De acordo com dados da Funasa, de janeiro a maio de 2006 foram registrados
1906 casos da doença. Mais do que o total registrado em todo o ano de 2005.
O recrudescimento da malária e de outras doenças está entre as principais preocupações
das lideranças Yanomami. Em fevereiro deste ano, em entrevista ao ISA, o professor
indígena Yanomami Dario Vitório Kopenawa expressou seus temores em relação à
saúde de seu povo e à falta de controle de doenças.
O aumento no número de casos de
malária nos primeiros meses de 2006 em comparação com o total de anos anteriores
mostra que os temores de Dario Kopenawa, expressos em entrevista ao ISA, em
fevereiro deste ano, tinham razão de ser. (clique
aqui e veja o gráfico). Se em 2003, foram registrados 418 casos de malária
na área Yanomami, em 2004, ano parcialmente gerido pelo novo sistema implantado
pela Funasa, os casos positivos saltaram para 622. A situação, contudo,
começou a ficar crítica em 2005, quando os casos positivos somaram 1645. Apesar
dos protestos empreendidos pelos índios no ano passado, pedindo melhorias nas
condições de saúde, em 2006 mantém-se a tendência de aumento.
Filho de Davi Kopenawa, um dos mais
importantes líderes Yanomami, conhecido pelas lutas que empreendeu em favor
de seu povo, Dario participou, em novembro de 2005, com mais 30 professores
e lideranças indígenas da ocupação da sede da Funasa em Boa Vista, capital de
Roraima, para pedir melhores condições de saúde. Eles estavam na cidade fazendo
um curso de formação. Dário, que tem 23 anos, e sonha ser advogado, fala nesta
entrevista sobre as principais preocupações em relação à saúde de seu povo.
ISA: Como
está a saúde dos Yanomami atualmente?
Dario: Em nenhuma região os Yanomami
estão bem de saúde. Não tem saúde. Está tudo cheio de malária, tuberculose,
coceiras, diarréia ...está faltando tudo. Por isso, a situação ficou muito pior.
Pior que nos últimos
anos?
D: Sim, depois que a Urihi saiu
(*) voltou a malária. Todos os Yanomami estão muito chateados com a Funasa....Por
que? Nós não estamos vivendo bem. Nossos filhos estão morrendo muito, os pata
(velhos) também, eles estão morrendo, a malária aumentou muito, não tem remédio,
não tem transporte, não tem comunicação para chamar os funcionários.
Você disse que
não tem comunicação. E os rádios que foram instalados nas aldeias para agilizar
o tratamento de saúde e auxiliar na vigilância territorial?
D: Agora nós Yanomami estamos proibidos...não
podemos falar isso, não podemos nos comunicar lá...
Por que não podem?
D: Porque a Funasa proibiu. Para
nós isso é uma tristeza, porque o nosso rádio é importante quando acontece alguma
coisa e temos que nos comunicar com outra região, falar com outra comunidade.
Mas a Funasa não nos deixa falar essas coisas. Os napë (brancos) pensam assim:
“Quando os Yanomami usam o rádio eles ficam falando mal da gente, dizendo
que os funcionários da Funasa são uns preguiçosos, não trabalham, não fazem
nada”. Os napë pensavam isso, por isso eles proibiram o rádio. Mas quando
nós queremos falar com outras aldeias, nós pedimos autorização para a Funasa
e eles deixam. É assim que acontece. O que nós falamos é importante também.
Por exemplo, quando os garimpeiros chegam à minha comunidade eu comunico as
pessoas: “Olha, no dia 23 um avião não autorizado chegou por aqui”.
Com o rádio nós podemos comunicar o pessoal da Funai. É isso.
Então o rádio
facilitava a comunicação para avisar a Funai da chegada dos garimpeiros?
D: É...quando os garimpeiros chegam,
o posto mais próximo avisa. Sem rádio, quando os Yanomami ficam na floresta,
ninguém avisa. E isso é um problema. Por isso os garimpeiros não saem de lá.
Porque você acha
que nos últimos tempos a malária trazida pelos garimpeiros era controlada e
agora não é mais?
D: Nós Yanomami pensamos assim:
essas ONGs gostam da gente. Por isso eles trabalharam bem. Por isso eles acabaram
com a malária. Porque eles gostam da gente e trabalhavam há muito tempo. Eles
resolveram a tuberculose, DSTs. Eles trabalhavam bem porque eles andavam muito,
não ficavam no posto grudados no rádio. Eles iam a lugares a 5 horas de caminhada,
3 horas de caminhada. Por isso acabou a malária. Agora, a Funasa é do governo.
Eles não querem sair na floresta porque tem medo de cobra, dos espinhos que
machucam os pés, eles pensam assim. Sempre ficam nos postos onde trabalham.
Ficam grudados nos rádios: “aconteceu isso, malária chegou...”
Como está o controle
das DSTs (Doenças Sexualmente Transmissíveis)?
D: Quando os garimpeiros entraram
na nossa terra eles namoraram com as meninas Yanomami e isso espalhou as DSTs.
Por isso nós estamos lutando com a Funasa. Porque a Funasa já tem o dinheiro.
Mas a Funasa não está ajudando bem. Nós Yanomami pensamos isso. Porque nós pedimos
o dinheiro, nós queremos resolver nosso problema de saúde. O Governo brasileiro
manda o dinheiro para a sede da Funasa, mas eles não gastam bem porque eles
não compram remédio. É isso, está tudo faltando.
Como ficou o tratamento
no dia-a-dia agora?
D: O trabalho de vacinação mudou.
Agora demora mais ou menos 6 meses. Nós ficamos muito chateados com isso. Quando
a Urihi trabalhava eles faziam sempre toda a vacinação ou o atendimento da malária.
Agora mudou tudo. Não tem microscópio, não tem lâmina, falta tudo. Não tem remédio,
não tem material para fazer a busca ativa (**)
O que aconteceu
com os yanomami que foram treinados pela Funasa para ser microscopistas e que
faziam a maior parte da busca ativa e participavam ativamente desse trabalho
preventivo?
D: Eles estão muito abandonados.
Os microscopistas não fazem nada, só ficam à toa.
Eles não são mais
contratados para fazer isso?
D: Sim. Porque eles não fazem cursos
para formar AIS.(Agente Indígena de Saúde) ...agora mudou tudo...agora eles
ficam só nas comunidades. Tem responsabilidade só quando uma pessoa fica doente...só
falam com os napëpë (brancos). Não fazem nada porque não tem lâminas, não tem
nada. Não tem microscópio.
Falta o material
básico?
D: Com certeza. Por isso os microscopistas
Yanomami só ficam olhando e pensando: “ E aí? O que nós fazemos agora?”.
Quando a Urihi trabalhava, eles trabalhavam junto, iam nos lugares mais distantes,
pediam mais lâminas para fazer a busca ativa de novo. Eles faziam assim. Agora
está tudo zerado.
Você acha importante
recuperar os cursos de formação de AIS, de microscopia, recuperar a participação
dos Yanomami no atendimento?
D: Os próprios Yanomami tem que
ser os microscopistas. Os napë, os brancos, não índios, eles ficam só três semanas
em duas pessoas, às vezes tem três. Depois eles voltam. E o atendimento fica
paralisado. Quando os Yanomami tem um auxiliar ou microscopista eles ficam sempre
de olho. Quando um visitante chega, eles colhem as lâminas e depois mandam para
a cidade. Todos os Yanomami ficaram contentes e os patatëpë (os mais velhos)
concordaram. Quando a Urihi saiu isso acabou. Por isso os Yanomami ficaram tristes.
Não estão satisfeitos. Não tem os cursos de AIS dos Yanomami.
E aí quando chegam
visitantes para as festas, como vocês fazem o controle?
D: Não dá para saber se estão doentes,
não tem medicação.
Vocês têm alguma
proposta para resolver a questão da saúde indígena? O que é ter uma boa saúde?
D: Sim, no pensamento dos Yanomami
saúde com qualidade significa viver bem. Sem malária, sem tuberculose, sem diarréia,
sem qualquer doença. Com um atendimento muito bom. Quando acontece em nossa
comunidade de uma criança ser picada de cobra, é preciso ter uma remoção rápida,
que trate bem, leve para Boa Vista e depois traga de volta para o lugar de onde
foi feita a remoção. É isso que nós queremos, para que possamos ficar bem à
vontade para viver. Para termos boa saúde. A nossa terra já é demarcada, por
isso nós queremos ter boa saúde, trabalhar, fazer roças. É isso que nós queremos.
Nós não queremos as doenças.
(*) Nota do editor: a Urihi era
a organização não-governamental conveniada com a Funasa, responsável pela saúde
de cerca de 50% da população Yanomami de Roraima e Amazonas, que rompeu o convênio
em fevereiro de 2004. (Leia mais).
(**)Busca ativa é o exame preventivo
para reconhecimento de possíveis casos de malária.