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Notícias CCPY Urgente
Data: 7 - Março - 2006
Titulo: Universidade Federal do Pará devolverá amostras de sangue Yanomami
Fonte:
CCPY – Comissão Pró-Yanomami, Boletim nº 76
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Universidade
Federal do Pará devolverá amostras de sangue Yanomami
A Universidade
Federal do Pará (UFPA) devolverá aos Yanomami as amostras
de sangue mantidas em seus laboratórios e nos da Faculdade de Medicina
de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). As
amostras foram coletadas em 1990 entre os Yanomami das regiões
do Alto e Baixo Mucajaí e Paapiu sem o consentimento informado
dos pacientes, que ignoravam as suas aplicações imediatas
e as futuras. A devolução das amostras se dará após
ação do Ministério Público Federal que, a
pedido de lideranças yanomami em 2002 (ver
Boletins Pró-Yanomami 11,
23,
25
26,
32,
41
e
59),
vem realizando intenso trabalho junto a instituições nacionais
e estrangeiras que, desde a década de 1960, fizeram pesquisas sem
os devidos esclarecimentos às comunidades em terra indígena.
A UFPA informou que está providenciando o envio do material para
a Procuradoria da República de Roraima e o Ministério Público
Federal (MPF) prevê que até março ele já esteja
nas mãos dos Yanomami.
O sangue
em posse da UFPA foi recolhido entre 14 e 25 de agosto de 1990, nas comunidades
do Alto e Baixo Mucajaí, e 16 a 29 de agosto do mesmo ano, nas
comunidades do Paapiu durante curso de atendimento médico realizado
por equipes da Universidade, em acordo com a Fundação Nacional
do Índio (Funai). Segundo documento enviado ao Ministério
Público Federal pela Universidade, as intenções iniciais
dos estudiosos diziam respeito à investigação laboratorial
e epidemiológica de infecções e pesquisa de malária.
Após a realização dessas pesquisas, as amostras foram
utilizadas para obtenção de DNA, com o intuito de levantar
afinidades entre populações indígenas e sua história
biológica.
A devolução
do material coletado pela UFPA e pela Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto consistiu num dividendo inesperado aos esforços do Ministério
Público e dos Yanomami, já que não haviam informações
sobre essa coleta, realizada durante uma missão de saúde
cujos objetivos oficiais não previam tal procedimento. A descoberta
se deu durante o processo de solicitação de amostras em
posse de instituições norte-americanas e brasileiras, recolhidas
durante as décadas de 60 e 70. Em julho de 2005, Maurício
Fabretti, Procurador Geral em Boa Vista, Roraima, enviou ofícios
a treze reitores e diretores de dez instituições nos Estados
Unidos: a Universidade Estadual da Pensilvânia, a Universidade Binghamton,
a Universidade Emory, Instituto Nacional do Câncer, a Universidade
da Califórnia, a Universidade Estadual de Ohio, Universidade Estadual
da Louisiana, Universidade de Pittsburgh, Universidade John Hopkins e
a Universidade de Michigan. Até o momento, apenas quatro dessas
instituições responderam. A Universidade Estadual da Pensilvânia,
a Universidade do Estado de Nova York em Binghamton e o Instituto Nacional
do Câncer confirmaram possuir material pertencente aos Yanomami
e já se dispuseram a negociar sua devolução. A Universidade
da Califórnia, no entanto, afirmou não estocar amostras.
Entenda
a polêmica – Durante as décadas de 1960 e
1970 pesquisadores norte-americanos e brasileiros sob direção
do geneticista James Neel, professor de genética da Universidade
de Michigan, coletaram amostras de sangue entre comunidades yanomami no
Brasil e na Venezuela sem que elucidassem seus objetivos aos doadores
e obtivessem seu consentimento informado. O sangue é mantido até
hoje em instituições norte-americanas e brasileiras, após
ter sido reprocessado na década de 1990, permitindo a extração
de material genético para novas pesquisas, sem o consentimento
dos Yanomami que desconheciam a permanência em terras longínquas
de vestígios biológicos de parentes já falecidos,
que deveriam passar por cerimônias funerárias apropriadas.
A equipe
chefiada por Neel recolheu sangue principalmente entre os Yanomami das
comunidades do Toototobi (AM), onde morava na época Davi Kopenawa,
então com 11 anos de idade. “Lá (nos Estados Unidos)
está o sangue de minha avó, a mãe de meu pai, por
isso eu me entristeço. Lá está também o sangue
de meu avô, até o sangue de meu pai, o que nos deixa entristecidos”,
declarou Dário, filho de Davi Kopenawa, professor e tesoureiro
da Hutukara Associação Yanomami. “Nós não
podemos mais chorar pelos que morreram. Queremos devolver seu sangue à
terra, aos locais onde eles se originaram e nasceram, e não deixá-lo
trancado em locais gelados. Nós, os mais jovens, não teremos
o pensamento tranqüilo enquanto o sangue não retornar”.
Segundo
Dário, os anciãos Yanomami de Toototobi relatam que a coleta
de sangue se realizou após apenas um discurso vago dos pesquisadores
sobre suas intenções, fazendo referências a melhorias
nas condições de saúde, e a distribuição
de mercadorias de troca: “Os mais velhos não entendiam os
que eles (pesquisadores) faziam lá, eles não compreendiam
suas intenções, por isso mostraram seu sangue. Eles foram
enganados pela fala dos brancos, que diziam: ‘sim, ao tomarmos seu
sangue vocês viverão com muita saúde, não voltarão
a morrer doentes, não voltarão a sofrer com epidemias, viverão
saudáveis por muito tempo, vocês e suas crianças’,
foi o que disseram para enganar os mais velhos”.
Em 2002
líderes yanomami solicitaram ao Ministério Público
Federal (MPF) providências quanto às informações
de que haveria milhares de amostras de sangue de seu povo em laboratórios
norte-americanos. Com base em informações fornecidas pela
Comissão Pró-Yanomami, a 6ª Câmara de Coordenação
e Revisão do MPF questionou as universidades do Estado da Pensilvânia
e de Michigan sobre a possibilidade da existência de sangue, com
confirmação positiva apenas da primeira instituição.
No ano seguinte a 6ª Câmara requisitou a colaboração
do Ministério das Relações Exteriores e da Advocacia
Geral da União, mas não obteve resposta até o presente
(ver
Boletim 41).
Em abril
de 2005, o Procedimento Administrativo foi encaminhado ao MPF em Roraima,
que reconstituiu o histórico das expedições de coleta
de material biológico entre os Yanomami nas décadas de 1960
e 1970, a partir de depoimentos dos geneticistas que as coordenaram, Dr.
Francisco Mauro Salzano, da UFRGS e Dr. Manuel Ayres, da UFPA. Levantamento
feito junto aos arquivos da Funai indica que essas expedições
de coleta foram realizadas com autorização do governo brasileiro.
Além da expedição realizada em 1967 comandada diretamente
pelo Professor James Neel, ocorreram outras, entre julho e agosto 1972
e em 1974.
Um
caso exemplar - Mesmo contando com autorização
de órgãos do governo brasileiro, os pesquisadores não
seguiram as normas sobre consentimento informado estabelecidas pelos códigos
bioéticos internacionais da época: o Código de Nuremberg,
de 1947, e a Declaração de Helsinki, de 1964. “Os
Yanomami não sabiam qual seria o uso das amostras, alguns pensaram
que se tratava de algum procedimento médico, assim como não
sabiam que o sangue poderia ficar congelado em um laboratório até
hoje, fato que os ofende profundamente. (...) Recentemente, as amostras
foram utilizadas para extração de material genético,
novamente sem o consentimento dos Yanomami”, declarou Jankiel de
Campos, Analista Pericial em Antropologia do Ministério Público
Federal em Roraima.
O trabalho
do Ministério Público está atualmente na fase de
inquérito civil que precede e, em muitos casos, substitui ações
judiciais quando os interesses dos povos indígenas são atendidos
espontaneamente. Segundo Jankiel de Campos, tais solicitações,
feitas não em nome de alguns indivíduos, mas em nome do
povo yanomami, representam passo inédito na discussão sobre
apropriação de material genético e o estabelecimento
de regras mais claras de conduta ética em pesquisas científicas:
“Apesar de haver outros povos em situação similar,
não temos conhecimento de algum que conseguiu reaver seu material
genético. Por isso, o caso dos Yanomami está prestes a se
tornar um exemplo que terá repercussão internacional. Mesmo
que não que não seja mais possível punir os responsáveis
por essas arbitrariedades, vamos garantir que isso não se repita
e incentivar outras comunidades a tomar iniciativas no sentido de serem
reparadas. Hoje, o consentimento prévio informado é algo
estabelecido na comunidade científica internacional e mesmo que
situações como essas se repitam haverá uma reação
imediata e não com 30 anos de atraso como ocorreu com os Yanomami”.
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Coordenação Editorial: Bruce Albert (Assessor Antropológico CCPY) e Luis Fernando Pereira (Jornalista CCPY)
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