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Notícias CCPY Urgente
Data: 7 - Março - 2006
Titulo: Controvérsia da coleta de sangue entre os Yanomami cria novos parâmetros éticos em pesquisa científica
Fonte:
CCPY – Comissão Pró-Yanomami, Boletim nº 76
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Controvérsia
da coleta de sangue entre os Yanomami cria novos parâmetros éticos
em pesquisa científica
Os
debates gerados a partir da descoberta da existência de amostras de sangue
dos Yanomami, coletadas sem consentimento informado e o pedido formal de sua
devolução emitido pelos representantes deste povo, podem definir
novos parâmetros de responsabilidade e ética sociais das pesquisas
conduzidas entre os povos indígenas. Este é a opinião de
Robert Borofsky, Professor de antropologia da Universidade Hawaii Pacific, diretor
do Centro por uma Antropologia Pública e organizador da coletânea
Yanomami: The fierce controversy and what we can learn from it
(Yanomami: a controvérsia feroz e o que podemos aprender dela) (University
of California Press, 2005).
O
Professor Borofsky participa de uma campanha pela devolução do
sangue mantido em universidades norte-americanas às comunidades yanomami.
“Os problemas da controvérsia yanomami vão muito mais fundo
do que as ações de alguns poucos indivíduos. Eles dizem
respeito ao fato de que muitos acadêmicos prezam demais sua autonomia
individual e não querem ser limitados ou se sentirem responsáveis
pelas pessoas que pagam seus salários ou lhes proporcionam informações
com as quais constroem suas carreiras. Eles querem usar, como diz uma expressão
americana, ‘fumaça e espelhos’ para manter um discurso público
atrativo, mas, no final das contas, não querem sentir-se responsáveis
por suas palavras ou ações”.
Jankiel de Campos, Analista Pericial em Antropologia do Ministério Público
Federal em Roraima, que vem atuando diretamente no caso, compartilha da opinião
e critica a forma como o debate foi conduzido de maneira retrógrada por
alguns cientistas: “O caso dos Yanomami também colaborou para o
avanço do debate sobre a ética na biomedicina, que progrediu muito
nessa última década. Infelizmente, alguns cientistas, por absoluta
arrogância, são incapazes de reavaliar os impactos de suas pesquisas
sobre aquelas pessoas que foram essenciais para que elas pudessem ocorrer, preferindo
a saída covarde de rotular de ‘obscurantista’ todos que ousam
criticar seus procedimentos. Porém, tudo indica que eles estão
se tornando uma minoria cada vez mais insignificante”.
Para Dário Yanomami, professor e membro da Hutukara Associação
Yanomami, tanto a resistência em reconhecer o erro quanto a própria
forma como as amostras foram obtidas são frutos de uma mesma mentalidade,
que classifica os povos indígenas como intelectualmente incapazes: “O
que os Brancos realmente pensam, o que realmente têm em seu interior,
para nos chamarem de tolos? Nós os respeitamos, não os caluniamos,
não dizemos que são tolos sem razão (....) Nós queremos
promover discussões com os eles, mas eles não nos ouvem, falam
que somos Índios e não prestam atenção ao que dizemos.
Quando os Brancos são pequenos ainda, seus pais e mães ensinam
essa palavra estranha, ‘Índio’, e eles crescem com ela na
cabeça e a espalham de forma errada, seus pensamentos sobre nós
se tornam tortos. ‘Ah, Índio é como cachorro, como animais,
podemos tirar seu sangue, eles não entendem’, é o que os
Brancos pensam”.
Reticência acadêmica - Segundo o Professor Borofsky,
tal incapacidade de discutir esta problemática de maneira construtiva
por parte de alguns cientistas resulta também da tendência de enclausuramento
de instituições estadunidenses, que insistem em abafar as discussões:
“Neste momento, não há muitas repercussões nos Estados
Unidos porque várias instituições possuem amostra de sangue
indígena, não querem devolvê-las e, assim, tentam se manter
quietas sobre o problema. (...) Teremos que esperar para ver quais serão
as repercussões de nossos esforços”. Entre as raras discussões
públicas do assunto está o recente artigo publicado na revista
The Chronicle of Higher Education, que aborda temas sobre o ensino superior
nos Estados Unidos. (Ver:
Yanomami na Imprensa - 03/03/2006 - "Blood Feud - A controversy over South
American DNA samples held in North American laboratories ripples through anthropology)
Sem a atuação de algumas pessoas que insistem em extrair reflexões
desse episódio e relembrar sua profundidade ética, tais tópicos
seriam esquecidos em prol de uma retórica mais leve, como explica Borofsky:
“A maioria da antropologia americana está fazendo o melhor possível
para esquecer sobre os problemas éticos centrado sobre a controvérsia
Yanomami e, sobre este ponto, está muito ocupada com seus próprios
interesses específicos para se preocupar em devolver o sangue. A antropologia
americana foi, usando um provérbio, ‘pega com as calças
arriadas’ durante a controvérsia yanomami e está agora tentando
agir agora como se nada tivesse ocorrido”.
Ação estudantil - Se por um lado os pesquisadores
das universidades resistem em devolver as amostras de sangue, seus alunos se
organizam e se manifestam publicamente em favor da demanda dos Yanomami. Assim,
cerca de 200 estudantes das Universidades de Illinois, Michigan, Hawaii Pacific
e Pierce College, que participaram da fase inicial da campanha do website do
Yanomami Community Action (www.publicanthropology.org),
enviaram ao Professor Kenneth Weiss, da Universidade Estadual da Pensilvânia,
um pedido de devolução do sangue yanomami. Mais recentemente,
cerca de 800 estudantes das Universidades de Notre Dame, Wisconsin, Georgia,
Montana, Hawaii Pacific e Pierce College enviaram também cartas ao Presidente
da Universidade da Pensilvânia. Ainda está prevista para o mês
de abril a participação de centenas de estudantes das Universidades
da Califórnia, Vermont e, novamente, Hawaii Pacific. Caso seu apoio aos
Yanomami para a devolução das amostras de sangue seja ignorado,
os estudantes escreverão aos membros da Assembléia Geral da Universidade
do estado de Pensilvânia durante o processo de discussão de repasse
de verbas do estado à universidade, alertando os legisladores estaduais
sobre o problema.
Desfecho – Para o Professor Borofsky não há
razão nenhuma na resistência das instituições, já
que esta claro que todos os aspectos do procedimento de obtenção
de consentimento informado foram ignorados no andamento das pesquisas. A situação
seria diferente apenas se os Yanomami tivessem sido devidamente informados de
que: 1) não teriam benefícios médicos nenhum destas pesquisas
(o que, ao contrário, lhes foi prometido); 2) o sangue coletado seria
armazenado em refrigeradores décadas após suas mortes; 3) os cientistas
que coletaram e analisaram seu sangue cresceriam em suas carreiras e acumulariam
pequenas fortunas a partir dos resultados desta pesquisa. Como nenhuma dessas
condições foi, de fato, preenchida, o Professor Borofsky sentencia:
“As amostras de sangue deveriam ser devolvidas e, se os pesquisadores
americanos quiserem novas amostras, eles deveriam negociar um novo acordo de
consentimento informado, com as condições e resultados amplamente
divulgados”.
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Coordenação Editorial: Bruce Albert (Assessor Antropológico CCPY) e Luis Fernando Pereira (Jornalista CCPY)
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