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Yanomami na Imprensa
Data: 27 - Janeiro - 2005
Titulo: Vulnerabilidade do Ser
Fonte:
Pinacoteca de São Paulo
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Pinacoteca
inaugura
Vulnerabilidade do Ser,
A leitura mais completa já realizada da obra da fotógrafa Claudia
Andujar.
Em cerca de 80 imagens (p&b e cor), a mostra foi pensada em dois momentos:
Territórios Interiores e Vulnerabilidade do Ser, o que provoca um encontro
do espectador com todas as possibilidades da fotografia de Andujar a partir
dos anos 60.
Depois de suas
amplamente conhecidas séries que retratavam Yanomamis, Claudia Andujar
dá novo corpo, nesta exposição, à sua incessante
pesquisa acerca da relação entre as dimensões técnica
e humana da fotografia, aliada, agora, a uma sutil investigação
sobre o eterno. Ocupando todo o hall e mais três salas do 1º piso
da Pinacoteca, Vulnerabilidade do Ser marcará, ainda, o lançamento
de livro homônimo, trilingüe, editado pela Cosac Naify, que analisa
a produção da fotógrafa.
Curadoria
de Diógenes Moura.
Abertura dia 29 de janeiro, das 11 às 14h.
Em cartaz até 20 de março.
Realização: Governo do Estado de São Paulo, Secretaria
de Estado da Cultura e Pinacoteca do Estado de São Paulo. Apoio: Lei
de Incentivo à Cultura – Ministério da Cultura, Associação
dos Amigos da Pinacoteca, Bradesco, Cosac Naify, Galeria Vermelho, Folha de
São Paulo, Silvio Pinhatti Laboratório Fotográfico, PrintColor.
No
dia que Claudia Andujar abriu sua gaveta fechada
A exposição Vulnerabilidade do Ser propõe a procura pelo
eterno por Claudia Andujar a partir da foto de um parto, feita em Bento Gonçalves,
no Rio Grande do Sul, em 1966. Uma luz de vela ilumina o nascimento e pronto:
nada mais precisa ser dito. Fez-se a vida. A foto seguinte poderia ser a mesma,
luz tênue, baixos contrastes, anos depois. Nela, uma criança da
tribo Xicrin (etnia Caiapó) olha para confirmar o nascimento e anunciar
a imagem seguinte, onde um menino Yanomami flutua - com seus olhos fechados
de ave, o rosto ferido -, na água da cura. A quarta imagem fecha a epígrafe:
outras duas crianças devolvem para a fotógrafa a sugestão
dos traços que ela os fez ver. Com o indicador e o polegar em concha
sobre os dois olhos, imitam o que está acontecendo diante de cada um
deles. Assim, o criador passa a ser criatura.
Vulnerabilidade do Ser começa com o nascimento e segue com uma pontuação
na vida da fotógrafa minuciosamente especulada. O Brasil viajante aos
poucos vai aparecendo no que poderia ser um olhar estrangeiro, mas não
é. O país se olha no espelho. Em sua procura pelo eterno Claudia
Andujar leva para suas imagens a compreensão, a angústia, os devaneios
dos que aqui vivem em busca da verdade. Toda a continuidade de Vulnerabilidade
do Ser produz um som visual em movimento. O drama, os cortes, o modo de buscar
o enquadramento (Razão? Intuição?) e os personagens se
arredondam para falar de uma incessante busca pela compreensão. Há
reflexos na fotografia de Andujar tanto quanto no pensamento de Brecht: "O
destino do homem é o próprio homem".
Mas o que seria a fotografia se ela não tivesse esse inesgotável
poder de transformação?
Novamente como se escrevesse poemas nas paredes, a fotógrafa lida com
seus instantes para perpetuar outros, como os da seqüência onde primeiro
aparece uma mulher recortada por uma moldura bizantina, olhando de frente, numa
favela do Rio de Janeiro, o leite derramando... A fotografia é iluminada
como uma pintura do século XIX . Na imagem seguinte, a luz se dilui nos
tons escuros de outra figura feminina vista tão somente por frestas,
fotografada em Feira de Santana, onde os mesmos olhos falam de vulnerabilidade,
ao mesmo tempo em que, ali, na fotografia, a poética da imagem é
até capaz de superar a solidão.
Em outro momento, ao tocar na sina da morte com a mesma delicadeza de quem busca
um significado para a vida, Andujar não se assusta diante do imponderável.
Muito pelo contrário. Muitas vezes sugere esboços ou estudos sobre
o tema para chegar à uma conclusão final, como numa imagem feita
em 1961, no interior de São Paulo, onde uma imigrante japonesa arruma
serenamente uma mesa. Duas figuras masculinas acendem e apagam, num jogo de
formas, em segundo plano. A cena é tão rigorosamente bem construída
e provocante que dá a entender que a mulher se despede de um entequerido.
Um círculo de ouro envolve todo o prisma da imagem.
Mais adiante, a fotografia de um trabalhador morto por acidente, na construção
da Perimetral Norte, em Roraima, 1974, é tão impactante em sua
totalidade e no seu plano fechado - luz vazada por entre as tabicas de madeira;
a rede derradeira que quase envolve seu corpo; a perspectiva vinda do alto,
como se aquela mesma alma, numa outra dimensão, olhasse seu corpo estendido
– que fez com que o exímio artista laboratorista Silvio Pinhatti
tivesse dificuldade para ampliar a fotografia em grande escala. "O que
me chamou a atenção, revendo o meu trabalho, é que em todos
os momentos eu sempre procuro no outro a beleza, não exatamente uma beleza
física, mas uma beleza que vem desse amor que tenho pela humanidade.
Isso não muda diante da morte. A morte teve, na minha infância,
um papel muito importante: eu perdi parte da família do meu pai exterminada
pelo nazismo. Isso é uma coisa que me persegue, e me persegue também
por eu estar viva e eles estarem mortos. Sinto uma certa culpa. Nessa exposição
eu tento, na segunda parte, Territórios Interiores, entender essa inquietude,
superar a vulnerabilidade da vida incorporando o Cosmo na sua totalidade, na
tentativa de encontrar uma resposta maior".
A teatralidade com a qual Claudia Andujar "veste" as suas fotografias
nos três momentos inicias de Territórios Interiores, nos faz crer
que ao lançar os dois fachos de luz sobre o chão de uma maloca
Yanomami, a presença do homem daria lugar à outra natureza, gêmea,
quando em seguida – e como num teatro de sombras – a projeção
de um Louva-a-Deus faz a passagem para os dois únicos personagens de
toda a seqüência: um índio organiza uma espécie de
transe (fragmentos de luz) em torno de si mesmo e outro, André (nome
branco), em posição de lótus, respira um ponto de silêncio
e "conciliação" num instante onde nada precisa ser dito.
É a partir daí que vem a abstração das imagens,
nada abstratas (se realidade é abstração?), impregnadas
de águas, pedras, folhas, tempo, memória.
Diógenes Moura
Curador
Extraído do texto ‘No dia que Claudia Andujar abriu sua gaveta
fechada’, que integrará o livro que será lançado
pela Cosac Naify.
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Coordenação Editorial:
Bruce Albert (Assessor Antropológico CCPY) e Luis Fernando Pereira (Jornalista CCPY)
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