Degradação
da Assistência à Saúde na Terra Indígena
Yanomami
As
recentes respostas do diretor do Departamento de Saúde Indígena
(DESAI) da FUNASA, Sr. Alexandre Padilha, e do coordenador técnico
do DSEI-Yanomami, Dr. Marcos Pellegrini, ao comunicado da URIHI de 03/12/2004
trouxeram novas apreensões sobre a gestão atual do atendimento
de saúde na Terra Indígena Yanomami (TIY), agravando a
preocupação suscitada pelas denúncias dosrepresentantes
de 11 regiões da TIY reunidos em assembléia geral em novembro
último.
Em
primeiro lugar observaremos que, qualificar como “ressentimentos”
as críticas da URIHI a respeito da degradação da
situação sanitária da TIY, para evitar enfrentá-las
sériamente, só revela um inquietante desprezo pelo debate
democrático com a sociedade civil.
A
URIHI implementou na TIY, a partir de 1999 e a pedido da FUNASA, um
adaptado sistema de saúde a fim de reverter a catastrófica
situação epidemiológica a que estavam submetidos
os Yanomami durante os anos 90 em conseqüência da corridado
ouro de Roraima. O desafio foi aceito tendo como horizonte consolidar
esse sistema e transferir sua completa gestão para o poder público
logo que este criasse as condições para a sua continuidade
e aperfeiçoamento.
Infelizmente, com a mudança de Governo em 2003, essa necessária
reapropriação da execução direta das ações
de saúde pelo Estado na TIY, se deu de forma autoritária
e totalmente improvisada, sob influência de alianças políticas
locais.
Em conseqüência desta incompetente transição,
e apesar de um orçamento na ordem do dobro do que era alocado
para a URIHI (para o DSEI-Yanomami em 2004-2005, o convênio FUNASA-FUB
contempla R$ 9.100.00,00 somente para recursos humanos, sendo que em
2003 a URIHI teveum orçamento de R$ 8.400.000,00 para o desenvolvimento
de todas as atividades), brotam hoje cada vez mais freqüentes protestos
dos Yanomami. Estes
denunciam a degradação do atendimento na TIY e o progressivo
aumento da malária em regiões em que a doença já
estava sob controle, dado particularmente alarmante sabendo-se que a
malária aumentou 79,4% no estado de Roraima em 2004.
Assim,
por exemplo, em relação ao número de exames de
sangue realizados para diagnosticar a doença, fator que se mostrou
crucial no bem sucedido programa de controle da malária na área
Yanomami, ocorreu uma redução de 37% comparado com o realizado
pelas equipes da URIHI no mesmo período do ano anterior (segundo
semestre/2003, na mesma população em 18 pólos-base).
Este dado revelador confirma as recorrentes denúncias dos Yanomami
de que a freqüência das visitas das equipes da FUNASA às
aldeias mais distantes dos postosde saúde (como é o caso
da maioria das comunidades na TIY) caíram drasticamente desde
julho de 2004 e que a malária volta a se propagar na TIY.
Sabe-se
que, nos mesmos moldes, programas como o da imunização
e o acompanhamento do crescimento e dodesenvolvimento das crianças,
entre outros, vão perdendo a sua eficiência e já
são sentidosos reflexos nas taxas de cobertura. A despeito das
manipulações dos dados (sub-notificação
e exclusão de aldeias inteiras que antes vinham sendo assistidas),
afloram denúncias dos Yanomami sobre óbitos sem assistência
decorrentes de falhas de apoio operacional e de transporte, omissão
de socorro e negligência, além da falta de medicamentos
nas farmácias dos pólos-base.
Neste
contexto, as declarações recentes do Dr. Padilha e Dr.
Pellegrini revelam uma perniciosa e cínica confusão entre
a diminuição dos procedimentos de saúde e uma aparente
melhora na situação de saúde dos Yanomami. De fato,
quem pode honestamente pretender que a situação sanitária
dos Yanomami – apesar dos crescentes protestos dos seus usuários–
esteja melhorando, sabendo que as equipes de campo da FUNASA, deixando
de visitar numerosas aldeias, sub-notificam sistematicamente eventos
de morbidade e de mortalidade ?
Na
realidade, atrás desta propaganda da FUNASA, assistimos a uma
reedição do mesmo método de corporativismo negligente
e alérgico à participação indígena
que a instituição aplicava na TIY na década de
90 (inclusive com o retorno da mesma direção técnica),
durante a qual morreram 1.211 Yanomami, a maioria de malária
e de infecções respiratórias (dados da FNS-RR,
junho de 1998). A única inovação na situação
é que o desperdício de recursos públicos agora
é ainda maior.
Para
chegar a uma gestão eficiente do sistema de saúde na TIY,
desenvolvido por uma equipe de mais de 100 profissionais distribuídos
durante longos períodos numa vasta área de floresta tropical
isolada (tamanho do Portugal), foi imprescindível para a URIHI
contar com a participação permanente dos Yanomami na avaliação
da qualidade do atendimento através da abertura de vários
espaços de expressão social como os Conselhos Locais do
DSEI-Yanomami, o Conselho Distrital (cuja reunião ordinária
do segundo semestre não foi realizada em 2004, sem nenhuma justificativa),
uma rede de escolas e de radiofonias nas aldeias (ambas atualmente desativadas).
Em uma inversão deste bem sucedido modelo participativo, a atual
coordenação técnica parece hoje empenhar-se em
desprezar sistematicamente as críticas dos Yanomami e em minimizar
suas possibilidades de expressão pública.
Alertamos mais uma vez sobre os riscos dessa gestão autoritária
e corporativista do DSEI-Yanomami e suas previsíveis conseqüências
para os Yanomami, minoria étnica hoje submetida a um serviço
público sem possibilidade de controle social.
Entretanto,
estamos convencidos de que ainda é tempo de se redirecionar o
modelo para o caminho da participação indígena,
apoiando a organização das reuniões dos Conselhos
Locais da TIY e finalmente realizando uma reunião do Conselho
Distrital, para que críticas e reivindicações dos
Yanomami sejam efetivamente ouvidas e atendidas.
Como
organização de apoio aos Yanomami e membros do Conselho
Distrital, exigimos que seja realizada a divulgação completa
dos dados de saúde, de operacionalidade e a prestação
de contas da FUNASA antes da próxima reunião do Conselho
Distrital do DSEIY, prática obrigatória dos prestadores
de serviços de saúde nos anos anteriores.
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Urihi-Saúde
Yanomami
09 de Janeiro de 2004 |