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Davi
Kopenawa ressalta a continuidade dos problemas de saúde na área
yanomami
Em
carta enviada ao antropólogo Bruce Albert, vice-presidente da CCPY, Davi
Kopenawa sintetiza um quadro das principais preocupações yanomami
quanto à estrutura de atendimento à saúde na sua terra
(ver Boletins 58,
60,
67
e 68).
Segundo Davi a ameaça física representada pela volta de doenças
consideradas até então controladas só tende a se tornar
mais crítica com a falta de vontade de diálogo das administrações
relevantes e a ausência de controle dos recursos públicos destinados
à saúde indígena. Davi pede para que a carta seja tornada
pública para reafirmar muitas das denúncias já veiculadas
pelo Boletim Eletrônico da CCPY, como a escassez de remédios, a
ausência de canais de comunicação com a Funasa e o aumento
de casos de malária.
Boa
Vista, 25 de setembro de 2005.
Hutukara
Associação Yanomami
Mensagem
urgente aos senhores amigos que lutam pela saúde e pela vida
Olá cunhado (xori) Bruce. Você está bem de saúde? Eu estou bem. Em Watoriki
[aldeia do Davi] também todo o pessoal está bem.
Sim, eu quero te colocar a parte do fato que nós Yanomami estamos muito preocupados
mesmo porque a xawara [doenças contagiosas] não acaba em nossa terra. Por isso
te mando minhas palavras. O pessoal da Fundação Nacional de Saúde [FUNASA] não
quer mandar dinheiro para os Yanomami como deveria. Parece que eles não querem
gastar com a gente. É isto que ouvi falar e por isso te passo esta noticia.
Em função disso, eles não mandam o suficiente de remédios para a gente.
O [então] Coordenador regional não ajudou como deveria os Yanomami, ele só gastou
dinheiro na cidade. Ele não nos ajudou direito com compra de remédios. Por isso,
vários de nossos filhos morreram. Em nossa terra não tem remédios, por isso
que xawara [doenças contagiosas] perigosas estão aumentando em nossas casas.
Não tem o suficiente de remédios em nossa floresta e, assim, eles [a FUNASA]
trazem muitos Yanomami doentes na cidade: em 11 de julho de 2005 tinha até 132
Yanomami internados na Casa do Índio [em Boa Vista].
Sim, cunhado Bruce, vocês brancos não devem pensar que o pessoal da FUNASA está
trabalhando bem para os Yanomami. É assim que eles são realmente.
Nos dias 15 e 16 de setembro teve uma reunião extraordinária do Conselho Distrital
de Saúde Yanomami e Yekuana com o pessoal da FUNASA. Eles nos chamaram, mas
não explicaram nada direito para a gente. Nós queríamos ouvir o chefe deles
[o Coordenador regional]; queríamos falar com quem realmente manda, mas ele
fugiu de nós. Só tinha lá gente nova [subordinados]. Ficamos muito bravos porque
este Coordenador com o qual a gente preferia conversar não foi esperto e fugiu
da gente; assim pensamos que ele não queria ver nem ouvir os Yanomami. Por isso
estamos ainda com muita raiva até hoje, eles não fizeram as coisas da maneira
certa conosco.
Nós pedimos para que a FUNASA mandasse dinheiro rápido. Porque se não, iriam
fechar nossa floresta [interromper o serviço de saúde] e por isso que ficamos
bravos com eles.
Não queremos recomeçar a morrer todos de xawara [doenças contagiosas] como antes.
Pensando nisso ficamos muito inquietos e tristes. No Amazonas, lá onde moram
os Xamathari [Yanomami do oeste], a malária voltou a aumentar muito de novo.
Os brancos de lá [das ONGs conveniadas com FUNASA] estão muito ansiosos porque
eles nem têm remédios para tratar estas malárias. Eu também fico angustiado
com isso.
O Presidente da FUNASA não dá apoio ao SECOYA, ao IBDS [no AM] e à Diocese de
Roraima [ONGs conveniadas com FUNASA]. Não assina novo documento do convênio.
Ele sovina o dinheiro para eles trabalharem. Não têm nada para comprar remédios.
O chefe da FUNASA não dá dinheiro para eles. Com isso também estamos preocupados.
É assim, cunhado. O Presidente da FUNASA só consertou um pouco o convênio com
a FUB-FUBRA [Fundação Universidade de Brasília, também conveniada com a FUNASA].
Só chegou dinheiro para pagar os funcionários brancos em Boa Vista. Mas não
chegou ainda dinheiro nenhum para comprar remédios para nós, Yanomami. O Presidente
da FUNASA sovina este dinheiro, por isso estamos preocupados. Lá nos Xamathari
[Yanomami do oeste] também não há remédios. No rio Padauiri [AM] a malária voltou
muito pesado. Nas regiões de Aracá e Palawaú [AM] também a malária aumentou
muito. Por isso nós Yanomami estamos muito inquietos mesmo, a FUNASA não está
ajudando a gente com força. E assim, não queremos mais nada deste Coordenador
porque ele trabalhou mal, não nos ajudou direito, e ficou desperdiçando dinheiro
que era para nós.
É assim, cunhado, eu mandei estas palavras escritas conforme meus pensamentos.
Se você acha que elas estão certas me ajuda para colocá-las em português e,
depois, mandá-las para os amigos, para que estes brancos [da FUNASA] levem um
susto com elas.
É assim que eu fiquei pensando e por isso te faço trabalhar, porque você é meu
amigo e vai colocar minhas palavras no boletim em defesa da causa indígena [o
boletim da CCPY].
É assim, cunhado, minhas palavras acabaram, foi isso, agora vou embora [para
a minha aldeia].
Um grande abraço,
Seu amigo
DAVI KOPENAWA YANOMAMI.
(tradução
para o português por Bruce Albert)