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Yanomami
querem aprofundar debate sobre a ampliação da pista de pouso de
Surucucu
No
Boletim Pró-Yanomami nº 61, a CCPY veiculou a preocupação
dos Yanomami com o projeto de ampliação da pista de pouso do 4°
Pelotão Especial de Fronteira (4° PEF) de Surucucu (Roraima) - região
onde vivem aproximadamente 1780 Yanomami em cerca de 83 malocas (6 das quais
num raio de 1500 metros da pista) - bem como a obrigação constitucional
de se realizar um estudo prévio pelo IBAMA.
No último dia 17 de março, o comando militar convocou uma nova
reunião realizada na base aérea de Boa Vista (RR), ligada ao Sétimo
Comando Aéreo Regional (VII COMAR). Apesar da presença de várias
dezenas de oficiais e representantes de diversas administrações
públicas (FUNAI, FUNASA, Ministério Público), o encontro
contou com apenas cinco Yanomami de Surucucu, alojados na própria base
aérea. Chamado em caráter emergencial no mesmo dia, o líder
yanomami e presidente da HUTUKARA Associação Yanomami, Davi Kopenawa,
compareceu ao encontro acompanhado por um representante da CCPY.
A reunião a portas fechadas foi dirigida pelo Major Brigadeiro do Ar,
Cleonilson Nicácio Silva. Seu porta-voz leu uma carta de intenções
(até aí desconhecida dos participantes) descrevendo, principalmente,
os objetivos da ampliação da pista e afirmando, entre outras coisas,
a vontade de resguardar a cultura yanomami e recuperar as áreas degradadas
pela futura obra. Davi Kopenawa foi em seguida chamado a comentar o documento.
Ele
lembrou (em yanomami e português) a história da construção
do pelotão e da primeira ampliação da pista de Surucucu
em meados de 1980, insistindo no impacto negativo que essas obras tiveram sobre
os Yanomami da região. Expressou a preocupação de ver os
Yanomami passarem novamente pelos mesmos transtornos sociais, sanitários
e ambientais. Afirmou, entretanto, entender a importância dos pelotões
militares na proteção das fronteiras do país.
Falou também da preocupação de ver aumentar as instalações
do PEF na Terra Indígena Yanomami até formar uma Vila, lembrando
que na história dos Índios do Brasil, a ocupação
das terras indígenas muitas vezes começou assim. Insistiu, enfim,
sobre a necessidade de organizar outras reuniões na região de
Surucucu para que os Yanomami potencialmente afetados pela obra possam entender
a proposta dos militares, manifestando-se com conhecimento de causa sobre ela,
suas possíveis conseqüências negativas e os meios de neutralizá-las.
Em seguida, o porta-voz militar leu o documento da FUNAI de dezembro de 2004,
mencionado no Boletim Pró-Yanomami n° 61, intitulado “Normas
e procedimentos para a realização dos serviços de ampliação
da pista de pouso de Surucucus”. Cada um dos
itens apresentados foi traduzido para o yanomami por Davi Kopenawa. Durante
a tradução, os cinco Yanomami de Surucucu presentes no encontro
manifestaram dúvidas e repudiaram diversos pontos do documento, mostrando
o quão pouco haviam entendido na reunião anterior e o quanto a
questão deve ser rediscutida amplamente e in loco. Conforme a insistente
sugestão de Davi Kopenawa, essas futuras reuniões são fundamentais
para dirimir as dúvidas e atender às reivindicações
da maioria dos Yanomami de Surucucu, e não apenas de 5 dos 1780 Yanomami
da região.
O representante da FUNAI (Brasília) lembrou que o aval do IBAMA para
a obra de ampliação da pista é um pré-requisito
que deve ser cumprido antes das discussões com os Yanomami sobre eventuais
compensações e medidas preventivas. Esse representante acabou
manifestando-se a favor da ampliação da pista de Surucucu, posição
também adotada pelos servidores da FUNASA. Os membros do Ministério
Público insistiram novamente sobre a necessidade do relatório
de impacto ambiental do IBAMA e reafirmaram seu compromisso de zelar pela salvaguarda
dos direitos yanomami.
Davi Kopenawa concluiu dizendo que, para evitar qualquer conflito com os militares,
o que considera desfavorável a seu povo, os Yanomami poderiam ser, como
os brancos, “favoráveis” à idéia de aumentar
a pista, mas, novamente, com a condição de ampliar o processo
de discussão: “nós já temos muitas coisas contra
nós, contra nosso povo, vamos então resolver esse problema da
pista, nós não queremos mais brigar, mas nós queremos conversar
primeiro melhor com vocês, com todo mundo, todas as comunidades Yanomami,
os militares, a Funai (...) os Procuradores, a Funasa (...), tem que chamar
outros amigos dos Yanomami, como a CCPY que nos conhece bem (...) então
tem que chamar todo mundo. Mas, nós, Yanomami se podemos ser favoráveis
para melhorar a pista, nós não queremos a municipalização
do Surucucu (...).”
Diante do teor daquela reunião, a posição da CCPY é
de apoiar os Yanomami para que haja uma verdadeira ampliação do
processo de diálogo oportunamente aberto pelo comando militar e que esse
diálogo deverá seguir as recomendações de Davi Kopenawa
: várias reuniões in loco, com um leque de lideranças yanomami
de toda a região e representantes de administrações e ONGs
relevantes. Recrutar às pressas uns poucos Yanomami monolíngües
de Surucucu para a base aérea de Boa Vista, reduzidos a uma minoria cercada
de brancos, sem entender o contexto e sem tempo para se expressar de maneira
informada e independente, não pode constituir um método de diálogo
democrático aceitável.
Entendemos que naquela reunião os Yanomami adotaram uma atitude pragmática,
mostrando-se “favoráveis” ao princípio de não
hostilizar imediatamente o projeto de ampliação da pista, mas
entendemos também que seria um erro considerar que isso se traduz em
aprovação da obra. A posição dos Yanomami deve ser
compreendida como uma prova de boa vontade no início do processo de diálogo
e certamente não como um cheque em branco para sua conclusão.
Além disso, a CCPY insiste na necessidade de um estudo do IBAMA como
fase preliminar do processo de aprovação da obra (ver
Boletim Pró-Yanomami n° 61).
Entendemos,
porém, que esse relatório de impacto não deve limitar-se
a um estudo ambiental (a Terra Yanomami não é uma mera unidade
de conservação), mas sim contemplar possíveis impactos
sanitários e sócio-econômicos para as comunidades yanomami
direta e indiretamente afetadas pela obra.
Assim,
consideramos que tal estudo, para ser legítimo, deve contar com a participação
de biólogos, antropólogos e médicos reconhecidos e independentes,
e acatar os estudos já realizados sobre os impactos negativos da ampliação
anterior da pista de Surucucu em 1986 (ver
Boletim Pró-Yanomami n° 61).