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Brasília,     


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Esta seção procura seguir toda a atualidade Yanomami no Brasil e na Venezuela. Apresenta notícias produzidas pela Pró-Yanomami (CCPY) e outras ONGs, bem como notícias de imprensa. Propõe também comentários sobre eventos, publicações, exposições, filmes e websites de interesse no cenário Yanomami nacional e internacional.

Yanomami na Imprensa

Data: 23 - Novembro - 2005
Titulo: Suicídios yanomam e yecuana na mídia: nem onda, nem tsunami
Tema:
Fonte: resposta à matéria publicada pelo jornal O Estado de São Paulo “Onda de suicídios atinge os ianomâmis”, do dia 29/10/05.

“Quanto mais vasto o tempo que deixamos para trás, mais irresistível é a voz que nos convida ao retorno. Essa frase parece evidente, e no entanto é falsa” Milan Kundera in “A Ignorância”

Ao ler a matéria publicada pelo jornal O Estado de São Paulo “Onda de suicídios atinge os ianomâmis”, do dia 29/10/05, não me surpreendi, embora acompanhando esta triste situação junto aos Yekuana desde dezembro de 2001. Recentemente, percebi a diferença de vários atores no tratamento do tema quando este atingiu os seus vizinhos Sanumá: a imprensa é conseqüência disso. Claro que a jornalista, autora do artigo, não estava passando por acaso em Auaris (extremo noroeste do Estado de Roraima, cerca de 2 horas de avião monomotor de Boa Vista, capital de Roraima). A noticia foi produzida com dados imprecisos, na pressa de um trabalho jornalístico pouco aprofundado. A matéria cita uma frase de um homem Sanuma: “Não quero voltar a Uauaris para não ter vontade de morrer”. Ele teria sido entrevistado pela jornalista ? Podemos supor que sim. Também cita alguns testemunhos do missionário Ademir Silva, que teria afirmado: “Foi com a chegada do cipó que começaram os suicídios” e ainda relata que “A maioria das tentativas é frustrada por ele e pela equipe de saúde da Funasa”. Outro profissional citado é o antropólogo e professor da UFAM Ademir Ramos. Segundo ele “Todos os povos que perdem a perspectiva de amanhã buscam o próprio fim”. Por último, outra pessoa citada é também missionário da MEVA-Missão Evangélica da Amazônia, Milton Camargo, que por sua vez, teria afirmado que “por conseqüência dos suicídios os iecuanas estão se dividindo em dois grupos e deixando Uauaris”.

Se a jornalista esteve em Roraima entrevistando estas pessoas, é estranho que não tenha entrado em contato com os Yekuana ou com pessoas que realizam pesquisas na região. Se ela tivesse apenas por curiosidade acessado a Internet, sem muita dificuldade teria acessado informações mais precisas quanto aos Yekuana. Não o fez, optou por veicular as informações dos missionários da MEVA. É sem dúvida uma escolha legítima, uma vez que a MEVA conta com missionários falantes das respectivas línguas indígenas na região de Auaris, além da longa vivência junto a estes povos. Os missionários, com seus objetivos específicos, não necessariamente precisam dialogar com os antropólogos que pesquisam na região. Os profissionais da informação, eles, sim. Me pergunto: como esta informação virou notícia? Já que não se vai até Auaris por acaso.

Tenho participado de vários fóruns relacionados às novas demandas na área da saúde indígena, como na oficina de trabalho do GT Saúde Indígena da ABRASCO, em julho deste ano, e outros, de trocas de informações entre profissionais e discussão de políticas de intervenção sobre alcoolismo e suicídio em populações indígenas, alguns deles financiados pela FUNASA, como os promovidos pelo Centro de Monitoramento de Pesquisa e Intervenção em Saúde Mental e Alcoolismo em Populações Indígenas, de Londrina, PR. Nestes espaços, o tema dos suicídios, entre os Yekuana e outras populações indígenas no Brasil, procurou subsidiar profissionais da saúde e aqueles que elaboram políticas públicas junto a estes povos sobre a necessidade de se compreender o fenômeno e as diferenças entre os casos estudados. Alguns chamam este campo de saúde mental, outros preferem manter distância destas categorias, mesmo reconhecendo que se trata de novas conexões de conhecimentos que deverão compor novas frente de atuação na saúde indígena. Apesar disso, não existe um trabalho mais organizado com a equipe da saúde que atua em Auaris e a nossa pesquisa.

Mas, vamos tentar precisar algumas informações. Os Yekuana, são um povo de língua Karib, cuja maioria da população (cerca de 6.000) mora na Venezuela. No Brasil contam com uma população de aproximadamente 500 pessoas, distribuídas em três principais aldeias, duas ao longo do rio Auaris e uma no rio Uraricoera, todas elas na TI Yanomami. Hoje, sete de seus professores são alunos do curso de Licenciatura Intercultural Indígena, na UFRR. As duas escolas nas aldeias alfabetizam as crianças na língua materna e em português. Atualmente, desenvolvem inúmeras atividades e projetos visando produzir materiais didáticos em língua materna. Por razões históricas os Yekuana, diferentemente de outros povos Karib em Roraima, não perderam sua língua materna, nem adotaram a religião cristã. Contam com vários especialistas, cantores que realizam inúmeros rituais no dia a dia da aldeia. O uso do timbó e de outros venenos para a caça e pesca não é novidade entre os povos indígenas, e também é usado entre as duas etnias em Auaris. Portanto, não se pode explicar os suicídios com a chegada do timbó ou outros venenos. Entre os Yekuana podemos encontrar vários relatos de pessoas que no passado próximo e distante, usaram em algum momento de suas vidas o veneno, sem com isso perder a vida, pois eles conhecem vários antídotos e sempre cuidaram de suas vítimas sem nenhum ou pouco conhecimento dos profissionais indigenistas e da saúde, que chegaram na área nos anos 90.

Contudo, a partir de dezembro de 2001 se inicia uma série de suicídios entre os jovens Yekuana: mulheres usaram venenos e homens usaram armas de fogo e enforcamento. As tentativas foram muitas. Foi então que eles diagnosticaram algo ligado a uma guerra xamânica, “o feitiço” como chamam os missionários. Decidiram proibir por alguns períodos a produção da bebida tradicional, cuidaram dos seus jovens vigiando-os, não deixando que ficassem sozinhos, e assim impediram diversas tentativas. Uma primeira ressalva é que, sem dúvida, tal diagnóstico reforça as estruturas xamânicas de ambos os povos, ou seja, mais que especialistas não indígenas (religiosos ou médicos), o diagnóstico do “feitiço” leva cada um a procurar seus próprios especialistas. Estas iniciativas poderão ser apoiadas ou não pelos atores não indígenas presentes na região, na medida em que não ficarem desconhecidas.

Um segunda observação é que, tradicionalmente, muitas culturas indígenas abandonam os lugares de moradia quando alguma tragédia acontece, ou ainda quando alguma liderança morre, isso vale para as duas etnias, os missionários sabem disso. Não é nenhuma novidade, do ponto de vista etnográfico, que os Yekuana decidam por uma mudança do seu local de moradia: claro que isso não é muito prático para os não indígenas que querem acompanha-los, ou para quem prevê que uma mudança entre os Yekuana possa afetar os seus vizinhos Sanumá, que desde os anos 60, contam com a presença e atuação dos missionários da MEVA em sua aldeia em Auaris.

Mas a notícia veiculada pela matéria é que os suicídios atingem jovens da etnia Sanuma (Yanomami): é isso que a jornalista quis veicular, se importando pouco em contextualizar a região de Auaris e das duas etnias ali presentes? Então, o suicídio entre os Yekuana seria normal (para não dizer banal), já que vem acontecendo com taxas alarmantes há quase 3 anos. Ou a notícia é que hoje os Sanuma estão sendo salvos dos suicídios pelos missionários e funcionários da Funasa?

É importante dizer que, desde 2002, a FUNAI Regional de Boa Vista solicitou a elaboração de um parecer antropológico sobre a ocorrência de suicídios entre os Yekuana. Até hoje, suicídio após suicídio, o processo aguarda a liberação da Coordenação Geral de Estudos e Pesquisas (CGEP) da FUNAI, em Brasília. O Distrito Sanitário Yanomami, também nós convidou, em 2003, para falarmos da situação que incluía, os números das vítimas e da compreensão do fenômeno entre os Yekuana, junto aos gestores e profissionais da saúde. Chegaram até a dizer que aquele não era um problema dos Yanomami…, e de fato, na época (ainda) não era, mas era sim um problema para os Yekuana. Nem a URIHI-Saúde Yanomami, que atuava na época em Auaris, nem a atual equipe de trabalho da FUNASA, tiveram a iniciativa de manter um dialogo com a antropóloga que trabalha junto aos Yekuana desde 2000. No mês de setembro deste ano a equipe de saúde de Auaris, convidou a OMIR-Organização das Mulheres Indígenas de Roraima, para fazerem uma atividade na aldeia Yekuana, levando a sua experiência de combate ao alcoolismo, identificado por alguns como sendo a causa dos suicídios. Acompanhamos a equipe a convite da OMIR e com o apoio logístico da FUNASA. A experiência confirma a necessidade de um acompanhamento antropológico para as intervenções na área da saúde, se quisermos defender o direito a um atendimento diferenciado para os povos indígenas. Assim como os operadores de saúde que atuam em Auaris são informados sobre algumas regras de conduta dentro da cultura Yanomami, o mesmo procedimento seria bem vindo junto aos Yekuana, cuja presença e diferença, embora minoritária na TI Yanomami, ainda permanece invisível para muitos. Do contrário, pessoas poderão acreditar que estão “salvando” os Sanuma e os Yekuana dos suicídios, outras poderão propor psicofarmacos, sem nem mesmo procurar entender como eles compreendem o fenômeno, como já estão, eles mesmos, buscando soluções. Um exemplo de suas iniciativas, foi a decisão, das lideranças Yekuana de Auaris, de convidar um de seus importantes especialistas em cantos, rituais, uso de plantas e histórias, que mora numa outra aldeia, distante 1 hora de avião, para ficar um tempo na aldeia. Para isso poder acontecer, os Yekuana precisavam de um apoio para o transporte desta pessoa e alguns familiares.

A pedido deles solicitamos o apoio da FUNAI de Boa Vista que providenciou o transporte. Nestes dias ele já está em Auaris, contando mitos, recebendo visitas dos Yekuana da Venezuela, num esforço coletivo e cultural autônomo de cuidar os uns dos outros. Após a primeira experiência realizada em 2003 com o apoio do PDPI (Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas), os Yekuana de Auaris, farão uma outra festa que há anos não se fazia, os jovens filmarão, farão anotações sobre histórias e cantos desta vez sem precisar de um “projeto”. Mesmo aqueles que se encontram em Boa Vista, comentam com entusiasmo este acontecimento. Tal ação poderia ser vista como uma intervenção na área da saúde indígena, só não é uma intervenção externa. Os Yekuana estão usando todos os seus recursos para protegerem os seus jovens, reconhecem que eles sofrem pois estão mais frágeis. É difícil dizer que um povo com tanta energia em se proteger, em promover cuidados das pessoas queridas, em buscar saídas, esteja querendo o “seu próprio fim”. Portanto, também no campo antropológico, muitas coisas precisam ser entendidas para não se cair nos clichês. Sem dúvida o contato trouxe tantas “epidemias”, mas “os brancos” não são os únicos a terem os poderes de cura. O que não nos impede em conhecer a fundo como está sendo a convivência e quais os possíveis problemas destes povos com os vários atores externos presente em Auaris: missionários, funcionários da saúde, indigenistas, pesquisadores e militares do Programa Calha Norte. Acredito que a fala de Geraldo é uma fala de quem sofre, não é banal, o suicídio não é banal.

Os Sanumá têm outra estrutura social e provavelmente buscarão outras estratégias para se defenderem. As equipes de saúde poderiam buscar dialogar com outras experiências, com as antropólogas que fazem pesquisa junto a estas etnias e, quem sabe se compreenda melhor, para se respeitar melhor o sofrimento do outro. É isso o que os Yekuana estão fazendo. Infelizmente, agora o problema também atinge os Sanuma (Yanomami), com a diferença que já é notícia nacional…

Elaine Moreira Departamento de Antropologia- UFRR

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Coordenação Editorial: Bruce Albert (Assessor Antropológico CCPY) e Luis Fernando Pereira (Jornalista CCPY)


 

 

 


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