Untitled Document
Uma
“Nota de esclarecimentos” do coordenador técnico do Distrito
Sanitário Yanomami (DSEI-Yanomami), Dr. Marcos Pellegrini, foi recentemente
divulgada na internet (saudeindigena@yahoogrupos.com.br,
14/12/2004), com o intuito de responder a uma suposta: “carta da Comissão
Pró Yanomami datada de 24 de novembro de 2004 que encaminha denúncias
dos Senhores Davi Kopenawa, Presidente da Hutukara Associação
Yanomami e Armindo Melo, Presidente da Associação Yanomami do
Rio Cauaboris e Afluentes – AYRCA”.
Em
primeiro lugar, é fundamental dirimir esse equívoco. A carta a
que se refere o Dr. Pellegrini, publicada pela CCPY no seu boletim eletrônico
56, é, na verdade, um documento redigido pelos Yanomami durante a assembléia
que fundou a sua associação Hutukara (12/11/2004) e que contou
com a presença e o apoio irrestrito de representantes do CIR, da COIAB,
da AYRCA e da APINA e a presença de representantes da Funasa-RR.
O
documento dos Yanomami, que resume o conjunto de depoimentos apresentados à
assembléia por representantes de 11 regiões da Terra Indígena
Yanomami (TIY), foi assinado pelos presidentes da Hutukara e da AYRCA em nome
dos mais de 60 Yanomami que participaram do evento. Na inexplicável ausência
de reunião do Conselho Distrital que, até o momento, não
foi agendada, essa carta dos Yanomami constitui uma primeira avaliação
da qualidade do atendimento fornecido pelos funcionários da Funasa na
TIY.
No
documento os Yanomami manifestam primeiramente sua inquietação
com as várias mortes ocorridas em algumas regiões da TIY (Homoxi,
Balawaú e Auaris) e que atribuem ao deficiente atendimento da Funasa.
A nota do Dr. Pellegrini não nega as mortes denunciadas pelos Yanomami,
apenas pretende persuadir o seu leitor que esses óbitos “não
contam” do ponto de vista da responsabilidade do Distrito Sanitário
que ele coordena: ora os mortos pertencem a uma aldeia na Venezuela (na realidade,
apesar de situada do lado venezuelano da fronteira, a aldeia em questão
era atendida regularmente pela Fundação Nacional de Saúde
nos anos 90 e pela Urihi até junho de 2004), ora o óbito, por
causa desconhecida, foi de uma mulher idosa (e por isso não teria importância?),
ora são “prováveis vítimas de acidente” (o
que contradiz totalmente o documento dos Yanomami).
Em
segundo lugar, o texto dos representantes yanomami manifesta preocupação
com as denúncias feitas durante a assembléia de vários
casos de assédio sexual a suas mulheres por parte de funcionários
da Funasa. Novamente, a nota de esclarecimento do Dr. Pellegrini busca, antes
de tudo, eximir de responsabilidade esses funcionários. Para tanto, esforça-se
por desqualificar os depoimentos dos representantes yanomami: ora lideranças
(não identificadas) teriam declarado que as queixas de um marido em Paapiú
seriam sem fundamento, ora “não foram encontradas ‘evidências’”
(como resultado de que inquérito? a partir de que testemunhas?), ora
trata-se de acusações contra um ex-funcionário da Urihi
contratado pela Funasa (isso amenizaria o fato ou eximiria a Funasa de responsabilidade?),
a propósito das quais foram “encaminhadas diligências”
não especificadas.
É preciso lembrar à Coordenadoria do DSEI-Yanomami que “assédio”
significa, no caso das mulheres yanomami, conduta considerada culturalmente
imprópria pelas próprias mulheres e por suas famílias no
que tange os funcionários da Funasa no exercício de suas funções.
Que este assédio tenha ou não resultado em relações
sexuais é outro assunto, passível de conseqüências
jurídicas no caso de estupro, prostituição e envolvimento
de menores. O mínimo que a Funasa deve fazer, como responsabilidade sua,
é capacitar devidamente seus funcionários para que respeitem as
regras de bom comportamento dos usuários yanomami do DSEI e punir administrativamente
os funcionários faltosos.
A
preocupação do Dr. Pellegrini em desqualificar as críticas
dos Yanomami à atuação do DSEI chega ao seu ápice
quando reage à denúncia dos Yanomami da aldeia de Xere u (Homoxi)
sobre a morte de um bebê por falta de atendimento (Boletim CCPY 56). Contradizendo
o depoimento do pai da criança, o Dr Pellegrini descreve o caso à
sua maneira, sem citar fontes, e acaba por responsabilizar a própria
família da vítima pelo óbito, de causa desconhecida: “é
no mínimo de estranhar que a família não procurasse o profissional
que permaneceu no posto se a criança apresentasse algum sintoma de doença”.
Enquanto isso, em Homoxi, os funcionários do DSEI-Yanomami estão
proibidos de atender à aldeia de Xere u, "punida" depois que
o pai da criança agrediu a enfermeira à qual atribui a responsabilidade
pela morte do seu filho.
Por
último, a CCPY reitera a sua preocupação com a situação
do atendimento á saúde na TIY descrita pelos representantes yanomami
e com o empenho da Coordenação do DSEI-Yanomami em desqualificar
sistematicamente as denúncias dos Yanomami.
Nossa preocupação aumenta ainda mais porque, depois de seis meses
atuando na TIY, aquela Coordenação ainda não organizou
qualquer reunião ordinária do Conselho Distrital para debater
amplamente com os Yanomami a situação sanitária da TIY.
Mais
uma vez, a CCPY insiste veementemente na necessidade de os Yanomami avaliarem
institucional e publicamente o desempenho do DSEI-Yanomami e, desse modo, poderem
exercer seu pleno direto de controle social sobre os serviços de saúde
pública administrados em seu benefício.
CCPY
Brasília, 20 de Dezembro de 2004.