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Notícias CCPY Urgente
Data: 30 - Março - 2006
Titulo: Yanomami pedem para serem ouvidos em discussões sobre mudanças no Distrito Sanitário Yanomami (DSY)
Tema:
Fonte:
Boletim Pró-Yanomami Nº 77
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Yanomami
pedem para serem ouvidos em discussões sobre mudanças no Distrito
Sanitário Yanomami (DSY)
Quaisquer
propostas de mudanças na organização do Distrito
Sanitário Yanomami devem ser cuidadosamente planejadas e exaustivamente
discutidas com os seus Conselheiros Yanomami. Essa é a conclusão
à qual chegaram os representantes indígenas reunidos para
uma reunião extraordinária do Conselho do DSY em Boa Vista
(RR) durante os dias 16 e 17 de março. Davi Kopenawa, presidente
da Hutukara Associação Yanomami (HTK), que acompanhou as
discussões e pediu por mais espaço para as lideranças
das comunidades assistidas nos momentos de tomada de decisões,
rechaçou as acusações de que os Yanomami estariam
sendo manipulados na expressão do seu descontentamento com a desorganização
do DSY: “Não somos nós, Yanomami, que atrapalhamos
os trabalhos de saúde, são os próprios brancos. Nós
só queremos o atendimento à saúde, já os brancos
querem dinheiro, eles têm um pensamento estranho, cravado no dinheiro.
Não se entristecem por nós. O pessoal da Funasa (Fundação
Nacional da Saúde) não pensa da seguinte forma: ‘Vamos
ajudar os Yanomami, eles estão passando por dificuldades. Vamos
ajudá-los para não morrerem com as epidemias’. Eles
‘trocam’ dinheiro por nós, Yanomami. É sobre
nós que eles conseguem dinheiro”.
A reunião
teve início sem esclarecimentos sobre o motivo e pauta de sua convocação,
de acordo com relatório de Jankiel de Campos, Analista Pericial
em Antropologia do Ministério Público Federal em Roraima:
“A pauta pré-estabelecida pela Funasa era: ‘situação
da assistência’, ‘situação dos convênios’
e ‘informes gerais’. Na prática, cada um falava sobre
o que entendia melhor, mas, no conjunto, essas intervenções
eram pouco proveitosas, já que a Funasa não foi capaz de
dar informações precisas sobre a ‘situação
da assistência’ ou a ‘situação dos convênios’.
Neste ponto, entendo que a atitude dos representantes da Funasa beirava
ao escárnio”. Na realidade, o evento foi principalmente consagrado
à evocação de rumores e especulações
sobre a transferência de convênio mantido pela Funasa com
a Fundação Universidade de Brasília (FUB) para a
Fundação Ajuri, entidade da Universidade Federal de Roraima
(UFRR), após supostas irregularidades serem apontadas pelo Ministério
Público Federal (MPF) e o Tribunal de Contas da União (TCU)
na gestão do convênio da FUB (Ver
Yanomami na Imprensa – 21/02/2006 - “Funasa contraria parecer
e prorroga acordo sob suspeita”, Jornal Estado de SP).
Os trabalhos
se deram em clima tenso, devido ao pedido de intervenção
feito por dirigentes da Funasa – RR junto à Polícia
Federal e ao Ministério Público Federal, alegando falaciosamente
que os Yanomami se preparando a invadir a sede do órgão.
Segundo depoimentos de alguns presentes, a CCPY teria sida apontada como
mentora das manifestações dos Yanomami contra a deterioração
do sistema de atendimento do DSY. Esta retórica dos “índios
insuflados”, bordão do tempo da ditadura militar, configura
uma grave afronta ao exercício de sua cidadania pelos Yanomami
na medida em que visa desqualificar a priori sua avaliação
do serviço público que lhes é prestado.
Segundo
Davi, os Conselheiros yanomami consideram que uma simples mudança
de mãos do convênio não dará fim à série
de constantes problemas que vêm tomando o atendimento de saúde
no DSY desde julho de 2004 (Ver Boletins
52,
53,
54,
60,
70,
72,
73
e 75
e Comunicados
Pró-Yanomami 15/09 e 24/11/2005),
já que persistiria uma estrutura falha (gestão terceirizada
dos profissionais de saúde do DSY por uma Fundação
Universitária) com o agravante de ser cada vez mais submetidas
à interferência políticas locais. Davi declarou: “É
como panela velha: quando todo mundo usa a mesma panela, o mesmo fogo
e a mesma água e coloca carne nova, a carne estraga. É a
mesma coisa com o trabalho. É difícil mudar, porque o Governo
não quer mudar”. Não há na cidade muitos brancos
que se preocupem em ajudar os povos indígenas, apenas se multiplicam
os ladrões. Eles estão acostumados a roubar dinheiro. Quando
eu conheci os brancos não ouvia muitas dessas palavras sobre roubo
e desvio de verbas, agora está todo mundo acostumado. Eles estão
se aproveitando de dinheiro que vem em nome do povo Yanomami que vale
dinheiro, como ouro. Eles estão se aproveitando, por isso não
queremos a Ajuri”. Essa declaração está em
consonância com a avaliação do antropólogo
do MPF em Roraima, Jankiel de Campos: “De nada irá adiantar
trocar a conveniada se a Funasa continuar a centralizar a logística
dos serviços em área, não mudar o modo como é
feita a prestação de contas e o Distrito continuar completamente
vulnerável a ingerências políticas”.
Interesses
políticos – A sugestão de substituir a FUB
de Brasília pela a Fundação Ajuri (UFRR) como principal
conveniada do DSY tem o apoio manifesto do Senador Romero Jucá
de Roraima que, em 22 de Fevereiro de 2006, declarou a Folha de Boa Vista
(Parabólicas): “Falei com a direção nacional
da Funasa que a Fundação Ajuri tem absoluta condição
para gerenciar melhor os recursos. Além do mais é uma verba
superior a R$ 15 milhões e a taxa de administração
ficaria aí em Roraima”. Davi Kopenawa acrescentou que existe
uma forte preocupação dos Yanomami com este tipo de mudança
repentina, sugerida por políticos locais às vésperas
de uma temporada eleitoral: “Se a Ajuri pegar o dinheiro como ficaremos?
A Fundação Ajuri e os políticos tomarão o
dinheiro da saúde yanomami. Eles gastarão quando fizerem
eleição, para elegerem outro senador, outro deputado, outro
presidente. Eles pretendem desperdiçar o dinheiro com isso, eles
não querem ficar carentes de dinheiro para esses fins. Nós
estamos atentos a isso. Há os que não entendem mas nós,
que dominamos o português, explicamos, fazemos reunião e
esclarecemos. Aí todos nós refletimos: ‘os brancos
nos roubaram muito, eles nos enganaram’. Eles querem nos enganar
mas estamos cada vez mais esclarecidos”.
O fato da
Funasa ter descartado com tanto empenho outras possibilidades de entidades
e instituições para firmar um novo convênio após
planejar a saída da FUB também soou estranha aos Yanomami,
que tinham suas próprias propostas, como explicita Davi: “Há
outros amigos nossos, os do Conselho Indígena de Roraima (CIR),
mas eles não foram chamados pela Funasa. A Funasa só chamou
pessoas estranhas a nós. Querem acabar com a FUB e só chamaram
pessoas estranhas, só os amigos deles (da Funasa), pois tencionam
obter o dinheiro dirigido a nós, Yanomami. Se dessem ao CIR o atendimento
de saúde eu ficaria realmente muito feliz. O CIR sabe como agir,
já há tempos que eles fazem (o atendimento). Os brancos
também trabalham para eles, há médico, dentista,
enfermeira, agentes de endemia, também há tudo isso entre
eles. Apesar disso, a Funasa quer muito o dinheiro para seus amigos, por
isso não o dá ao CIR. Os políticos querem conseguir
esse dinheiro só para eles”.
Este tipo
de condução autoritária e manipuladora das discussões
do Conselho do DSY, desconsiderando às opiniões da população
atendida leva, segundo Davi Kopenawa, a uma degradação cada
vez maior do modelo de Conselho Distrital no qual os problemas eram, no
passado, analisados e solucionados democraticamente: “Eu queria
muito o CIR participando, mas ele não foi chamado. Assim, os da
Funasa estão estragando o Distrito Sanitário, não
querem nos ajudar a entendermos o que se passa. Ao fazerem isso, as coisas
ficarão ruins. Então, após estragarem o Distrito
Sanitário, acabarão com ele. Se é assim, nós,
índios, ficaremos desprotegidos, voltaremos a morrer. Nossa população
recomeçou a crescer mas a Funasa não sabe trabalhar direito
com a epidemia de malária que voltou a aumentar”. Para Davi,
a única forma de reverter este quadro é através da
manifestação de diversos setores da sociedade: “Todos
nós que lutamos e nos respeitamos, nós Yanomami, vocês
brancos, os Makuxi também, se todos nós pedirmos especificamente
por uma única instituição talvez as coisas se realizem,
penso eu”.
Informações
distorcidas – Durante a reunião a imprensa local
passou a veicular informações tendenciosas lançadas
por responsáveis da Funasa-RR (Folha de Boa Vista, 17 de março
de 2006). Foi assim divulgado, distorcendo falas de Arokona Yanomami,
Presidente do Conselho do DSY, que os Yanomami fariam supostamente pouco
caso das reivindicações dos funcionários de saúde
do DSY que realizavam manifestações de protesto contra a
Funasa paralelamente às discussões (Folha de Boa Vista,
18 de março de 2006). Foi igualmente divulgado, com suspeita insistência,
que os Yanomami apoiavam a assinatura de um novo convênio com a
Fundação Ajuri, ao contrário do que realmente ocorria
no debate das lideranças indígenas. Esta campanha na imprensa
local, para opor os Yanomami aos profissionais de saúde do DSY
e fazer acreditar que eles aprovariam um novo convênio com a Fundação
Ajuri, ao contrário do que realmente debatiam, reforça a
hipótese de possível tentativa de manipulação
política do orçamento do DSY em curso nos bastidores da
Funasa-RR.
O resultado
desta instrumentalização da reunião do Conselho do
DSY para tentar legitimar a assinatura de novo convênio de interesse
de políticos locais, a despeito dos graves problemas sanitários
da Terra Indígena Yanomami, desorientou os Conselheiros yanomami,
que mais uma vez retornavam às suas comunidades sem respostas claras
sobre o destino do DSY. O antropólogo do MPF em Roraima, Jankiel
de Campos, descreveu o lamentável cenário de fechamento
do evento: “Ao final, a reunião terminou esvaziada, com um
dos Conselheiros yanomami dizendo que não sabia o que dizer aos
seus parentes quando voltasse para casa, pois só tinha visto os
não-índios brigando, sem chegar a nenhuma solução”.
* Com entrevistas
gravadas pelo assessor de educação da CCPY Maurice Tomioka.
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Coordenação Editorial: Bruce Albert (Assessor Antropológico CCPY) e Luis Fernando Pereira (Jornalista CCPY)
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