Após
uma transição de quatro meses, a Fundação
Nacional de Saúde (Funasa) manteve a decisão de afastar
a ONG brasileira URIHI- Saúde Yanomami da assistência médica
direta ao povo Yanomami que ela exercia com sucesso desde o fim de 1999.
O motivo da decisão alegado pela Funasa é que o atendimento
à saúde aos povos indígenas constituiria uma questão
de soberania nacional. O órgão do Ministério da Saúde
decidiu então reservar-se a gestão direta e exclusiva do
atendimento à saúde na Terra Indígena Yanomami, deixando
à URIHI apenas tarefas secundárias de administração
(como a contratação de funcionários) e retirando-lhe
o exercício de atendimento no campo no qual a ONG, constituída
de médicos e antropólogos especialistas nas questões
yanomami, demostrou uma reconhecida competência durante estes últimos
cinco anos.
Em entrevista concedida à revista Época, edição
de 31 de maio último, o diretor do Departamento de Saúde
Indígena da Funasa, Lenildo Morais, afirmou, de modo inusitado,
que deixar a saúde indígena sob a responsabilidade de uma
organização não-governamental equivaleria a “terceirizar
as Forças Armadas”. Admitiu, no entanto, que não faz
qualquer ressalva ao trabalho técnico e administrativo da Urihi.
“Eles trabalham muito bem e ficamos tristes que não houve
acerto”.
Mas, apesar
de reconhecer a importância do trabalho da ONG, Morais recorreu
a um argumento extemporâneo e anacrônico, muito usado pelos
antigos regimes militares, e que agora a Funasa ressuscita para desmontar
um serviço de saúde indígena descentralizado exemplar
que, nos últimos cinco anos, impediu que mais vidas yanomami fossem
ceifadas pela malária, pela desnutrição e por várias
outras moléstias levadas à Terra Indígena no bojo
da invasão garimpeira dos anos 80 e 90. Com seu eficiente trabalho
em campo, a URIHI reduziu em quase 100% os casos de malária e 65%
os óbitos por desnutrição em 53% da população
Yanomami, que hoje soma no Brasil cerca de 14 mil indivíduos. Para
isso, a organização contava com uma equipe de 110 agentes
de saúde e chegou a formar 33 microscopistas yanomami no período
de sua atuação. A população yanomami, antes
quase dizimada pelos garimpeiros, registrou, nestes últimos anos,
um crescimento de quase 4% ao ano.
A URIHI
conseguiu ainda inovar no tratamento da tuberculose em área indígena,
evitando que os índios saíssem de suas aldeias para Boa
Vista, onde deveriam ficar em média até seis meses, provocando
grandes transtornos aos pacientes e suas famílias, além
de desgastes psicológicos pela longa interrupção
das atividades econômicas e sociais tradicionais. O acompanhamento
em campo dava-se com a presença constante de profissionais de saúde
que garantiam que os pacientes com tuberculose concluíssem rigorosamente
o tratamento. Para isso, a equipe de saúde contava com um equipamento
portátil de raio X, permitindo que os diagnósticos fosse
realizados em qualquer lugar e a qualquer momento.
O coordenador
da Urihi, o médico Cláudio Esteves, também em entrevista
àquele mesmo número da Época, afirmou que, há
cinco anos atrás, a organização foi convidada pelo
Ministério da Saúde a atuar na Terra Indígena Yanomami,
diante do notório fracasso da Funasa (então FNS) na gestão
direta do Distrito Sanitário Yanomami de 1991 a 1998, “numa
situação de caos sanitário e escândalo internacional”
permanentes. E acrescentou: “Agora querem voltar ao que não
deu certo antes”. Segundo ele, o modelo proposto pela Funasa reduz
a parceria a mera transferência de tarefas administrativas. “Não
queremos ser um departamento-laranja da Funasa”, afirmou Cláudio
Esteves.
A decisão
da Funasa provocou forte indignação em Davi Kopenawa, um
dos líderes dos Yanomami. Este afirmou que, se a situação
anterior de elevada mortalidade entre os índios, vier a ocorrer
novamente por falta de assistência médica adequada, denunciará
o governo atual nos fóruns internacionais. Davi está entre
os poucos brasileiros agraciados com o prêmio Global 500 concedido
pela Organização das Nações Unidas, em reconhecimento
por sua luta em defesa do povo Yanomami.
A integra
da matéria da revista Época pode ser consultada no site
da CCPY:
http://www.proyanomami.org.br/indicado.asp?id=3203
Apresentamos
abaixo a íntegra do comunicado divulgado pela Urihi-Saúde
Yanomami, em que reafirma os motivos do fim da parceria que mantinha com
a Fundação Nacional de Saúde:
Comunicado
A URIHI - Saúde Yanomami comunica oficialmente que, após
cinco anos de trabalho bem sucedido no atendimento a cerca de 50 % da
população Yanomami do Brasil, estará encerrando o
seu programa de assistência e de educação em saúde
na Terra Indígena Yanomami a partir do próximo dia 30 de
junho 2004, em função das novas diretrizes para a atenção
à saúde das populações indígenas adotadas
pela Fundação Nacional de Saúde/Ministério
da Saúde(FUNASA/MS), através da Portaria 70 de janeiro de
2004.
A caótica
experiência histórica de gestão direta do Distrito
Sanitário Yanomami (DSY) pela FUNASA (então FNS) de 1991
a 1998, bem como a exacerbação do ambiente político
antiindígena no estado de Roraima - já analisados em comunicados
anteriores (16/2/04 e 27/2/04) [1]
- fundamentaram a posição da URIHI em não aceitar
as condições impostas hoje pelo governo para a continuidade
da parceria com a URIHI em meras “ações complementares”.
Finalmente,
no dia 12 de maio último, o Secretário Executivo da FUNASA,
Sr. Lenildo Morais e o assessor do DESAI, Dr. Marcos Pellegrini, transmitiram
oficialmente à URIHI a decisão da FUNASA de assumira assistência
direta no DSY a partir do dia 01 de julho de 2004. Desde então,
num prazo de tempo mínimo, a URIHI está efetuando, junto
à chefia do DSY/FUNASA-RR, o repasse das informações
de campo, do modelo operacional, dos materiais de consumo e equipamentos
adquiridos através dos convênios FUNASA-URIHI (1999-2004).
Esta repentina
interrupção do modelo de atendimento bem sucedido da URIHI
provocou profunda perplexidade e preocupação entre as lideranças
Yanomami presentes na última reunião do Conselho Distrital
do DSY nos 24 e 25 de maio último. Nesta ocasião a URIHI
manifestou publicamente a sua intenção de buscar financiamentos
independentes para garantir a continuidade da formação de
agentes Yanomami de saúde e de continuar participando do controle
social do DSY como organização de apoio aos Yanomami.
Boa Vista/RR,
07 de junho de 2004
URIHI- Saúde
Yanomami
[1]
Ver , respectivamente: