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Foto: Luis Fernando Pereira
É
justificado o temor dos ianomâmis diante das notícias sobre o projeto
de lei 1.610/96, que dispõe sobre a exploração mineral
em terras indígenas, atualmente em tramitação no Congresso
Nacional. Determinados pontos da proposta, de autoria do vice-líder do
governo no Senado, Romero Jucá (PSDB-RR), causaram espanto ao reforçar
o conceito de tutela sobre as populações indígenas, consideradas
incapazes de gerir os recursos de compensação pela extração
de minérios em suas terras (mínimo de 2,5% e máximo de
25% sobre o faturamento bruto da comercialização do produto mineral),
cuja administração ficaria a cargo da Fundação Nacional
do Índio (Funai) e do Ministério Público Federal.
Se as comunidades atingidas não têm capacidade para utilizar o
dinheiro obtido com a exploração de suas terras, como pressupor
que estariam preparadas para enfrentar o impacto e a degradação
resultantes?
Confirmando o alto grau de interesse pelas riquezas naturais das terras ianomâmis,
o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) tem registrados
554 pedidos para extração de minérios naquela área,
totalizando quase 60% de toda a região. Lembremos que a demarcação
de terras indígenas é feita levando em conta o espaço para
atender suas necessidades habituais.
"Já sabemos as palavras dos líderes napë pë (homem
branco). Eles dizem que o que está debaixo da nossa terra, o minério,
é deles, e o que está na superfície é nosso. Mas
como eles vão tirar o que está embaixo sem estragar o que está
em cima?", questionou Davi Kopenawa, wãro pata (ancião) de
grande projeção, durante um encontro entre lideranças e
professores ianomâmis. Nessa oportunidade, eles redigiram uma carta de
protesto contra o projeto de lei, dirigida ao presidente Fernando Henrique Cardoso,
à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal (ver texto abaixo).
Segundo a sabedoria ianomâmi, o solo que pisamos hoje foi o céu
dos antepassados que desabou. Ao escavá-lo, estamos ameaçando
não apenas suas formas de sobrevivência material, mas a própria
estrutura da existência. Os metais tão desejados são originalmente
pedaços do céu que desabou e foram enterrados por Omawë,
com a advertência de que, caso fossem retirados do seio da terra, liberariam
temíveis pestilências.
O wãro pata dos Parawau teri pë, Ayeheriwë, sentencia: "Quando
morrermos todos nós, ianomâmis, quando todos os xapori (pajés)
morrerem, quem irá sustentar o céu? Os hekura (espíritos)
da floresta ficarão furiosos e o céu cairá novamente. Não
pensem que ele não cairá. Assim foi há muito tempo. Vocês,
napë pë, também morrerão quando o céu quebrar".
Gênese
No princípio, nada de trevas. A luz irradiava plena e perpetuamente,
em dias intermináveis. Era o tempo anterior à noite, quando os
jovens, sem a tênue segurança que o escurecer oferece, copulavam
em frente dos olhos indignados dos outros. Quando as antas ainda andavam sobre
os galhos das já centenárias árvores da floresta, as onças
não possuíam garras e eram barulhentas. Quando o uso de tabaco
ainda causava medo, quando ainda não se comia banana e o fogo era uma
esperança depositada dentro da boca do jacaré. Era o tempo dos
primeiros seres humanos, os ianomâmis.
"Naquela época, não havia napë pë. Os antepassados
eram ignorantes ainda. Não sabiam fazer descer os espíritos, não
inalavam o alucinógeno para chamá-los. Comiam os alimentos crus,
pois não sabiam fazer fogo. Também não sabiam fazer roças.
Não conheciam facas, terçados, panelas de metal. Apenas coletavam
os alimentos na floresta", explica o professor Ivan Xotokomapiu teri.
Língua ianomâmi Para a transcrição da língua
ianomâmi foi adotado o mesmo sistema criado pelo lingüista
francês Henrique Ramirez em 1994. Nele, as vogais a, e, i, o,
u são pronunciadas da mesma maneira que em português. Há
a inclusão de duas novas vogais: i (soletra-se iu, com uma rápida
interrupção ao final) e ë (cujo som é algo
próximo entre e e o). O sistema utiliza 11 consoantes: h, k,
m, n, p, r, s, t, w, x, y.
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Os
ianomâmis classificam de napë pë todos aqueles que não
constituem povos da floresta, e de urihi teri pë os que não são
ianomâmis, ou seja, membros da sociedade envolvente. Não coincidentemente,
é o termo que também designa inimigo.
Os tempos antigos não foram fáceis. Para se tornarem ianomâmis,
eles passaram por grandes provações, aprenderam a viver com o
que a floresta lhes oferecia, a fazer roças, a descobrir o mundo.
"Naquela época não havia noite. Por isso Horõnami
(um dos primeiros ianomâmis) ficava muito bravo quando via os outros copulando
perto, e então saía para a floresta. Lá, ele ouviu o canto
do mutum. Foi o que pensou, mas era Ruwëri (o espírito da noite).
Horõnami subiu serras procurando por ele, queria flechá-lo. Quando
conseguiu e Ruwëri começou a sangrar, a noite surgiu." Assim
relata Maku, da comunidade dos Ixirewë teri pë, ianomâmis residentes
na Venezuela, durante sua visita à xapono (casa comunal) dos Wanapiu
teri pë. "Foi Horõnami quem nos ensinou a usar o tabaco. Antigamente
eles pensavam que iriam morrer se usassem o tabaco, pois ainda não pensavam
corretamente. Ele também ensinou como inalar o alucinógeno epena
e a chamar os hekura pë (espíritos)."
As versões das histórias variam de região para região,
de comunidade para comunidade. Considerando apenas a abrangência da área
que os ianomâmis ocupam (cerca de 192 mil quilômetros quadrados
em ambos os lados da fronteira entre Brasil e Venezuela, 96,6 mil dos quais
em território brasileiro, nos estados do Amazonas e Roraima), as quatro
línguas que compõem sua fala (cujo processo de diferenciação,
estima-se, teve início há 700 anos) e sua população
em crescimento (13.698 ianomâmis habitam o Brasil, segundo dados de 31
de junho de 2002, da Fundação Nacional de Saúde –
Funasa), já é possível vislumbrar um lampejo dessa diversidade.
Sarau
O relato histórico ianomâmi se confunde com sua mitologia. É
um saber que se constrói diariamente, assimilando novas situações
e recriando-se constantemente, procurando sempre o sentido das coisas como estão
hoje. Isso explica o fato de Omawë, outro demiurgo ianomâmi, ganhar
mais importância em regiões de fala yanomam, em contraponto às
histórias contadas pelos de dialeto yanomami.
É ao anoitecer que os ianomâmis repassam esses conhecimentos. Eles
saem pouco à noite, temendo os ataques dos pore (fantasmas) e as andanças
de õka (ianomâmi que assopra um pó venenoso nas suas vítimas).
Dentro da xapono, deitados em suas redes e iluminados parcamente por fogueiras
distribuídas em círculo, travam o hereamou (discurso feito sempre
ao fim do dia pelos mais velhos).
Nesses
momentos são comentados os fatos ocorridos, recontadas histórias
dos antepassados e decididas as atividades do dia seguinte. Para todos são
estabelecidas tarefas: aos homens cabe pescar, trabalhar nas roças, caçar
ou buscar paa henaki (palha) para reparar o teto da casa. As mulheres devem
ir à hikari tëka (roça), colher mandioca ou banana, preparar
beijus ou mingaus e cortar lenha. Tudo o que é relacionado à kai
wakë (fogueira), desde a obtenção da madeira até a
manutenção constante do fogo durante a fria noite da floresta
para aquecer a família, é trabalho exclusivamente feminino. Não
são todos os que podem falar durante o hereamou. Somente os que provaram
seu valor, que conquistaram o direito de ser ianomâmi. Para tanto, devem
ter se esforçado, formando roças, caçando, pescando e mostrando
coragem. O discurso, para os ianomâmis, é engrenagem fundamental
no funcionamento da sociedade.
Não há leis ou normas definidas de conduta social. Tampouco existe
desordem. O bem da comunidade fala mais alto. Não há problemas
particulares, pois tudo afeta a todos. Não há segredos, a informação
é compartilhada por todos. Também não há amarras
ou laços eternos de relacionamento, como a instituição
do casamento.
Cosmologia
Para os ianomâmis, uma complexa ordem rege a existência, e ela não
pode ser quebrada sem causar grandes conseqüências.
Entre eles a manifestação do círculo é bem difundida.
A estrutura de toda existência é dividida em discos. A xapono ilustra
bem o modelo. É uma grande construção circular, reproduzindo
o universo tal como é pensado pelos ianomâmis. A parte descoberta
da casa, onde se situa a heha a (praça central), é um dos hetu
misi (discos celestes), onde vivem os no patapi (antepassados) em condições
mais ou menos semelhantes aos daqui. "Eles também fazem roça,
como as nossas. Roças grandes, com muita banana", explica Marcelo
Koherepiwei teri a.
As áreas cobertas da xapono formam o plano em que os ianomâmis
vivem. Já as partes mal iluminadas, próximas ao solo, são
vistas como os pepi kë misi (subterrâneos), lar dos temíveis
amahiri (espíritos maus).
Durante o ritual, os xapori utilizam a casa inteira como palco para sua atuação.
Já que a xapono reflete a concepção ianomâmi de universo,
eles podem viajar então para todos os recantos da existência, não
só os planos visíveis, mas também aqueles que fogem à
percepção dos não-iniciados.
Como é narrado nas histórias da queda do céu ou da grande
inundação que cobriu toda a urihi (floresta), houve realidades
anteriores a essa em que vivem os ianomâmis. Mundos que não morreram,
mas transformaram-se e coexistem com o nosso, conhecidos apenas pelos xapori.
Os
rituais xamânicos
Os xapori são os mantenedores dessa ordem. São os que praticam
o xaporimou, sustentam o peso dos céus, realizam grandes jornadas espirituais
em busca da imagem essencial perdida de algum membro de sua comunidade, mantêm
contato com os espíritos e curam as pessoas.
Segundo alguns relatos, foi também o ancestral Horõnami que ensinou
os ianomâmis a inalar o alucinógeno epena por meio dos mokohiro
(canudos) e a chamar os espíritos. Os iniciados na arte do xaporimou
evocam, através de cânticos transmitidos de pai para filho, os
hekura, figuras diminutas, algumas simulacros de homens, outras representações
aterrorizantes de animais conhecidos.
Há regiões, no entanto, em que os xapori não se utilizam
da droga para realizar sessões de pajelança, uma atividade predominantemente
masculina. As exceções ocorrem em localidades onde o contato com
o homem branco teve características especiais, como a região do
Paapiu Novo, que serviu como área de atuação de missionários
protestantes. Os homens foram coibidos de praticar o xaporimou e apenas uma
mulher foi corajosa o suficiente para assumir a função, que mantém
até hoje.
Lito, da comunidade dos Uxiximapiu teri pë, completou recentemente sua
formação. Os mais velhos dizem que, quando ele era mais novo,
os espíritos já o conclamavam xapori, através de visões
e sonhos. Assim é o chamado entre os ianomâmis, inicia-se cedo.
"Eu não comia carne de caça, somente banana e algumas batatas.
Só podia tomar água. Os anciãos me proibiram de pescar,
e também não podia manter relações com minha mulher
nem usar brejeiras de tabaco." O iniciante é guiado por seus mestres
rumo a locais distantes, onde habitam os hekura. Eles os apresentam, chamando-os
lentamente, pois a simples visão de alguns é suficiente para que
certos jovens desistam. "Depois que inalei o epena, dois espíritos-onça
me devoraram, comeram minha cabeça. Também fui inteiramente queimado."
No final do processo, os anciãos Adão e Leo cravam no chão
um pau enfeitado, o pei emaki, que simboliza a serra-morada dos espíritos,
em frente ao iniciado. Alguns ajudam o combalido xapori iniciante a sentar-se
corretamente, caso contrário ele será esmagado pela moradia dos
espíritos.
Depois de formado, o xapori é responsável pela saúde da
comunidade, ou seja, manter íntegra e completa sua função
social, pois "ter saúde é rami huu (caçar), yarimou
(pescar), fazer o hereamou", segundo Mokiya Parawau teri. Tarefa de grande
porte, pois, para os ianomâmis, quase todas as doenças são
causadas pela interferência maléfica de seres humanos. A morte
de alguém é sempre provocada pelo ataque de algum outro xapori
à sua pei no utupi (imagem essencial) ou ao rixi (duplo animal). Essa
associação da ação humana à doença
foi reforçada pelos primeiros contatos freqüentes com os napë
pë, que trouxeram as xawara (epidemias).
Os
temíveis brancos
"Vocês, napë pë, tornaram-se ignorantes. Não sabem
andar na floresta nem atirar com flechas. Também não sabem chamar
os espíritos nem inalar o epena, e por isso trazem essas máquinas.
Só assim vocês sabem voar, só com elas sabem trabalhar."
Com palavras como as de Cazuzo, um respeitado xapori, pai do professor Ivan,
os mais velhos relembram constantemente os perigos que os napë pë
trazem à floresta. Os relatos são constantemente enriquecidos
com novas informações, principalmente aqueles inerentes ao ainda
desconhecido mundo napë, procurando sempre o sentido de seu atual modo
de vida.
A apropriação de elementos culturais da nossa sociedade para reformular
os signos do contato e recriar sua própria história é outra
característica desse processo. Nas comunidades em que o intercâmbio
de informações entre as formas de pensar foi mais intensa, o discurso
dos wãro pata sofre sutis alterações, aparentemente, de
acordo com nossa concepção cristã maniqueísta sobre
o bem e o mal. Omawë é claramente associado ao bem, à beleza
e à sabedoria, em contraponto a seu irmão gêmeo Yoasiwë,
apresentado como invejoso, vingativo e causador de boa parte dos males que afligem
hoje os ianomâmis.
Eles contam que, após a quebra do rito da primeira menstruação
de uma menina, ocorreu um grande dilúvio e os antepassados morreram.
Omawë e Yoasiwë recolheram os corpos que estavam à deriva,
colocaram-nos em jiraus e os espremeram. Esses tornaram-se os napë pë
e seguiram para o koro misi (onde nasce o sol, o leste). Para lá partiram
também os gêmeos, onde permanecem até hoje.
O
contato e a língua
Após partirem, os napë pë se diferenciaram dos ianomâmis.
Destruíram suas florestas, envenenaram o ar e as águas, criaram
máquinas para alcançar os céus e lugares distantes e diferenciaram
sua fala, tornando-a desarticulada. Em seguida, voltaram os olhos novamente
em direção à floresta dos primeiros seres humanos. E resolveram
retornar para lá.
As conseqüências do contato entre ianomâmis e napë pë
são variadas. O impacto cultural pode ser medido diretamente pela interferência
na língua materna, instrumento essencial para a manutenção
da forma de pensar e viver ianomâmis.
Em determinadas áreas, como as do Ericó e do Ajuricaba, a língua
portuguesa tornou-se corrente. A fala antiga é uma vaga lembrança,
discriminada e comentada com desdém pelos mais velhos. "Gostaríamos
de reaprender a língua de vocês, falar de novo o ianomâmi",
declarou uma das lideranças do Ericó, durante encontro dos wãro
pata.
Vale destacar a região do Ajuricaba. Contatados pelo extinto Serviço
de Proteção ao Índio (SPI), os Këpropi teri pë
e Parahi teri pë mudaram-se para a margem do rio Demini, cerca de dois
dias de barco de Barcelos, no rio Negro. A proximidade com a cidade garantiu
a presença constante de funcionários do SPI e da Funai e a implantação
de uma escola para o ensino da língua portuguesa.
Hoje, Antônio Parahi teri a, um dos ianomâmis da região,
luta para mudar tal quadro. Ele foi o primeiro a implantar uma escola para o
ensino da língua original entre crianças, jovens e adultos. Um
ato que, no início, não teve grande apoio da própria comunidade.
"Foi muito difícil. Eles não queriam. Perguntavam por que
ensinar ianomâmi se os napë pë não nos entendem. Já
sabemos português, não queremos voltar a falar ianomâmi,
eles diziam", conta Antônio. "Mas disse-lhes que não
podemos nos tornar napë pë. Se perdermos nossa língua, também
não seremos ianomâmis. O que seremos então?"
A reconstrução de uma xapono, a despeito do costume já
enraizado de residir em casas familiares, é um fruto visível da
tentativa de restaurar essa identidade.
A
destruição da floresta
Um dos principais marcos da história do contato é a estrada Perimetral
Norte, a BR-210, ou melhor, o trecho que restou dela, pois foi quase toda absorvida
pela floresta. Hoje, ela é utilizada pelos ianomâmis para se locomover
entre as comunidades do Ajarani, Catrimâni e Demini.
As obras começaram em julho de 1973, inauguradas pelo então presidente
Emílio Garrastazu Médici. Os 4 mil quilômetros da estrada
ligariam o Acre ao Amapá. O trecho inicial foi aberto em Roraima, apenas
211 quilômetros, partindo da BR-174, próximo ao município
de Caracaraí. Foi o suficiente para mudar a vida dos ianomâmis.
Em contato direto com os trabalhadores da construtora Camargo Corrêa,
os ianomâmis das regiões do Catrimâni e Ajarani conheceram
os pequenos benefícios e o lado perverso do encontro com os brancos.
Estima-se que mais de 50% da população de quatro comunidades do
Catrimâni e 22% dos ianomâmis da área do rio Ajarani morreram
de gripe, sarampo, tuberculose e malária, entre outras epidemias. Em
janeiro de 1977 as obras foram suspensas por falta de verbas, mas o estrago
já estava feito.
A comunidade do Demini é uma prova da resistência desse povo. Após
o contato destrutivo com os napë, sobreviventes de várias xapono
resolveram construir uma nova habitação, tornando-se os Watoriki
pë.
O
garimpo
A despeito do que é dito, o medo que os ianomâmis têm do
garimpo não é coisa do passado. Hoje, mesmo as comunidades que
nunca tiveram contato com esse tipo de exploração sofrem e temem
seus efeitos devastadores. "Conheço os garimpeiros", diz Moraes,
wãro pata dos Parahi teri pë do Aracá. "Eles têm
mercúrio, e o colocam na água. Ele não desaparece, mata
a água e os peixes."
É um medo fundamentado. Relatório do Projeto Radam Brasil, divulgado
em 1975, revelou a existência de metais preciosos no subsolo das terras
ianomâmis, como cassiterita e ouro. Isso causou uma grande corrida de
garimpeiros à região. Mais de cem pistas de pouso clandestinas
chegaram a operar no curso superior dos principais afluentes do rio Branco,
como o Catrimâni, Mucajaí e Urariqüera.
Durante os anos de 1986 a 1989, os ianomâmis assistiram à explosão
do garimpo. Cerca de 40 mil garimpeiros, cinco vezes a população
ianomâmi de Roraima, entraram ilegalmente na área. Entre 1986 e
fevereiro de 1990, aproximadamente 1,8 mil ianomâmis morreram, levando
ao desaparecimento de comunidades inteiras e ao desmoronamento de sua estrutura
sociocultural.
Mesmo após a homologação da área em maio de 1992,
durante a gestão do então presidente Fernando Collor, e o espetáculo
das explosões de pistas clandestinas, os ianomâmis padeceram nas
mãos dos garimpeiros. Em 1993, 12 ianomâmis da aldeia Haximu, na
área de fronteira entre o Brasil e a Venezuela, foram mortos a tiros
e golpes de facão. Idosos, adolescentes, crianças e um bebê,
incapazes de fugir de sua própria casa, foram chacinados. Recentemente,
em regiões como Surucucus, Waikás, Parimiu, Paapiu e Parafuri,
também foi verificada a existência de pistas clandestinas.
Carta de protesto
Nós, professores ianomâmis, com as lideranças do nosso povo
da floresta, escrevemos este documento. Nós queremos mandá-lo
para os grandes homens dos brancos. Nós, ianomâmis, ouvimos as
palavras dos políticos brancos [sobre a Lei de Mineração].
Estamos inquietos porque, se as mineradoras chegam até nossa terra, elas
vão destruí-la. Por isso, nós, ianomâmis, não
queremos mineradoras. Não as chamamos e, portanto, não as queremos
aqui. Esta é nossa terra-floresta, e por isso nós a defenderemos.
Se
não fizermos isso, as mineradoras vão querer acabar com ela. Nós,
ianomâmis, não queremos recomeçar a morrer, por isso queremos
falar aos grandes homens dos brancos. Queremos dizer que eles já têm
terra suficiente, que não queremos deixar [as mineradoras] se aproximarem
da nossa terra porque queremos continuar a viver nela com saúde para
sempre.
Todos nós, ianomâmis, guardamos no ouvido as palavras do chefe
dos brancos [durante a homologação da Terra Indígena Ianomâmi,
em 1992]. Ele disse: Nós, os grandes homens dos brancos, já demarcamos
sua terra. Disse também que o governo é dono da profundeza da
nossa floresta [subsolo] e que nós, ianomâmis, também somos
donos da terra na sua parte de cima [solo].
Sendo
assim, queremos continuar para sempre a defender esta floresta deste jeito.
Se não a defendermos vão voltar as epidemias, a malária,
a tuberculose, a pneumonia, a hepatite, o sarampo, a catapora, a gonorréia,
a Aids, a poluição, a destruição. Não queremos
deixar essas coisas perigosas se aproximarem novamente. Por isso queremos que
este documento seja lido a vocês, grandes homens do governo brasileiro.
Quando o tiverem lido, esperamos que aconselhem os políticos a tomarem
juízo. Nós, ianomâmis, e vocês, grandes homens dos
brancos, vamos assim defender juntos esta terra-floresta, então, todos
nós vamos poder viver com boa saúde por muito tempo.