Untitled Document
O
reconhecimento está em publicação recém-lançada
pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis,
que deverá reconhecer também a extinção das Florestas
Nacionais (Roraima e Amazonas) sobrepostas à TI Yanomami.
Quase
14 anos depois, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (Ibama) admitiu a revogação de onze Florestas
Nacionais (Flonas) que incidiam na Terra Indígena (TI) Alto Rio Negro,
localizada no noroeste do Amazonas. O reconhecimento veio com a publicação
do Atlas de Conservação da Natureza Brasileira, lançado
na última terça-feira, dia 10 de maio, em Brasília. O livro
foi elaborado pela editora Metalivros com apoio técnico e científico
do Ibama e traz um panorama geral das 243 Unidades de Conservação
(UCs) federais sob responsabilidade da autarquia.
“Recentemente, o Ibama abriu mão de lutar por onze Florestas Nacionais,
assumindo sua extinção. Estão todas localizadas na região
Noroeste do Estado do Amazonas: Cubaté, Cuiari, Içana, Içana-Aiari,
Pari-Cachoeira I, Pari-Cachoeira II, Piraiauara, Taracuá I, Taracuá
II, Urucu e Xié,” informa a publicação, à
página 18. O texto observa que, por causa disso, houve uma queda de quatro
milhões de hectares no cálculo da área total de UCs federais
do País de 2003 para 2004. É preciso deixar claro, no entanto,
que não há diminuição no território das áreas
protegidas brasileiras uma vez que as Terras Indígenas também
são assim consideradas.
O reconhecimento do Ibama é importante porque os onze casos estão
entre aqueles considerados mais paradigmáticos na questão das
sobreposições. Oficializadas entre novembro de 1989 e março
de 1990, as Flonas constituem violação ao direito territorial
originário dos povos indígenas, bem como ameaçam seu direito
de usufruto exclusivo dos recursos naturais, conforme determina a Constituição
– esta categoria de UC pode ser explorada economicamente mediante concessão
do governo a empresas privadas. Em 1991, o então presidente Fernando
Collor revogou os decretos de criação das áreas, mas o
Ibama não reconhecia a medida.
Flonas sobrepostas à TI Alto Rio Negro
Flonas sobrepostas à TI Alto Rio Negro “O Ibama admite, assim,
que essas Flonas não foram criadas com objetivos ambientais, mas apenas
geopolíticos e com base em um modelo de ocupação defendido
pelos governos militares”, avalia Fany Ricardo, coordenadora do Programa
de Monitoramento de Áreas Protegidas do ISA. Ela lembra que as Flonas
foram criadas no fim do governo Sarney para estimular ocupações
não-indígenas na zona de fronteira com a Colômbia.
“Concluímos que são muitos fortes os indícios de
que o processo de criação das Flonas foi viciado”, admite
Antônio Carlos Hummel, diretor de Florestas do Ibama. Apesar disso, ele
faz a ressalva de que o reconhecimento da revogação das UCs ainda
não pode ser considerado “formal” porque a Procuradoria do
órgão continua analisando os documentos relativos ao caso e não
deu um parecer final. “Trata-se de um reconhecimento técnico e
administrativo. Não queríamos continuar alimentando a expectativa
sobre Flonas que nunca existiram na prática.”
"Sempre ficava pairando o questionamento de como as comunidades indígenas
iriam se desenvolver sem agredir o meio ambiente. Para nós, isso nunca
foi um problema porque sempre defendemos o manejo correto de nossas áreas",
comenta Domingos Barreto Tukano, presidente da Federação das Organizações
Indígenas do Rio Negro (FOIRN). Ele informa que os povos indígenas
da região pretendem agora avançar na implementação
de projetos de desenvolvimento sustentável que mantenham a floresta de
pé.
Extinção de Flonas na Terra Yanomami
Hummel adianta que as Flonas de Roraima e do Amazonas, que incidem sobre a Terra
Indígena Yanomami, estão sendo analisadas pela Procuradoria do
Ibama no mesmo processo. Questionado se o encaminhamento do problema das duas
áreas seria semelhante àquele dado às Flonas do Rio Negro,
ele afirmou que isso é praticamente certo. “Eu assino embaixo.”
A sobreposição entre TIs e UCs é um problema grave que
vem gerando conflitos políticos entre indigenistas e ambientalistas e
impasses administrativos dentro do governo. Organizações preservacionistas
e o Ibama acusam os índios de depredar os ecossistemas onde vivem. Por
outro lado, povos indígenas e as entidades que defendem seus direitos
afirmam que os órgãos ambientais freqüentemente causam obstáculos
e fazem ingerências indevidas na gestão das TIs. Cálculos
do ISA indicam que, descontadas as onze Flonas do Alto Rio Negro, ainda restam
no País 44 casos de sobreposições.
“Falta diálogo entre as instituições e atores envolvidos.
Estamos dispostos a iniciar este diálogo,” garante o diretor de
Florestas do Ibama. Ele acredita que, pelo menos no caso das Flonas, a solução
pode ser encontrada com a discussão dos planos de manejo das áreas
envolvendo a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Ibama
e as comunidades interessadas. “Podemos encontrar soluções
compartilhadas. O que não pode haver é um impasse por tempo indefinido.”
Inspiração veio da doutrina de Segurança Nacional
As onze Flonas do Alto Rio Negro foram criadas em meio ao processo de demarcação
de TIs no Alto Rio Negro, no final do governo do presidente José Sarney,
quando a chamada doutrina da Segurança Nacional ainda tinha forte influência
sobre a política indigenista brasileira. Na época, o Conselho
de Segurança Nacional (CSN), órgão controlado pelos militares,
assumiu o comando da demarcação dos territórios indígenas.
O CSN argumentava que a ocupação indígena na fronteira
fragilizava o sistema de segurança nacional por criar “vazios demográficos”.
Com base nessa visão, foi proposta a demarcação de um conjunto
de pequenas áreas indígenas desconectadas e permeadas por Flonas
no Alto Rio Negro. A intenção era estimular ocupações
não-indígenas e, assim, supostamente desenvolver a região
e garantir a segurança da zona de fronteira conforme a visão pregada
no Projeto Calha Norte (PCN). Enquanto isso, as comunidades indígenas
locais lutavam pela demarcação de uma TI em área contínua
que representasse a ocupação tradicional indígena nos termos
da Constituição de 1988.
A princípio, prevaleceu a posição dos militares. A situação
mudou, no entanto, com a mobilização dos povos indígenas
– no fim de 1987, nasceu a Foirn – e o fim do governo Sarney. Em
1995, o Ministério da Justiça publicou a portaria declaratória
da TI do Alto Rio Negro, que foi homologada, finalmente, em 15 de abril de 1998,
com cerca de 8 milhões de hectares. (ISA, Oswaldo Braga de
Souza)
Fonte:
Terras Indígenas e Unidades de Conservação da Natureza
– O Desafio das Sobreposições