Selecione o Periodo:
De
   
Até
 

 



Clique e acesse o projeto Cartografia Yanomami
 
Clique e acesse !
 
Clique e acesse !

 

Pesquisa Geral
 

Brasília,     


.  

 

 

 


Untitled Document

Esta seção procura seguir toda a atualidade Yanomami no Brasil e na Venezuela. Apresenta notícias produzidas pela Pró-Yanomami (CCPY) e outras ONGs, bem como notícias de imprensa. Propõe também comentários sobre eventos, publicações, exposições, filmes e websites de interesse no cenário Yanomami nacional e internacional.

Notícias CCPY Urgente

Data: 1 - Março - 2002
Titulo: As corajosas mulheres Yanomami
Fonte: Portal Starmedia - Luis Fernando Pereir

Untitled Document

O dia para Kanima se inicia bem antes do alvorecer. Enquanto os filhos, o marido Neoso e demais homens Ianomâmis ressonam tranqüilamente nas redes ao seu lado, ela e as outras mulheres da comunidade dos Raharapiwei teri pë passam a madrugada despertas mantendo acesas as fogueiras que aquecem as famílias na noite fria da floresta. Uma função importante, já que o fogo ocupa posição central nos espaços que dividem a grande casa comunal, yahi ou yano. Importante, porém cansativa, ainda mais naquelas circunstâncias.

Grávida já há oito meses, ela sente fortes dores. Após pegar mais lenha para alimentar o fogo, deixa-se cair com fortes contrações. Geme, mas ninguém vem acudí-la. Todos já estão despertos pelos seus gritos, porém permanecem impassíveis em suas redes. Nem poderiam fazer nada: quando a mulher está em trabalho de parto, os homens não podem sequer fitá-la. Tentando disfarçar a dor, Kanima começa a cantar compulsivamente.

Apenas quando o choro do recém-nascido é ouvido, Roomea, a mais idosa da comunidade dos Raharapiwei teri pë, se levanta e vai ajudá-la. Cabe a ela cortar o cordão umbilical, com uma fina palha. Kanima permanece sentada, exaurida, segurando a criança até os raios do sol nascente incidirem no interior da casa. Enquanto as outras mulheres embrulham a placenta em folhas e a enterram fora da casa, Neoso volta a dormir.

No dia seguinte, nada de descanso. A única tarefa cotidiana que ela não realiza é cortar lenha na floresta, já que ainda está debilitada. Mesmo assim, é obrigada e pedí-la a outras mulheres, para assegurar o calor que acalentará sua família à noite. Visivelmente fraca, prepara bananas assadas para o marido, que agora pode retornar a comer uma série de alimentos até então proibidos, como a carne do inambú e alguns tipos de peixe. Ela precisa continuar, como já fez antes com suas duas outras filhas, como fez sua mãe, sua avó e tantas outras. Não há como a mulher parar na praticidade do dia-a-dia Ianomâmi.

Entretanto, essa aparente imobilidade social das mulheres ianomâmis é ilusória. Disfarçados por uma conduta que em determinados momentos remete à passividade total, existem mecanismos sutilmente criados para permitir sua participação. Durante as noites, os wãro pata pë (grandes homens) praticam o hereamou, prática cotidiana do discurso, da qual só podem participar os Ianomâmis que realmente provaram seu valor como “seres humanos”; seja através da caça, do duro trabalho diário na roça, da valentia demonstrada em situações extremas e, principalmente, do domínio da arte da argumentação.

Com tais requisitos excludentes, não é surpresa constatar que as mulheres não podem falar nesses momentos. Entretanto, alojados em suas casas e abrigados pela escuridão noturna, os homens só conseguem enfrentar as idéias dos outros guiados pelos murmúrios das mulheres. Atentas ao cotidiano da comunidade, elas sabem exatamente quem foi ou não trabalhar, os que roubaram comida, aqueles que seduziram as mulheres dos outros. São fontes importantes de informações, manipulados segundo sua própria lógica de interesses.

Em alguns casos, as mulheres conseguem se afirmar como lideranças de fato. Como ocorre com Carlita, da comunidade dos Wanapiu teri pë, residentes junto a um posto de atendimento. Principal esposa do falecido wãro pata Roberto, é consultada hoje antes de qualquer decisão importante ser tomada. O fato de ser viúva de uma respeitada liderança não aumentaria, automaticamente, seu status. Mas sua postura firme e decisiva, principalmente no tocante à criação de suas filhas, garantiu papel de destaque.

Uma de suas filhas é Dalvina, hoje casada com Renato, da comunidade dos Parawau teri pë, e mãe de três filhos. Como Carlita, mesmo após se separar do primeiro marido, investiu contra as convenções ao insistir em criá-los sem a ajuda de homem algum. Mesmo sendo freqüentadora assídua da escola, com destacado interesse, encontrou tempo para trabalhar e garantir a alimentação dos filhos e a família.

Entretanto, a luta pela plena participação das mulheres nas escolas não está inacabada. Os preconceitos iniciais quanto à formação de turmas mistas foram vencidos quando as estudantes provaram absorver e entender mais rapidamente dos que os homens os conceitos levados pelos napë pë (estrangeiros), incluindo o próprio mistério da escrita: të ã oni (os desenhos que representam o sons). Sem a presença de suas esposas, filhas ou conhecidas, os Ianomâmis muitas vezes se perderam num emaranhado de novas idéias, totalmente estranhos ao seu processo de aprendizagem. Foi só quando Lúcia, a segunda esposa de Marcelo, começou a estudar que ele compreendeu os princípios da nossa matemática. Essa condição de Lúcia, aliás, não a agrada nem um pouco: foi prometida pelo pai e, quando estava prestes a tornar-se professora, engravidou.

O passo mais importante nessa batalha foi dado recentemente. Lena, uma pequena Ianomâmi, com apenas 13 anos de idade, tornou-se professora na sua comunidade, a dos Uxiximapiu teri pë. Alfabetizada inicialmente por missionários protestantes do Novo Demini (região à margem do rio Demini, afluente do Rio Negro), ajudava no andamento da escola durante a atuação como professor de Romeu,filho do wãro pata local. Seu interesse a fez tomar o comando das aulas, cada vez mais deixadas de lado pelo desinteressado Romeu. A primeira professora Ianomâmi do Parawa u, entretanto, não singrou águas calmas para chegar ao seu destino.

O fato de ser mulher e ainda jovem foi uma barreira inicial, não só pelos comuns argumentos preconceituosos, mas pelas dificuldades inerentes. Quando uma mulher Ianomâmi jovem tem a menstruação, ela se recolhe, algumas vezes fica incomunicável. Não pode comer uma série de alimentos, apenas banana. Nem ao menos se sentar diretamente ao chão é permitido. Na primeira vez que ocorre a menstruação, a menina é colocada dentro de um abrigo, construído com paus e ramos, e se deita apenas em redes de cipó, nunca de algodão.

Como conciliar então um calendário escolar, com encontros periódicos de professores e cursos constantes, com momentos como esse? A resposta, correta ou não, vem da atitude corajosa da própria Lena que, em mais de uma ocasião, desafiou os costumes e fez questão de participar de um curso. Sozinha entre vários homens, teve seu corrimento do mês quando estava de pé, escrevendo na lousa. Sem se abalar, só após terminar o problema matemático retirou-se da sala.

Mais do que qualquer outro professor, sabe a importância de sua imagem. Por isso, diariamente se prepara para aula. Coloca talos compridos e finos de madeira nos orifícios em seu nariz e logo abaixo os lábios inferiores. Nas orelhas, flores horehore ou brincos de bacaba, Com urucu, desenha sinuosidades no rosto e no corpo. As miçangas adornam os braços e se cruzam no peito. Antes desse cerimonial, não há escola.

Enquanto ministra a aula, suas irmãs Lola e Teosa se esforçam para cozinhar as batatas. As duas são esposas de Akriyo que passou o dia na roça trabalhando, e que chegaria faminto mais tarde. Elas também só comeriam quando ele retornasse. Apesar de Lena estar desobrigada quanto aos deveres diários, as outras mulheres, mesmo as interessadas na escola, partem para a floresta, buscando satisfazer as necessidades básicas das suas famílias. Enterrar as mãos no lodo das beiras do igarapé buscando os caranguejos oko pë, puxando pequenos peixes yuri pë, e identificando os locais onde há pupunha (raxa si) e açaí (mai ma si).

Começa a anoitecer. Os casais de arara começam a gritar, voando sempre juntos ao seus abrigos. As mulheres começam a retornar apressada, trazendo ora água, ora lenha, mas sempre com as crianças a tiracolo. Os homens, já todos deitados, comentam o dia. As mulheres retornam aos seus deveres e preparam o fogo, sem nunca ter a esperança que o dia vá começar apenas com o alvorecer. Afinal, como pode haver um dia se elas desconhecem a noite?

Untitled Document
Coordenação Editorial: Bruce Albert (Assessor Antropológico CCPY) e Luis Fernando Pereira (Jornalista CCPY)


 

 

 


  Para informações adicionais favor enviar

  e-mail para o escritório central da
  Comissão Pró-Yanomami no seguinte
  endereço:
   
  proyanomamibv@proyanomami.org.br
   

Comissão Pró-Yanomami © 2007
A comissão incentiva a veiculação dos textos desde citadas as fontes.