índios sobre as terras do Ajarani. Argumenta ainda
que, com base no artigo 25 do Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/73), eventuais
omissões ou erros do órgão indigenista no passado não anulam o reconhecimento
do direito dos índios sobre suas terras tradicionais.
Funai cria GT
para atualizar o levantamento das benfeitorias na área : levantamento
é etapa fundamental para promover a retirada dos invasores do Ajarani
A presença de
fazendeiros e posseiros sobre parte das terras Yanomami no vale do rio Ajarani
é resultado das políticas oficiais de colonização protagonizadas pelo Estado
brasileiro durante o regime militar, na década de 70. Além da construção da
BR-210, que originalmente deveria cortar toda a calha norte do rio Amazonas
desde o Amapá, o projeto previa a transferência do excedente populacional de
outras regiões do país, especialmente do Nordeste, para núcleos de colonização
a serem instalados ao longo da estrada.
O infortúnio
dos Yawaripë teve início quando a construção da estrada alcançou o Ajarani,
disseminando doenças e mortes, e desestruturando o modo tradicional de vida
deste subgrupo Yanomami. Ao longo do primeiro ano das obras da Perimetral,
cerca de 22% da população dos Yawaripë sucumbiu às doenças transmitidas pelos
operários. Apesar da presença indígena, registrada pelos órgãos governamentais,
em 1977 o Incra criou o Distrito Agropecuário de Roraima, assentando na área
dos Yawaripë produtores rurais (leia a respeito no Boletim Yanomami nº 18).
Entretanto, os Yawaripë se mantiveram na região, disputando a posse da terra e
dos recursos naturais com os intrusos. Mesmo com a demarcação e a homologação
do Ajarani como parte da Terra Indígena Yanomami em 1992, os invasores
permaneceram na área, ampliando benfeitorias e reivindicando a propriedade das
terras.
Há anos
os Yanomami reclamam uma solução para o caso. Nos últimos meses, intensificaram
a demanda pela retirada dos invasores junto à autoridades do governo federal.
Em agosto último, o presidente da Funai, Glênio Alvarez, assinou uma portaria
determinando a criação de um grupo de trabalho para atualizar um levantamento
de 1993 sobre as benfeitorias de boa-fé erguidas pelos fazendeiros e posseiros
no Ajarani. Segundo Artur Nobre Mendes, diretor de Assuntos Fundiários da
Funai, os trabalhos da equipe em campo foram interrompidos logo após seu início
por causa de uma greve de servidores. A expectativa, segundo Nobre Mendes, é de
que estejam concluídas em até 30 dias depois de reiniciados. A etapa seguinte
será promover o pagamento das indenizações aos invasores pelas benfeitorias, o
que poderá ser iniciado ainda este ano.