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Notícias CCPY Urgente
Data: 12 - Julho - 2004
Titulo: População indígena quer direitos
Fonte:
Site do RITS-Rede de Informações para o Terceiro Setor
“Neste momento, estamos vivendo uma temporada de caça aos direitos
indígenas por parte dos governos municipais, estaduais e federal”,
afirma Márcio Santilli, do Conselho Diretor do Instituto Socioambiental
(ISA). O descontentamento de organizações ligadas às questões
indígenas com a falta de uma política pública séria
para o tema é um dos motivos da criação do Fórum
de Defesa dos Direitos Indígenas. A iniciativa tem abrangência
nacional e pretende reunir um conjunto amplo de instituições para
monitorar ações que afetam os índios, estimular o debate
entre as entidades e fazer com que o tema receba dos governos o tratamento adequado.
O Fórum foi lançado no final de junho e reúne,
por enquanto, a Coordenação das Organizações Indígenas
da Amazônia Brasileira (Coiab), a Associação Brasileira
de Antropologia (ABA), a Comissão Pró-Yanomami, o Centro de Trabalho
Indigenista (CTI), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e o Instituto
Socioambiental (ISA). “O Fórum está apenas começando
e não temos a pretensão de institucionalizá-lo. Agora,
temos a preocupação de ampliar a participação de
outras instituições e iniciativas para nos ajudar a construir
uma agenda de prioridades,” diz Santilli.
Três encontros foram realizados com as organizações
participantes para estabelecer uma pauta de reivindicações e formas
de dialogar com o governo federal. “Estamos tentando promover um diálogo
democrático com os ministérios e com a Presidência da República
para que o Lula cumpra o que prometeu em sua campanha. Queremos que ele homologue
as terras indígenas que já estão demarcadas”, exige
a índia da etnia Tukano Maria Miquelina Barreto Machado, secretária-geral
da Coiab, instituição que no momento secretaria o Fórum.
Santilli reforça a voz de Maria ao afirmar que resolver
a questão das terras indígenas é fundamental para o desenvolvimento
de todas as outras políticas públicas voltadas para a população
indígena. “Não adianta discutir políticas de educação
indígena enquanto acontecerem conflitos em terras indígenas. Dar
uma solução ao processo de demarcação e homologação
dessas terras é uma das principais preocupações do Fórum”,
diz o conselheiro do ISA. Para ele, outro ponto importante é ampliar
a participação de entidades que trabalham com a defesa e promoção
dos direitos indígenas no Fórum. “Muitas organizações
representativas das questões indígenas ainda não estão
participando do Fórum. E essa iniciativa tem que ser apoiada por um conjunto
maior de organizações, para que possa ser criado um canal forte
de diálogo com o governo”, diz Márcio.
Expectativa frustrada
Márcio Santilli explica que no início do atual
governo federal era consenso a criação de um conselho de políticas
públicas indigenista que envolvesse ministérios, órgãos
do judiciário e organizações da sociedade civil para discutir
as prioridades da área. “Isso constava do programa de governo do
Lula, mas não se concretizou. E assim, ficamos sem um canal para dialogar
com o governo. Esse canal não é um reivindicação
específica do Fórum. Ele é uma necessidade do próprio
governo federal, que precisa articular diversos ministérios com a sociedade
civil para tratar sobre a questão indígena”, esclarece.
O senador Sibá Machado, suplente de Marina Silva, atual
ministra do Meio Ambiente, participa da Frente Parlamentar de Apoio às
Populações Indígenas e acredita que o governo federal não
tem uma política indigenista completa. “As proposições
da Funai [Fundação Nacional do Índio] e de outros órgãos
do governo não podem ser consideradas como política propriamente
dita. O governo constitui-se de estruturas de Estado que extrapolam uma gestão
e abriga opiniões diversas sobre o assunto, sendo muitas delas contrárias
aos direitos indígenas”, completa.
Para o parlamentar, a importância do Fórum é
buscar consensos capazes de contribuir para a formulação de legislação
e programas que mantenham ou ampliem os direitos indígenas no país.
Temas urgentes
Uma agenda de prioridades está sendo construída
nas reuniões que o Fórum realiza na sede do ISA, em Brasília.
No topo da lista está a questão das terras. De acordo com Santilli,
o processo demarcatório avançou. Atualmente, dois terços
das terras indígenas estão demarcadas, mas é necessário
que o governo federal homologue as terras. E isso depende do presidente da República,
uma vez que a Constituição Federal, de 1988, estabelece a terra
como direito indígena e atribui a responsabilidade da homologação
ao chefe do poder executivo. Para Santilli é necessário um canal
de debate com a Presidência, que, de acordo com ele, tem tratado pouco
desse tema. "O assunto está no âmbito dos ministérios
e uma política pública integrada tem que partir do centro do poder,
ou seja, da Presidência", argumenta. Ele acrescenta ainda que a constituição
estipulou o prazo de cinco anos após sua promulgação para
que todo o processo - demarcação e homologação -
fosse concluído. O prazo acabou há dez anos.
As demais pendências urgentes levantadas pelo Fórum são
a saúde, a educação, a biodiversidade e a cultura. Porém
seus integrantes dizem que não há sentido em discutir essas questões
enquanto as terras indígenas não forem homologadas.
Terra emblemática
“Percebemos que o governo não tem olhado para
a população indígena. Então nos organizamos, criando
o Fórum para dialogar com o governo,” diz Maria Miquelina. Ela
diz que o governo pede para os índios esperarem mais pela homologação
da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, mas isso intensifica
os conflitos e aumenta a violência no território. A homologação
da área de Raposa Serra do Sol de forma contínua, como foi demarcada
no governo federal anterior, também é prioridade da Frente Parlamentar
de Apoio às Populações Indígenas.
Jô Oliveira, representante da Comissão Pró-Yanomami
no Fórum de Defesa dos Direiros Indígenas, alerta para o perigo
que cerca esse território. “O governo de Roraima quer demarcar
Raposa Serra do Sol em ilhas [ou seja, de forma não contínua,
em vários pequenos territórios]. Com isso, ele mantém o
território de grandes produtores de arroz, fazendeiros e mineradoras.
Mas nós queremos o território em sua totalidade”, enfatiza
a representante da Comissão Pró-Yanomami no Fórum de Defesa.
Ela informa a receita que está por trás, e embaixo também,
do impasse da homologação das terras indígenas. “Os
proprietários dessas terras, na maioria das vezes arrendamentos ilegais
cedidos pelos governos estaduais, se unem a deputados estaduais e federais e
também a senadores para impedir a homologação do território.
Eles espalham o discurso de que a demarcação e a homologação
das terras indígenas emperram o desenvolvimento econômico da região",
descreve Jô.
Direito não se negocia
Sob o argumento do desenvolvimento, o senador Mozarildo Cavalcantil
(PFL-RR) propôs a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 38/99, que restringe
a 50% da superfície do estado o limite das áreas destinadas aos
grupos indígenas e às unidades de conservação. Além
disso, retira do Executivo e passa para o Senado Federal a atribuição
de aprovar, em instância final, a definição dessas áreas.
“O processo de demarcação é ativado pelo Executivo.
Mas eles (o autor da PEC e quem apóia a medida) querem que a matéria
também passe pelo Congresso e pelo Senado. Assim, o que é direito,
hoje, pode virar uma questão política - uma vez que, no Congresso
e no Senado, a bancada ruralista, juntamente com parlamentares de interesses
afins, pode negociar para impedir o processo de demarcação e homologação
de terras indígenas. É justamente isso que virou Raposa Serra
do Sol: uma negociata que precisa ser combatida.”, diz Jô Oliveira.
Grupo Técnico
Para Jô Oliveira, a gota d’água para a
criação do Fórum de Defesa dos Direitos indígenas
foi a criação de um grupo técnico. A Portaria nº 15
do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), órgão ligado
diretamente à Presidência República, publicada no Diário
Oficial em 12 de maio, oficializou o grupo, criado pelo governo para elaborar
uma proposta de política indigenista. A equipe está encarregada
de discutir, entre outros temas, a exploração de recursos naturais
em terras indígenas, sua localização em faixa de fronteira
e o novo papel da Funai. No entanto a composição do GT relacionada
na portaria não inclui representantes indígenas, sociedade civil,
Ministério do Meio Ambiente e Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Por isso, Maria Miquelina não acredita que os interesses indígenas
sejam defendidos pelo grupo. “O grupo vai funcionar para os interesses
de políticos que são contrários às necessidades
da população indígena”, critica a secretária
da Coiab.
Isca doce
“Você já viu alguém com direito
a uma terra dizer que não quer mais?”, questiona Jô Oliveira,
explicando logo depois que isso acontece em Roraima. Lá é possível
verificar índios que defendem interesses de fazendeiros. E “isca
doce” é a expressão que a Comissão Pró-Yanomami
utiliza para designar os favores e as vantagens oferecidos por políticos
e fazendeiros de Roraima aos índios, conseguindo – desta forma
– manipulá-los. De acordo com Jô Oliveira, a pressão
é muito grande. “Eles argumentam que as reservas indígenas
são entraves ao desenvolvimento do estado. Questionam por que os índios,
que representam 2% da população brasileira, precisam de tanta
terra. Eles querem que o índio utilize a terra da mesma maneira que o
homem branco. Não levam em conta que para a população indígena
a terra é necessária para seu bem-estar, reprodução
física e preservação de sua cultura, segundo seus usos,
costumes e suas tradições”, desabafa.
Mobilização
O território Yanomami foi homologado em 1992, somente
após uma grande mobilização que envolveu inclusive a ONU.
“A Organização das Nações Unidas ameaçou
impedir a realização da ECO 92 se a questão não
estivesse resolvida. A homologação só saiu com esse tipo
de pressão internacional”. A expectativa de Jô Oliveira para
o caso de Raposa Serra do Sol é de que a questão só será
resolvida com ação semelhante.
“A sociedade tem que nos apoiar, tem que participar
das reuniões do Fórum. Sem isso não vamos ter força
de unidade para buscar saídas para as questões indígenas.”
Maria Miquelina convoca organizações que atuam na defesa dos direitos
indígenas a participar do Fórum de Defesa. Sem página na
Internet, as pessoas podem fazer contato com o Fórum acessando os sites
das instituições que já integram a iniciativa. Os endereços
estão disponíveis na área de links desta página,
no alto, à direita. (Viviane Gomes) http://www.rits.org.br
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Coordenação Editorial:
Bruce Albert (Assessor Antropológico CCPY) e Luis Fernando Pereira (Jornalista CCPY)
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