BIOÉTICA
Para Francisco Salzano, da UFRGS, não é possível esclarecer
completamente objetivo de pesquisa a população tribal.
O geneticista Francisco
Salzano, em seu laboratório na UFRGS
CLAUDIO
ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
A exigência de consentimento informado para a pesquisa genética
em populações tribais é uma questão "relativa".
A opinião é do gaúcho Francisco Mauro Salzano, 76, um dos
gigantes da genética brasileira e um dos maiores especialistas do mundo
na análise de DNA dos índios americanos.
Salzano, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, esteve em São
Paulo na última quinta-feira para receber o Prêmio Moinho Santista.
Em entrevista à Folha, afirmou que a genética humana, assim como
os transgênicos e a pesquisa com células-tronco embrionárias,
tem sido "demonizada" por organizações não-governamentais,
e que nenhuma autorização dada a cientistas por grupos indígenas
para que seu sangue seja coletado será completamente informada.
O consentimento informado é considerado a condição ética
"sine qua non" para pesquisas com seres humanos. Trata-se de um termo
em que o cientista se obriga a deixar completamente claros para seus sujeitos
de pesquisa os objetivos do estudo e as potenciais conseqüências
dele.
Para Salzano, o princípio não pode ser aplicado com rigor a grupos
como os ianomâmis, por exemplo. "Como você vai ter um consentimento
esclarecido com um grupo que nunca teve contato com a ciência?" -questiona.
Mesmo assim, a pesquisa deve ser feita. "Tem de ter uma certa flexibilidade
em relação ao que se vai fazer. Se não é prejudicial,
se até beneficia, como usar o material para diagnóstico médico
para eles, se o conhecimento que a gente obtiver for importante para a humanidade
em geral, por que isso é antiético? Pelo contrário, seria
antiético recusar fornecer material que seja de interesse geral da humanidade",
afirma o cientista.
Salzano passou boa parte de sua vida acadêmica entre os índios
em diversos locais da Amazônia, do sul do Brasil e do Paraguai, coletando
amostras de sangue para estudos de genética populacional. Os trabalhos
de seu grupo têm contribuído para o entendimento da ocupação
do continente.
Ele reclama que os estudos em populações indígenas no Brasil
estão "interrompidos" devido às desconfianças
em relação aos geneticistas por parte das organizações
não-governamentais que assessoram os índios."Qualquer estudo
que envolva DNA não pode ser resolvido por comissão institucional.
Se eu quero estudar um grupo indígena, peço para a comissão
de ética da UFRGS e mando um projeto, ela não pode decidir, tem
de mandar para a Conep [Comissão Nacional de Ética em Pesquisa]",
diz.
Salzano foi orientando do geneticista americano James Neel (morto em 2000),
acusado pelo jornalista americano Patrick Tierney no livro "Trevas no Eldorado"
de ter matado milhares de ianomâmis na Venezuela usando uma vacina contra
sarampo -acusação, segundo o cientista, brasileiro, sem nenhum
fundamento médico ou biológico. "Houve muito exagero em relação
a qualquer tipo de estudo", afirmou. Segundo o gaúcho, tal exagero
vem de duas partes: primeiro, das ONGs e de seu medo da ciência. Depois,
de indústrias biotecnológicas, que acham que vão conseguir
lucros patenteando seqüências de DNA extraídas de grupos indígenas
-como no caso das amostras de sangue recolhidas dos ianomâmis em 1967
e hoje estocadas nos EUA. "Algumas seqüências foram patenteadas.
O que isso vai resolver para as companhias é uma incógnita."