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Em Roraima, a falta de recursos paralisou parcialmente por dez dias o trabalho
nos pólos de atendimento às comunidades, segundo o sindicato dos
funcionários em Terras Indígenas, e há denúncias
de irregularidades no transporte aéreo das equipes de saúde. Também
por falta de dinheiro, grande parte dos trabalhadores do Distrito Sanitário
Especial Indígena do Rio Negro (DSEI-RN), no Amazonas, estavam sem receber.
O atraso no repasse de verbas da Fundação Nacional de Saúde
(Funasa) para o atendimento da saúde indígena continua sem solução
e causando transtornos para alguns povos indígenas, segundo denúncia
de lideranças indígenas e organizações indigenistas.
Irregularidades em licitações e o loteamento político dos
cargos da Funasa também seriam responsáveis pela piora no atendimento
às comunidades em Roraima. Juntos, os Distritos Sanitários Especiais
Indígenas (DSEIs) Yanomami e do Rio Negro, onde estão ocorrendo
os problemas, atendem cerca de 43 mil pessoas.
Desde janeiro de 2004, organizações indígenas denunciam
a precarização do serviço de atendimento à saúde
indígena, principalmente em Roraima e na região do Alto
Rio Negro, no Amazonas. A Funasa estaria atrasando com frequentemente a
transferência de recursos destinados sobretudo ao pagamento de pessoal.
Segundo as lideranças, a situação só fez piorar
a partir de julho de 2004, quando o governo Lula implantou um novo modelo de
saúde indígena pelo qual a Funasa centralizou a gestão
do sistema e deixou a organizações não-governamentais conveniadas
o papel de contratar e administrar o quadro de funcionários dos DSEIs
com a verba repassada por Brasília.
No
Rio Negro, problemas na prestação de contas
Representantes da Federação das Organizações Indígenas
do Rio Negro (Foirn) estiveram em Brasília, na semana passada, com dirigentes
da Funasa e voltaram para casa com a notícia de que o convênio
assinado com a instituição para o atendimento de saúde
no Alto Rio Negro foi prorrogado por mais um ano, até julho de 2006 e
totalizando R$ 10 milhões. Os integrantes da organização
indígena também receberam a promessa de que a sétima e
última parcela do convênio referente ao período de julho
de 2004 a julho de 2005, no valor de R$ 4 milhões, seria paga até
o fim desta semana, depois de mais de 60 dias do prazo previsto originalmente,
conforme informações da Foirn. A razão da demora estaria
na exoneração do funcionário responsável, que não
teria assinado a ordem para o repasse antes de deixar o cargo. O dinheiro foi
depositado ontem, terça-feira, dia 27 de setembro.
Por conta do atraso, a Foirn já acumula uma dívida de quase R$
1 milhão, entre passivos com encargos trabalhistas e previdenciários,
folha de pagamento e insumos, como combustível, alimentação,
remédios, luvas e seringas, entre outros. A organização
indígena tem comprando fiado este tipo de material. Também por
falta de recursos, grande parte dos cerca de 300 funcionários do DSEI-Rio
Negro estava trabalhando sem receber.
O diretor-presidente da Foirn, Domingos Barreto, lembra que os R$ 4 milhões
recebidos agora serão suficientes para a manutenção do
atendimento até janeiro de 2006 e que o próximo repasse, como
acontece geralmente em todo início de ano, deverá ser feito só
em março. No intervalo de dois meses, a Foirn vai ter de bancar o serviço
por conta própria. “O governo diz que reconhece as peculiaridades
do sistema de saúde indígena, mas as regras dos convênios
assinados com a Funasa são iguais àquelas de qualquer outro convênio”,
critica Barreto.
Segundo a Foirn, o repasse de recursos referentes aos meses de maio, junho e
julho também atrasou (confira).
No dia 30 de junho, a Funasa emitiu uma nota oficial em que afirma que a transferência
foi feita na data prevista (veja
o documento).
De acordo com Barreto, a Funasa vem alegando que os atrasos têm ocorrido
também porque parte dos recursos estaria ficando “sobrestada”,
ou seja, não poderia ser liberada por causa de dificuldades na aprovação
da prestação de contas das organizações conveniadas.
Barreto explica que a legislação impede que sejam usados recursos
para pagar dias atrasados dos funcionários se o convênio não
deixar isto claro, daí as dificuldades na prestação de
contas. A Funasa informou ao presidente da Foirn que o problema está
sendo discutido por um grupo formado por técnicos da própria Fundação,
do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Ministério Público
Federal (MPF). “O governo precisa levar em conta o fato de que, em nenhum
momento, quisemos descumprir a lei. Isso poderia facilitar nossa relação”,
diz Barreto.
Em
Roraima, aumento dos casos de doenças
Em Roraima, no dia 16 de setembro, a Funasa também prorrogou finalmente,
por mais um ano, o convênio firmado com a Fundação Universidade
de Brasília (FUB) para a assistência médica aos Yanomami,
mas, segundo o Sindicato dos Profissionais em Áreas Indígenas
de Roraima (Senalba-RR), 54 dias após o fim do convênio anterior,
referente ao período de 2004-2005. De acordo com informações
repassadas pela assessoria da Funasa, em Brasília, o convênio 1326/04,
assinado com a FUB em 8 de julho de 2004, venceria somente no dia 11 de novembro
deste ano.
O anúncio da prorrogação do convênio da saúde
Yanomami e da transferência de uma primeira parcela, no valor de R$ 2,4
milhões, foi feito em uma reunião entre os conselheiros do Distrito
Sanitário Yanomami (DSY) e o novo coordenador da Funasa em Roraima, Ionilson
Sampaio. No dia 15 de setembro, um dia antes do encontro, 20 índios ocuparam
a sede do órgão em Boa Vista em protesto contra o atraso nos repasses
de verbas e a precariedade do atendimento no DSY. A última parcela do
convênio referente ao período 2004-2005, no valor de R$ 900 mil,
foi repassada apenas em agosto, quase dois meses depois do prazo previsto, conforme
informações do Senalba-RR. Ainda de acordo com o sindicato, durante
dez dias, de 9 a 20 de setembro, cerca de 40% dos pólos de atendimento
do DSY ficaram parcialmente paralisados ou desassistidos por falta de recursos.
Lideranças Yanomami e a Urihi, organização indigenista
que prestava atendimento médico às populações da
região e que deixou de ser conveniada à Funasa em julho de 2004,
denunciam ainda que o número de casos de doenças como a malária,
tuberculose e diarréias, por exemplo, teria aumentado recentemente por
causa da interrupção parcial dos serviços de saúde
na Terra Indígena (TI) Yanomami. “Também voltaram as doenças,
a malária voltou a crescer em Padauiri, Marari, Marauiá e Ajuricaba,
por isso ficamos preocupados. A malária também está aumentando
lá no Alto Mucajaí, no Parawau, que tem uns 30 casos. Estão
voltando com força as doenças que os garimpeiros deixaram em nossa
floresta, tuberculose também aumentou, diarréia e doenças
venéreas”, afirma Davi Kopenawa, presidente da Hutukara Associação
Yanomami. Ele afirma também que faltam remédios e materiais básicos
de trabalho para os funcionários do DSY, como agulha, seringas e estetoscópio.
Já a chefe do DSY, Fátima Maria do Nascimento, contesta tanto
o Senalba-RR quanto a liderança Yanomami. “Não houve suspensão
do atendimento às comunidades”, assegura. Ela também informou
que a incidência de doenças contagiosas está sob controle
na TI.
Além da suposta piora nos indicadores de saúde, também
há denúncias de formação de cartel e superfaturamento
de preços do transporte aéreo no DSY. Segundo comunicado da Urihi
do dia 21 de setembro, a empresa vencedora do último “pregão”
realizado, em junho de 2005, para a contratação do serviço,
venceu as concorrentes com um lance de R$ 1,3 mil a hora de vôo, o que
representou um aumento de quase 90% no preço praticado no convênio
anterior. A empresa, no entanto, estaria repassando parte do serviço
para outras firmas derrotadas na licitação, o que caracterizaria
prática de cartel. O aumento do preço representaria um gasto adicional
de cerca de R$ 3 milhões por ano aos cofres públicos. “Antes,
convocávamos empresas de outros Estados e aí os preços
caíam”, lembra Cláudio Esteves de Oliveira, presidente da
Urihi.
Oliveira suspeita também que pode estar havendo mau uso dos recursos
destinados à contratação e pagamento de pessoal. O convênio
da Urihi para o período de julho de 2003 a julho de 2004 disponibilizou
R$ 10,9 milhões, sendo R$ 9,1 milhões para a folha de pagamentos
de 130 funcionários. A prorrogação do convênio entre
a FUB e a Funasa por mais um ano foi fixada em R$ 15 milhões e, atualmente,
o DSY tem 225 funcionários. “O problema é que o atendimento
e os indicadores de saúde pioraram, como estão dizendo os índios”,
contesta.
Oliveira acusa ainda a administração federal de ter loteado os
cargos das coordenações regionais da Funasa entre aliados políticos.
“No governo anterior, havia menos influência política”.
O presidente da Urihi diz que a entidade deixou o atendimento do DSY em julho
de 2004 por discordar do novo modelo implantado pelo governo Lula para a saúde
indígena.
A coordenação do DSY argumenta que teve de fazer várias
contratações para cargos de direção e para a Casa
do Índio, localizada em Boa Vista. Já o novo coordenador da Funasa
em Roraima, Ionilson Sampaio, que tomou posse no próprio dia 16 de setembro,
afirmou ao jornal Brasil Norte que “não perderá tempo com
denúncias infundadas” feitas porque a Urihi “perdeu convênios”.
Segundo a imprensa roraimense, Sampaio foi indicado para o cargo pelo senador
Romero Jucá (PMDB-RR).
Alternância
de justificativas
Lideranças indígenas dizem que a Funasa vem alternando justificativas
para os atrasos dos repasses: a instituição já afirmou
que eles resultam de problemas na prestação de contas, por causa
do sobrestamento, de erros no preenchimento da documentação ou
identificação de irregularidades, mas também já
informou que mudanças na direção do órgão
e do Ministério da Saúde implicaram a reavaliação
e revisão de muitos convênios.
A reportagem do ISA entrou em contato com a assessoria da Funasa em Brasília,
mas, com exceção dos dados referentes ao convênio firmado
com a FUB, não conseguiu resposta para os outros pedidos de confirmação
das informações citadas nesta reportagem, de uma entrevista com
o coordenador do Departamento de Saúde Indígena (Desai), José
Maria de França, e de um posicionamento oficial da instituição
em relação às denúncias de piora dos indicadores
de saúde e de irregularidades na execução do serviço
de transporte aéreo, em Roraima.( ISA, Oswaldo Braga de Souza)