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Yanomami na Imprensa
Data: 9 - Dezembro - 2002
Titulo: Expedição na Amazônia resulta em cooperação com índios
Fonte:
O Estado de São Paulo
Médicos de Campinas iniciam projeto de colaboração para atendimento médico a ianomâmis do Amazonas.
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Campinas
- Uma viagem de aventura entre amigos pode resultar em um projeto de cooperação
de longo prazo entre médicos paulistas e uma comunidade ianomâmi
do Alto Rio Negro. A expedição, realizada durante 20 dias do mês
de novembro, reuniu sete homens, entre os quais três ortopedistas, um
anestesista, um fotógrafo, um economista e um professor de educação
física, com idades entre 37 e 50 anos. O objetivo era alcançar
o Pico da Neblina, próximo às fronteiras com Venezuela e Colômbia.
Mas na bagagem, além dos apetrechos para enfrentar a mata, seguiram 250
quilos de remédios e a disposição de conhecer e colaborar,
em suas especialidades, com os índios de Maturacá, a maior comunidade
ianomâmi no Amazonas.
Idealizador
da viagem, o ortopedista Ricardo Affonso Ferreira passou sete meses organizando
a empreitada, desde roteiro e infra-estrutura até as autorizações
para visitar a terra indígena e a relação de medicamentos
que deveria ser levada, conseguida com a organização não-governamental
(ong) Urihi, responsável pela saúde dos ianomâmis no estado
vizinho, em Roraima. “Sempre quis conhecer esse pedaço quase paradisíaco
da Amazônia, mas aliando a um trabalho voluntário, que me permitisse
entrar em contato com esse povo”.
Outro
objetivo de Ferreira é realizar uma pesquisa sobre patologias referentes
a luxação congênita de quadris, pé torto congênito,
escoliose e encurtamento de braços e pernas. “O estudo seria uma
avaliação clínica da comunidade e, depois, a comparação
dos resultados com a incidência dessas doenças na população
mundial. Há um grupo de índios no extremo norte do Canadá,
por exemplo, que tem uma incidência maior de luxação congênita
de quadril do que o resto da população”, disse.
Segundo o médico, conhecer a freqüência dessas patologias
congênitas em um povo caracterizado pelo isolamento e consangüinidade,
porém, é um projeto ainda em “fase de namoro”. “Desde
os primeiros contatos com o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Sanitário
(IBDS), organização social responsável pela saúde
da comunidade, percebi que havia outras prioridades a serem atendidas”.
Localizada
em área de sobreposição ao Parque Nacional da Neblina,
Maturacá fica a cerca de 350 Km da sede do município de São
Gabriel da Cachoeira, distância percorrida em aproximadamente seis horas
de carro e dois dias de barco. É uma das maiores concentrações
de ianomâmis, que normalmente vivem em comunidades de umas cem pessoas.
Até pouco tempo, a população da região, conhecida
como Cauaburis, era de cerca de 500 pessoas, mas com a melhoria no atendimento
médico básico, a mortalidade infantil caiu drasticamente e hoje
somam 1.250 pessoas. Somente em Maturacá, são cerca de 850 índios.
Ferreira
explica que esses cuidados, principalmente com a malária e a tuberculose,
não são suficientes para melhorar a qualidade de vida dos índios.
“Com o aumento da população, vem também o aumento
da pobreza e das demandas. Apesar de formarem uma nação fortíssima,
há problemas que precisam ser resolvidos para que a população
não empobreça e perca sua identidade”. Entre os problemas
detectados pelos médicos da expedição, estão a falta
de higiene e a desnutrição. “Há poucas hortas e chegamos
a encontrar crianças com os cabelos claros, que no caso de uma população
indígena isolada é um sinal de problemas nutricionais. Essa característica
vai desaparecendo conforme a criança cresce.”
Programando
cirurgias
Apesar
de terem conseguido todas as autorizações e contarem com o apoio
do titular da missão católica em São Gabriel da Cachoeira,
os primos Ricardo, Martin e Henrique Affonso Ferreira, mais os amigos Patrick
de Nadau, Eurico Campos, Jorge Abud, todos de Campinas, e o neozelandês
Gordon Hawie -, foram recebidos com alguma resistência e levaram tempo
para ganhar a confiança dos índios e dos responsáveis do
IBDS. “Essa desconfiança e superproteção é
razoável, levando em consideração experiências vividas
pelos ianomâmis, mas conseguimos vencer as barreiras e passar dois dias,
na volta do Pico da Neblina, examinando os problemas ortopédicos da localidade”.
Foram diagnosticados casos de cirurgia e de fisioterapia, como um menino com
a mão bem fechada, que precisava apenas de exercícios e estímulo
para resolver o problema. “Conversamos com a mãe, para que ele
brinque com a mão”.
Entre
os casos mais graves, estavam uma seqüela de fratura exposta de tornozelo,
em um rapaz que caiu de uma árvore, e uma bioartrite de quadril, em uma
moça de 16 anos, com dificuldade de locomoção. “Selecionei
quatro casos para operar em São Gabriel da Cachoeira. Visitamos o hospital
de lá, que é muito bem equipado e cuidado pelo Exército.
Pretendo levar daqui as placas, parafusos, tudo o que for preciso, e uma equipe,
com anestesista e instrumentadora, para me acompanhar”.
Para
viabilizar esse projeto, o médico está conversando com possíveis
parceiros, como a Unimed de Campinas e o laboratório de genéricos
Medley, que doou os medicamentos levados na excursão. A intenção
é conseguir recursos para bancar duas viagens por ano de médicos
para realizar cirurgias, inclusive de outras especialidades, e também
colaborar com outras necessidades, como equipar o posto médico com microscópios
e computadores, manter o estoque de remédios e promover cursos para os
cerca de 15 agentes de saúde da comunidade.
“Maturacá
conta com um médico e uma enfermeira, mas sua área de atuação
é grande e eles circulam bastante. Para ir a uma aldeia chamada Umaiá,
por exemplo, precisam andar dois dias de barco e um a pé para chegar”.
Essa deficiência foi sentida pelos médicos da expedição,
que tiveram que atender um rapaz, com cortes profundos causados por uma briga.
Outra
preocupação do médico é ajudar a equipar a escola,
mantida por padres salesianos, e conseguir alternativas de sobrevivência
aos índios, como abrir canais para a comercialização de
artesanato. Segundo Ferreira, existem soluções simples, que poderiam
melhorar em muito a qualidade de vida da comunidade, que não estão
sendo exploradas.
Caçadores-agricultores
A
população total dos ianomâmis, situados em ambos os lados
da fronteira Brasil-Venezuela, é estimada em 26 mil pessoas. No lado
brasileiro, são aproximadamente 12.800 índios, vivendo em 228
comunidades nos estados do Amazonas e Roraima. A Terra Indígena Ianomâmi,
reconhecida em 1992, cobre 96 mil Km2 de floresta tropical e tem alta relevância
para proteção da biodiversidade amazônica.
Formada
por uma sociedade de caçadores-agricultores, cujo contato com a sociedade
nacional é relativamente recente, os ianomâmis têm na expansão
garimpeira sua maior ameaça. Segundo a ong Urihi, os cerca de 400 a 800
garimpeiros presentes nas terras ianomâmis estão tendo relações
sexuais, distribuindo munição e estimulando conflitos entre as
aldeias. Além disso, quase 60% de seu território está coberto
por requerimentos e títulos minerários registrados no Departamento
Nacional de Produção Mineral.
Maura Campanili
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Coordenação Editorial:
Bruce Albert (Assessor Antropológico CCPY) e Luis Fernando Pereira (Jornalista CCPY)
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