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Índios tentam resgatar sangue nos EUA
Material
genético dos ianomâmis de RR foi levado sem autorização
por pesquisadores americanos nos anos 60 e 70
Ricardo
Westin
Ao
longo dos anos 60 e 70, americanos fizeram incursões pela Amazônia
e foram embora levando amostras de sangue dos ianomâmis de Roraima. O
assunto ficou esquecido até 2000, quando um livro nos EUA revelou que,
ao contrário do que havia sido dito aos índios, o sangue não
foi usado em exames de saúde. Os pesquisadores guardaram o material genético
para estudos científicos.
Inconformados
com o engodo, apesar do tempo passado, os índios pediram ao Ministério
Público Federal em 2002 que os ajudasse na repatriação
do sangue, que continua nos EUA.
O
Ministério Público procurou diversas instituições.
Quatro admitiram ter material genético - o Instituto Nacional do Câncer
e as universidades da Pensilvânia, de Binghamton e da Califórnia.
Os procuradores brasileiros negociam a devolução com essas instituições
- que se mostraram dispostas a colaborar - e aguardam a resposta das demais.
Se não obtiverem sucesso, a saída será recorrer aos tribunais
americanos.
A
coleta do sangue violou normas do biodireito e da bioética, como o Código
de Nuremberg, de 1947, que diz que pesquisas com humanos devem ter o consentimento
expresso dos envolvidos. "Os índios foram tratados como cobaias",
diz o indigenista Ednelson Pereira, vice-presidente da ONG Comissão Pró-Yanomami.
Além
disso, os americanos ignoraram a cultura indígena. Os ianomâmis
acreditam que a alma só tem paz depois que todos os restos mortais são
cremados. "Para eles, a conservação do sangue dos mortos
é inaceitável", explica Jankiel de Campos, antropólogo
do Ministério Público em Roraima.
Os
procuradores não descartam a possibilidade de que o material possa ser
usado com fins comerciais. Diante da predisposição dos índios
a ter certas doenças e não ter outras, poderiam ser criados remédios
a partir do código genético deles.
A
retirada do sangue com fins científicos nos anos 60 e 70 foi revelada
pelo jornalista americano Patrick Tierney no livro Darkness in El Dorado (Trevas
no Eldorado), lançado em 2000. Nele, o autor afirma ainda que os pesquisadores
utilizaram os ianomâmis como cobaias de uma vacina contra o sarampo que
acabou infectando e matando dezenas deles.
Durante
as investigações , o Ministério Público descobriu
que a Universidade Federal do Pará (UFPA) também havia coletado
sangue ianomâmi sem a devida explicação, em 1990. Cerca
de 90 frascos com material genético foram devolvidos às aldeias
de Roraima em julho.