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Maurilo
Clareto/ÉPOCA
ETNIA POP Cultura
quase intacta fascina o Primeiro Mundo
David
Kopenawa, o maior líder ianomâmi, está reunido com os tuxauas
na floresta para decidir os termos de uma denúncia internacional. 'A
Funasa está nos enrolando. Faltam medicamentos, doenças como malária
e pneumonia estão aumentando. Tem muito dinheiro, mas ele não
chega aqui. Vamos pedir ajuda de fora para que meu povo não volte a morrer
como antes', afirmou, ao deixar Boa Vista, Roraima, na terça-feira. Ele
se refere ao genocídio que dizimou 15% da etnia com doenças levadas
por garimpeiros no fim dos anos 80. Naquele tempo, a situação
só foi combatida pelo governo quando a matança ocupou as manchetes
dos jornais americanos e europeus. Um novo escândalo com os ianomâmis
é um dos poucos feitos que ainda não constam do currículo
do governo Lula.
A Fundação Universidade de Brasília (FUB), da UnB, que
realiza o atendimento, assegura que as metas foram superadas e os indicadores
de saúde melhoraram. Lideranças indígenas e organizações
não-governamentais contestam: as estatísticas não corresponderiam
à realidade. Em 15 de setembro, ianomâmis ocuparam o prédio
da Funasa em Boa Vista, em protesto.
O curioso da atual situação é que a Funasa consumiu muito
mais dinheiro que em anos anteriores. De 2000 a 2004, o modelo de gestão
era descentralizado e cerca de 50% dos ianomâmis recebiam assistência
da Urihi, uma ONG. Em quatro anos, a malária foi reduzida em quase 100%,
a mortalidade infantil diminuiu 65% e a população, ameaçada
de extinção, passou a crescer 4% ao ano. No último período,
de julho de 2003 a junho de 2004, a Urihi recebeu R$ 8,4 milhões para
tudo - de funcionários a remédios, alimentação,
equipamentos, transporte etc.
No ano passado, a Funasa decidiu voltar ao modelo centralizado que havia fracassado
em gestões anteriores. A Urihi não aceitou os termos e saiu. A
UnB-FUB a substituiu. De julho de 2004 a junho deste ano, recebeu R$ 10,9 milhões
apenas para ações complementares. Conforme o coordenador do convênio,
Claudio Machado, da FUB, cerca de 80% - quase R$ 9 milhões - são
gastos com o pagamento de pessoal. Em resumo: o custo de pessoal é maior
que o valor que a ONG gastava para a execução total em atendimento
considerado exemplar. No atual modelo, o convênio é apenas parte
dos gastos. Sob a administração direta da Funasa, por exemplo,
está o transporte aéreo: a hora-vôo saltou de R$ 690 para
R$ 1.300.
Em setembro, os funcionários pararam por dez dias devido a atrasos nos
salários e na ajuda de custo para alimentação dos agentes.'Os
servidores saíram da área e a nova equipe não entrou',
disse o presidente do Senalba (o sindicato da categoria), José Rondinelle
Rodrigues. 'Também faltam medicamentos, e o pessoal corre risco de morte.
Como vamos explicar ao índio doente que é preciso esperar pela
burocracia?' O convênio com a FUB foi prorrogado até novembro.
O valor: R$ 15 milhões. 'Mas só receberemos todo esse dinheiro
quando a prorrogação chegar a um ano', diz Machado. 'Vamos ampliar
o número de funcionários de 190 para 229 e realizar mais ações
de cooperação técnica. Nunca ouvi reclamações
de nenhum ianomâmi.' Machado vai a Boa Vista uma vez por mês e admite
que jamais pisou na floresta.
Ainda que os recursos durem um ano, é difícil compreender por
que são necessários R$ 15 milhões para ações
complementares, quando antes a execução total custava a metade.
'O governo Lula centralizou a assistência para criar um cabidão
de empregos e agradar aos políticos locais. No modelo anterior, o dinheiro
ficava longe dos apadrinhados', diz o antropólogo Bruce Albert, da respeitada
ONG CCPY. 'Não acreditamos nas estatísticas oficiais. Quem vai
para dentro da floresta comprovar? Acreditamos nos ianomâmis.' Na quarta-feira,
o Instituto Socioambiental denunciou problemas no atendimento aos índios
também no Amazonas - realizado por diferentes organizações.
Por meio de sua assessoria, a Funasa afirmou que denúncias de irregularidades
estão sendo examinadas em auditoria interna. Alegando 'falta de tempo',
não respondeu à maior parte das perguntas de ÉPOCA. O convênio
entre Funasa e UnB-FUB está sob investigação na 6a Câmara
da Procuradoria-Geral da República. (Eliane Brum).
Fonte: Revista
Época