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Depois
que mataram a grande onça, assassina de sua mãe, os gêmeos
Omawë e Yoasiwë partiram pelos rios da Amazônia numa jangada.
Fizeram uma longa viagem até chegar ao leste, construindo durante o trajeto
abrigos para dormir. Lá, onde o céu está inclinado em direção
ao chão, apoiado por grandes barras de metal, eles se fixaram.
Omawë é o herói criador Yanomami. Não um deus, messias,
ou qualquer outra figura de adoração. Foi um dos primeiros viventes.
“Ele que ensinou aos Yanomami como pescar, como manusear instrumentos,
como diferenciar as plantas venenosas das comestíveis, como plantar e
guerrear”, explica Ivanildo, da comunidade dos Wawanaiu teri, região
do Alto Rio Negro, no Amazonas. Há 28 anos ele trabalha para a FUNAI,
como intérprete junto à população Yanomami.
“Foi ele que enterrou bem fundo nos solos da floresta as grandes epidemias,
xawara, junto aos belos metais, e falou dos seus perigos”.
Tudo esteve bem, até chegarem os napë pë. Esses seres, totalmente
diferentes dos Yanomami, vinham também do leste. Haviam invadido e ocupado
as casas construídas pelos gêmeos, imitaram sua jangada e procuravam
ansiosamente pelos metais preciosos. Desenterram o ouro, derrubaram as árvores
e, assim, liberaram a xawara. Os destrutivos napë pë, os estrangeiros,
são todos aqueles que não são Yanomami. Somo nós,
da sociedade que os envolve.
Dessa forma os Yanomami interpretam os surtos de sarampo, malária, tuberculose
e gripe que os assolaram durante essas décadas de contato. E, apesar
do termo napë designar tanto alguém que não é parte
de sua sociedade como um inimigo, eles diferenciam os que trouxeram esses males
conscientemente e os que foram meros instrumentos dos demônios da xawara.
As conseqüências desse contato ainda estão vivas em todos
os recantos dos 9.419.108 hectares da área Yanomami. Seja pela persistência
de epidemias como a da malária, seja pela transmissão de doenças
sexualmente transmissíveis, pela degradação de sua cultura
e forma de vida, ou bem longe, nas distantes florestas dos napë pata (líderes),
onde há poucas florestas e o ar é insuportavelmente quente: Brasília.
O
que é ser Yanomami - Apesar do termo Yanomami designar um povo
dentro de um espaço territorial comum, há diferenças culturais
significantes. Há pelo menos quatro línguas, cujas raízes
são isoladas dos grandes troncos indígenas brasileiros. O Yanomami,
Ninam, Sanima e Yanomam. Mesmo dentro dessas quatro línguas há
grandes diferenças entre os inúmeros sub-dialetos, o que muitas
vezes torna incompreensível a conversação entre Yanomami
de regiões como Auaris e Marauiá, por exemplo.
Perimetral
Norte – Um dos principais marcos da história do contato
é a estrada Perimetral Norte, ou melhor, o trecho que restou dela, pois
foi quase toda absorvida pela floresta. Hoje, ela é utilizada para os
Yanomami se locomoverem entre as comunidades do Ajarani, Catrimani e Demini.
Acompanhei Xiki, um wãro pata, líder Yanomami da região
do Hakoma, enquanto andava devagar pela estrada, ainda tentando entender as
motivações daquele gente que levou tão longe “grandes
tubos de metais para correr a água”, os encanamentos. Ele se dirigia
a um encontro de líderes que estava ocorrendo na comunidade do Demini.
“Quando o estrangeiro vem, suja a água, flecha as caças.
Não os quero, esses estrangeiros. Quero guardar minha floresta”.
Lembrou-se então do mingau de banana, que já estava sendo servido
na grande casa comunitária, yano ou xapono, aos convidados que chegavam.
Mas, se o desejo de tomar o mingau era grande, o medo era maior ainda. Mais
tarde, confessaria. “Tive muito medo, muito mesmo, para vir a esta outra
floresta (onde vive outra comunidade). Mas pensei muito e vim. Vim e estou feliz
porque muitos Yanomami estão aqui discutindo, escutando”.
As obras da Perimetral Norte, a BR-210, tiveram início em julho de 1973,
inauguradas pelo então presidente Emílio Garrastazu Médici.
Os 4 mil quilômetros da estrada ligariam o Acre ao Amapá. Era um
projeto grandioso, desenvolvido pelo Conselho de Segurança Nacional para
o Programa de Integração Nacional.
Em 1973 o trecho do estado de Roraima foi iniciado. Foram apenas 211 quilômetros,
partindo da BR-174, próxima ao município de Caracaraí.
Um trecho não muito longo, mas que penetrou o suficiente para mudar a
vida dos Yanomami.
Em contato direto com os trabalhadores da empresa construtura, a Camargo Corrêa,
os Yanomami das regiões do Catrimani e Ajarani conheceram os pequenos
benefícios e o lado perverso desse encontro. Estima-se que mais de 50%
da população de quatro comunidades do Catrimani e 22% dos Yanomami
da área do rio Ajarani morreram de epidemias de gripe, sarampo, tuberculose
e malária, entre outras.
As obras foram suspensas por falta de verbas em janeiro de 1977, data planejada
para o término da Perimetral Norte. Entretanto, o estrago já estava
feito.
A própria comunidade do Demini é uma prova da resistência
desse povo que passou por inúmeras provações. Após
o contato destrutivo com os napë, sobreviventes de vários xaponos
da região do Catrimani resolveram juntar-se, próximos ao Watoriki,
a serra dos ventos, um belo local, abundante em caça e sem casos de malária,
uma espécie de recompensa a tudo o que passaram.
Os
problemas do contato – Um dos principais medos dos Yanomami hoje
é em relação ao garimpo. Mesmo as comunidades que nunca
tiveram contato com esse tipo de exploração conhecem seus efeitos
devastadores no meio que é realizado. “Eu os conheço, os
garimpeiros”. Assim dizia Moraes, pata da região do Aracá.
“Eles têm mercúrio, o colocam na água. Ele não
desaparece. Mata a água, mata os peixes. Devo guardar a floresta (Urihi),
pois teremos fome. Mel, água, viado, mutum, eu tenho que guardá-los,
senão me ridicularizo”.
É um medo fundamentado. Relatório do projeto Radam Brasil, divulgado
em 1975, revelou a existência de metais preciosos no subsolo das terras
Yanomami, como cassiterita e ouro. Isso causou uma grande corridade garimpeiros
à região. Mais de 100 pistas de garimpo clandestinas chegaram
a operar no curso superior dos principais afluentes do Rio Branco, como o Catrimani,
Mucajaí, Uraricoera e Parima.
Os anos de 1986 a 1989 assistiram à explosão do garimpo. Cerca
de 40 mil garimpeiros, 5 vezes a população Yanomami de Roraima,
estavam ilegalmente dentro da área. Entre 1986 e fevereiro de 1990 aproximadamente
1.800 Yanomami morreram., levando ao desaparecimento de comunidades inteiras
e ao completo desmoronamento da estrutura sócio-cultural, ao depender
dos cuidados dos napë pë, eles próprios os culpados em levar
as xawara.
Confirmando o grande valor das terras Yanomami, um relatório do governo
de Roraima de 1989 revela que essa área estava quase que totalmente coberta
por 451 requerimentos de prospecção mineral registradas no Departamento
Nacional de Produção Mineral. Eram empresas públicas e
privadas, nacionais e multinacionais.
Os
Yanomami representam hoje a maior população das Américas
com menor grau de interferência pela sociedade envolvente. A população
no Brasil foi recentemente estimada em aproximadamente 11 mil pessoas, segundo
dados do Distrito Sanitário Yanomami/RR – Fundação
Nacional de Saúde, 1999, vivendo em 94.000 km2 entre os estados do Amazonas
e Roraima. Calcula-se que na Venezuela vivam mais 12 mil Yanomami. A área
onde vivem é rica em ouro, cassiterita e minérios radioativos.
A
língua Yanomami
Para
a transcrição da língua Yanomami foi adotado o mesmo sistema
do linguista Henrique Ramirez, em 1994. Nele, as vogais a, e, i, o, u são
pronunciadas da mesmo maneira que no português. Há a inclusão
de duas novas vogais: i (soletra-se iu, com um rápida interrupção
ao final) e ë (cujo som é algo próximo entre e e o). Utilizam
11 consoantes: h, k, m, n, p, r, s, t, w, x, y.
As
áreas com mais problemas
Surucucu
– região de Feijão Queimado ainda tem garimpo;
difícl convivência entre os napë (que incluem soldados do
quartél e funcionários da FUNAI e de ONGs) e yanomami
Paapiu – continua funcionando a pista Fernando de garimpo
Parafuri – Pista de pouso para garimpo
Waikás, Palimiu e Aracaçá – apesar
de serem áreas de difícil acesso, têm garimpos.
Erikó – novo quartel do exército brasileiro
sendo construído.