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Brasília,     


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Esta seção procura seguir toda a atualidade Yanomami no Brasil e na Venezuela. Apresenta notícias produzidas pela Pró-Yanomami (CCPY) e outras ONGs, bem como notícias de imprensa. Propõe também comentários sobre eventos, publicações, exposições, filmes e websites de interesse no cenário Yanomami nacional e internacional.

Notícias CCPY Urgente

Data: 1 - Setembro - 2002
Titulo: Cercados pelo perigo Ianomâmis lutam para sobreviver e preservar a floresta
Fonte: Revista Problemas Brasileiros, nº 353, Luis Fernando Pereira

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Foto: Luis Fernando Pereira

É justificado o temor dos ianomâmis diante das notícias sobre o projeto de lei 1.610/96, que dispõe sobre a exploração mineral em terras indígenas, atualmente em tramitação no Congresso Nacional. Determinados pontos da proposta, de autoria do vice-líder do governo no Senado, Romero Jucá (PSDB-RR), causaram espanto ao reforçar o conceito de tutela sobre as populações indígenas, consideradas incapazes de gerir os recursos de compensação pela extração de minérios em suas terras (mínimo de 2,5% e máximo de 25% sobre o faturamento bruto da comercialização do produto mineral), cuja administração ficaria a cargo da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Ministério Público Federal.

Se as comunidades atingidas não têm capacidade para utilizar o dinheiro obtido com a exploração de suas terras, como pressupor que estariam preparadas para enfrentar o impacto e a degradação resultantes?
Confirmando o alto grau de interesse pelas riquezas naturais das terras ianomâmis, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) tem registrados 554 pedidos para extração de minérios naquela área, totalizando quase 60% de toda a região. Lembremos que a demarcação de terras indígenas é feita levando em conta o espaço para atender suas necessidades habituais.

"Já sabemos as palavras dos líderes napë pë (homem branco). Eles dizem que o que está debaixo da nossa terra, o minério, é deles, e o que está na superfície é nosso. Mas como eles vão tirar o que está embaixo sem estragar o que está em cima?", questionou Davi Kopenawa, wãro pata (ancião) de grande projeção, durante um encontro entre lideranças e professores ianomâmis. Nessa oportunidade, eles redigiram uma carta de protesto contra o projeto de lei, dirigida ao presidente Fernando Henrique Cardoso, à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal (ver texto abaixo).

Segundo a sabedoria ianomâmi, o solo que pisamos hoje foi o céu dos antepassados que desabou. Ao escavá-lo, estamos ameaçando não apenas suas formas de sobrevivência material, mas a própria estrutura da existência. Os metais tão desejados são originalmente pedaços do céu que desabou e foram enterrados por Omawë, com a advertência de que, caso fossem retirados do seio da terra, liberariam temíveis pestilências.
O wãro pata dos Parawau teri pë, Ayeheriwë, sentencia: "Quando morrermos todos nós, ianomâmis, quando todos os xapori (pajés) morrerem, quem irá sustentar o céu? Os hekura (espíritos) da floresta ficarão furiosos e o céu cairá novamente. Não pensem que ele não cairá. Assim foi há muito tempo. Vocês, napë pë, também morrerão quando o céu quebrar".

Gênese

No princípio, nada de trevas. A luz irradiava plena e perpetuamente, em dias intermináveis. Era o tempo anterior à noite, quando os jovens, sem a tênue segurança que o escurecer oferece, copulavam em frente dos olhos indignados dos outros. Quando as antas ainda andavam sobre os galhos das já centenárias árvores da floresta, as onças não possuíam garras e eram barulhentas. Quando o uso de tabaco ainda causava medo, quando ainda não se comia banana e o fogo era uma esperança depositada dentro da boca do jacaré. Era o tempo dos primeiros seres humanos, os ianomâmis.

"Naquela época, não havia napë pë. Os antepassados eram ignorantes ainda. Não sabiam fazer descer os espíritos, não inalavam o alucinógeno para chamá-los. Comiam os alimentos crus, pois não sabiam fazer fogo. Também não sabiam fazer roças. Não conheciam facas, terçados, panelas de metal. Apenas coletavam os alimentos na floresta", explica o professor Ivan Xotokomapiu teri.


Língua ianomâmi Para a transcrição da língua ianomâmi foi adotado o mesmo sistema criado pelo lingüista francês Henrique Ramirez em 1994. Nele, as vogais a, e, i, o, u são pronunciadas da mesma maneira que em português. Há a inclusão de duas novas vogais: i (soletra-se iu, com uma rápida interrupção ao final) e ë (cujo som é algo próximo entre e e o). O sistema utiliza 11 consoantes: h, k, m, n, p, r, s, t, w, x, y.

Os ianomâmis classificam de napë pë todos aqueles que não constituem povos da floresta, e de urihi teri pë os que não são ianomâmis, ou seja, membros da sociedade envolvente. Não coincidentemente, é o termo que também designa inimigo.

Os tempos antigos não foram fáceis. Para se tornarem ianomâmis, eles passaram por grandes provações, aprenderam a viver com o que a floresta lhes oferecia, a fazer roças, a descobrir o mundo.

"Naquela época não havia noite. Por isso Horõnami (um dos primeiros ianomâmis) ficava muito bravo quando via os outros copulando perto, e então saía para a floresta. Lá, ele ouviu o canto do mutum. Foi o que pensou, mas era Ruwëri (o espírito da noite). Horõnami subiu serras procurando por ele, queria flechá-lo. Quando conseguiu e Ruwëri começou a sangrar, a noite surgiu." Assim relata Maku, da comunidade dos Ixirewë teri pë, ianomâmis residentes na Venezuela, durante sua visita à xapono (casa comunal) dos Wanapiu teri pë. "Foi Horõnami quem nos ensinou a usar o tabaco. Antigamente eles pensavam que iriam morrer se usassem o tabaco, pois ainda não pensavam corretamente. Ele também ensinou como inalar o alucinógeno epena e a chamar os hekura pë (espíritos)."

As versões das histórias variam de região para região, de comunidade para comunidade. Considerando apenas a abrangência da área que os ianomâmis ocupam (cerca de 192 mil quilômetros quadrados em ambos os lados da fronteira entre Brasil e Venezuela, 96,6 mil dos quais em território brasileiro, nos estados do Amazonas e Roraima), as quatro línguas que compõem sua fala (cujo processo de diferenciação, estima-se, teve início há 700 anos) e sua população em crescimento (13.698 ianomâmis habitam o Brasil, segundo dados de 31 de junho de 2002, da Fundação Nacional de Saúde – Funasa), já é possível vislumbrar um lampejo dessa diversidade.

Sarau

O relato histórico ianomâmi se confunde com sua mitologia. É um saber que se constrói diariamente, assimilando novas situações e recriando-se constantemente, procurando sempre o sentido das coisas como estão hoje. Isso explica o fato de Omawë, outro demiurgo ianomâmi, ganhar mais importância em regiões de fala yanomam, em contraponto às histórias contadas pelos de dialeto yanomami.

É ao anoitecer que os ianomâmis repassam esses conhecimentos. Eles saem pouco à noite, temendo os ataques dos pore (fantasmas) e as andanças de õka (ianomâmi que assopra um pó venenoso nas suas vítimas). Dentro da xapono, deitados em suas redes e iluminados parcamente por fogueiras distribuídas em círculo, travam o hereamou (discurso feito sempre ao fim do dia pelos mais velhos).

Nesses momentos são comentados os fatos ocorridos, recontadas histórias dos antepassados e decididas as atividades do dia seguinte. Para todos são estabelecidas tarefas: aos homens cabe pescar, trabalhar nas roças, caçar ou buscar paa henaki (palha) para reparar o teto da casa. As mulheres devem ir à hikari tëka (roça), colher mandioca ou banana, preparar beijus ou mingaus e cortar lenha. Tudo o que é relacionado à kai wakë (fogueira), desde a obtenção da madeira até a manutenção constante do fogo durante a fria noite da floresta para aquecer a família, é trabalho exclusivamente feminino. Não são todos os que podem falar durante o hereamou. Somente os que provaram seu valor, que conquistaram o direito de ser ianomâmi. Para tanto, devem ter se esforçado, formando roças, caçando, pescando e mostrando coragem. O discurso, para os ianomâmis, é engrenagem fundamental no funcionamento da sociedade.

Não há leis ou normas definidas de conduta social. Tampouco existe desordem. O bem da comunidade fala mais alto. Não há problemas particulares, pois tudo afeta a todos. Não há segredos, a informação é compartilhada por todos. Também não há amarras ou laços eternos de relacionamento, como a instituição do casamento.

Cosmologia
Para os ianomâmis, uma complexa ordem rege a existência, e ela não pode ser quebrada sem causar grandes conseqüências.

Entre eles a manifestação do círculo é bem difundida. A estrutura de toda existência é dividida em discos. A xapono ilustra bem o modelo. É uma grande construção circular, reproduzindo o universo tal como é pensado pelos ianomâmis. A parte descoberta da casa, onde se situa a heha a (praça central), é um dos hetu misi (discos celestes), onde vivem os no patapi (antepassados) em condições mais ou menos semelhantes aos daqui. "Eles também fazem roça, como as nossas. Roças grandes, com muita banana", explica Marcelo Koherepiwei teri a.

As áreas cobertas da xapono formam o plano em que os ianomâmis vivem. Já as partes mal iluminadas, próximas ao solo, são vistas como os pepi kë misi (subterrâneos), lar dos temíveis amahiri (espíritos maus).
Durante o ritual, os xapori utilizam a casa inteira como palco para sua atuação. Já que a xapono reflete a concepção ianomâmi de universo, eles podem viajar então para todos os recantos da existência, não só os planos visíveis, mas também aqueles que fogem à percepção dos não-iniciados.

Como é narrado nas histórias da queda do céu ou da grande inundação que cobriu toda a urihi (floresta), houve realidades anteriores a essa em que vivem os ianomâmis. Mundos que não morreram, mas transformaram-se e coexistem com o nosso, conhecidos apenas pelos xapori.

Os rituais xamânicos

Os xapori são os mantenedores dessa ordem. São os que praticam o xaporimou, sustentam o peso dos céus, realizam grandes jornadas espirituais em busca da imagem essencial perdida de algum membro de sua comunidade, mantêm contato com os espíritos e curam as pessoas.

Segundo alguns relatos, foi também o ancestral Horõnami que ensinou os ianomâmis a inalar o alucinógeno epena por meio dos mokohiro (canudos) e a chamar os espíritos. Os iniciados na arte do xaporimou evocam, através de cânticos transmitidos de pai para filho, os hekura, figuras diminutas, algumas simulacros de homens, outras representações aterrorizantes de animais conhecidos.

Há regiões, no entanto, em que os xapori não se utilizam da droga para realizar sessões de pajelança, uma atividade predominantemente masculina. As exceções ocorrem em localidades onde o contato com o homem branco teve características especiais, como a região do Paapiu Novo, que serviu como área de atuação de missionários protestantes. Os homens foram coibidos de praticar o xaporimou e apenas uma mulher foi corajosa o suficiente para assumir a função, que mantém até hoje.

Lito, da comunidade dos Uxiximapiu teri pë, completou recentemente sua formação. Os mais velhos dizem que, quando ele era mais novo, os espíritos já o conclamavam xapori, através de visões e sonhos. Assim é o chamado entre os ianomâmis, inicia-se cedo. "Eu não comia carne de caça, somente banana e algumas batatas. Só podia tomar água. Os anciãos me proibiram de pescar, e também não podia manter relações com minha mulher nem usar brejeiras de tabaco." O iniciante é guiado por seus mestres rumo a locais distantes, onde habitam os hekura. Eles os apresentam, chamando-os lentamente, pois a simples visão de alguns é suficiente para que certos jovens desistam. "Depois que inalei o epena, dois espíritos-onça me devoraram, comeram minha cabeça. Também fui inteiramente queimado."

No final do processo, os anciãos Adão e Leo cravam no chão um pau enfeitado, o pei emaki, que simboliza a serra-morada dos espíritos, em frente ao iniciado. Alguns ajudam o combalido xapori iniciante a sentar-se corretamente, caso contrário ele será esmagado pela moradia dos espíritos.

Depois de formado, o xapori é responsável pela saúde da comunidade, ou seja, manter íntegra e completa sua função social, pois "ter saúde é rami huu (caçar), yarimou (pescar), fazer o hereamou", segundo Mokiya Parawau teri. Tarefa de grande porte, pois, para os ianomâmis, quase todas as doenças são causadas pela interferência maléfica de seres humanos. A morte de alguém é sempre provocada pelo ataque de algum outro xapori à sua pei no utupi (imagem essencial) ou ao rixi (duplo animal). Essa associação da ação humana à doença foi reforçada pelos primeiros contatos freqüentes com os napë pë, que trouxeram as xawara (epidemias).

Os temíveis brancos

"Vocês, napë pë, tornaram-se ignorantes. Não sabem andar na floresta nem atirar com flechas. Também não sabem chamar os espíritos nem inalar o epena, e por isso trazem essas máquinas. Só assim vocês sabem voar, só com elas sabem trabalhar." Com palavras como as de Cazuzo, um respeitado xapori, pai do professor Ivan, os mais velhos relembram constantemente os perigos que os napë pë trazem à floresta. Os relatos são constantemente enriquecidos com novas informações, principalmente aqueles inerentes ao ainda desconhecido mundo napë, procurando sempre o sentido de seu atual modo de vida.

A apropriação de elementos culturais da nossa sociedade para reformular os signos do contato e recriar sua própria história é outra característica desse processo. Nas comunidades em que o intercâmbio de informações entre as formas de pensar foi mais intensa, o discurso dos wãro pata sofre sutis alterações, aparentemente, de acordo com nossa concepção cristã maniqueísta sobre o bem e o mal. Omawë é claramente associado ao bem, à beleza e à sabedoria, em contraponto a seu irmão gêmeo Yoasiwë, apresentado como invejoso, vingativo e causador de boa parte dos males que afligem hoje os ianomâmis.

Eles contam que, após a quebra do rito da primeira menstruação de uma menina, ocorreu um grande dilúvio e os antepassados morreram. Omawë e Yoasiwë recolheram os corpos que estavam à deriva, colocaram-nos em jiraus e os espremeram. Esses tornaram-se os napë pë e seguiram para o koro misi (onde nasce o sol, o leste). Para lá partiram também os gêmeos, onde permanecem até hoje.

O contato e a língua

Após partirem, os napë pë se diferenciaram dos ianomâmis. Destruíram suas florestas, envenenaram o ar e as águas, criaram máquinas para alcançar os céus e lugares distantes e diferenciaram sua fala, tornando-a desarticulada. Em seguida, voltaram os olhos novamente em direção à floresta dos primeiros seres humanos. E resolveram retornar para lá.

As conseqüências do contato entre ianomâmis e napë pë são variadas. O impacto cultural pode ser medido diretamente pela interferência na língua materna, instrumento essencial para a manutenção da forma de pensar e viver ianomâmis.

Em determinadas áreas, como as do Ericó e do Ajuricaba, a língua portuguesa tornou-se corrente. A fala antiga é uma vaga lembrança, discriminada e comentada com desdém pelos mais velhos. "Gostaríamos de reaprender a língua de vocês, falar de novo o ianomâmi", declarou uma das lideranças do Ericó, durante encontro dos wãro pata.

Vale destacar a região do Ajuricaba. Contatados pelo extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI), os Këpropi teri pë e Parahi teri pë mudaram-se para a margem do rio Demini, cerca de dois dias de barco de Barcelos, no rio Negro. A proximidade com a cidade garantiu a presença constante de funcionários do SPI e da Funai e a implantação de uma escola para o ensino da língua portuguesa.

Hoje, Antônio Parahi teri a, um dos ianomâmis da região, luta para mudar tal quadro. Ele foi o primeiro a implantar uma escola para o ensino da língua original entre crianças, jovens e adultos. Um ato que, no início, não teve grande apoio da própria comunidade. "Foi muito difícil. Eles não queriam. Perguntavam por que ensinar ianomâmi se os napë pë não nos entendem. Já sabemos português, não queremos voltar a falar ianomâmi, eles diziam", conta Antônio. "Mas disse-lhes que não podemos nos tornar napë pë. Se perdermos nossa língua, também não seremos ianomâmis. O que seremos então?"

A reconstrução de uma xapono, a despeito do costume já enraizado de residir em casas familiares, é um fruto visível da tentativa de restaurar essa identidade.

A destruição da floresta

Um dos principais marcos da história do contato é a estrada Perimetral Norte, a BR-210, ou melhor, o trecho que restou dela, pois foi quase toda absorvida pela floresta. Hoje, ela é utilizada pelos ianomâmis para se locomover entre as comunidades do Ajarani, Catrimâni e Demini.

As obras começaram em julho de 1973, inauguradas pelo então presidente Emílio Garrastazu Médici. Os 4 mil quilômetros da estrada ligariam o Acre ao Amapá. O trecho inicial foi aberto em Roraima, apenas 211 quilômetros, partindo da BR-174, próximo ao município de Caracaraí. Foi o suficiente para mudar a vida dos ianomâmis.

Em contato direto com os trabalhadores da construtora Camargo Corrêa, os ianomâmis das regiões do Catrimâni e Ajarani conheceram os pequenos benefícios e o lado perverso do encontro com os brancos. Estima-se que mais de 50% da população de quatro comunidades do Catrimâni e 22% dos ianomâmis da área do rio Ajarani morreram de gripe, sarampo, tuberculose e malária, entre outras epidemias. Em janeiro de 1977 as obras foram suspensas por falta de verbas, mas o estrago já estava feito.

A comunidade do Demini é uma prova da resistência desse povo. Após o contato destrutivo com os napë, sobreviventes de várias xapono resolveram construir uma nova habitação, tornando-se os Watoriki pë.

O garimpo

A despeito do que é dito, o medo que os ianomâmis têm do garimpo não é coisa do passado. Hoje, mesmo as comunidades que nunca tiveram contato com esse tipo de exploração sofrem e temem seus efeitos devastadores. "Conheço os garimpeiros", diz Moraes, wãro pata dos Parahi teri pë do Aracá. "Eles têm mercúrio, e o colocam na água. Ele não desaparece, mata a água e os peixes."

É um medo fundamentado. Relatório do Projeto Radam Brasil, divulgado em 1975, revelou a existência de metais preciosos no subsolo das terras ianomâmis, como cassiterita e ouro. Isso causou uma grande corrida de garimpeiros à região. Mais de cem pistas de pouso clandestinas chegaram a operar no curso superior dos principais afluentes do rio Branco, como o Catrimâni, Mucajaí e Urariqüera.

Durante os anos de 1986 a 1989, os ianomâmis assistiram à explosão do garimpo. Cerca de 40 mil garimpeiros, cinco vezes a população ianomâmi de Roraima, entraram ilegalmente na área. Entre 1986 e fevereiro de 1990, aproximadamente 1,8 mil ianomâmis morreram, levando ao desaparecimento de comunidades inteiras e ao desmoronamento de sua estrutura sociocultural.

Mesmo após a homologação da área em maio de 1992, durante a gestão do então presidente Fernando Collor, e o espetáculo das explosões de pistas clandestinas, os ianomâmis padeceram nas mãos dos garimpeiros. Em 1993, 12 ianomâmis da aldeia Haximu, na área de fronteira entre o Brasil e a Venezuela, foram mortos a tiros e golpes de facão. Idosos, adolescentes, crianças e um bebê, incapazes de fugir de sua própria casa, foram chacinados. Recentemente, em regiões como Surucucus, Waikás, Parimiu, Paapiu e Parafuri, também foi verificada a existência de pistas clandestinas.

Carta de protesto

Nós, professores ianomâmis, com as lideranças do nosso povo da floresta, escrevemos este documento. Nós queremos mandá-lo para os grandes homens dos brancos. Nós, ianomâmis, ouvimos as palavras dos políticos brancos [sobre a Lei de Mineração]. Estamos inquietos porque, se as mineradoras chegam até nossa terra, elas vão destruí-la. Por isso, nós, ianomâmis, não queremos mineradoras. Não as chamamos e, portanto, não as queremos aqui. Esta é nossa terra-floresta, e por isso nós a defenderemos.

Se não fizermos isso, as mineradoras vão querer acabar com ela. Nós, ianomâmis, não queremos recomeçar a morrer, por isso queremos falar aos grandes homens dos brancos. Queremos dizer que eles já têm terra suficiente, que não queremos deixar [as mineradoras] se aproximarem da nossa terra porque queremos continuar a viver nela com saúde para sempre.

Todos nós, ianomâmis, guardamos no ouvido as palavras do chefe dos brancos [durante a homologação da Terra Indígena Ianomâmi, em 1992]. Ele disse: Nós, os grandes homens dos brancos, já demarcamos sua terra. Disse também que o governo é dono da profundeza da nossa floresta [subsolo] e que nós, ianomâmis, também somos donos da terra na sua parte de cima [solo].

Sendo assim, queremos continuar para sempre a defender esta floresta deste jeito. Se não a defendermos vão voltar as epidemias, a malária, a tuberculose, a pneumonia, a hepatite, o sarampo, a catapora, a gonorréia, a Aids, a poluição, a destruição. Não queremos deixar essas coisas perigosas se aproximarem novamente. Por isso queremos que este documento seja lido a vocês, grandes homens do governo brasileiro. Quando o tiverem lido, esperamos que aconselhem os políticos a tomarem juízo. Nós, ianomâmis, e vocês, grandes homens dos brancos, vamos assim defender juntos esta terra-floresta, então, todos nós vamos poder viver com boa saúde por muito tempo.

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Coordenação Editorial: Bruce Albert (Assessor Antropológico CCPY) e Luis Fernando Pereira (Jornalista CCPY)


 

 

 


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