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Povos
indígenas do Alto Rio Negro realizam intercâmbio com povo Yanomami
Professores
e lideranças Tukano, Wanano e Baniwa do Alto Rio Negro, no Amazonas,
realizam viagem a Roraima e trocam com os povos Yanomami experiências
e conhecimentos em educação, cultura e manejo de recursos naturais.
O programa de intercâmbio entre povos indígenas de diferentes pontos
da Amazônia, implementado através da Rede de Cooperação
Alternativa (RCA), ganhou mais um capítulo no final de setembro, quando
um grupo de pessoas do Alto Rio Negro, no Amazonas, visitou algumas comunidades
Yanomami em Roraima. O encontro foi uma oportunidade para a troca de experiências
e conhecimentos sobre educação escolar, manejo de recursos naturais
e políticas lingüísticas entre os participantes.
Lideranças
do Rio Negro e dos Yanomami que participaram do encontro e Elder Ferreira, da
CCPY.
Estiveram
presentes na viagem Antenor Nascimento Azevedo e Vicente de Paulo Vilas Boas
Azevedo (Tukano), pela Associação da Escola Indígena Tukano
Yupuri (AEITY), Mariano José Gama Álvares (Wanano), pela Associação
da Escola Khumuno Wu’u Kootiria (ASEKK) e Mario Farias (Baniwa), pela
Organização Indígena da Bacia do Içana (OIBI). Laise
Lopes Diniz, da equipe do Programa Rio Negro do ISA, também participou
do intercâmbio, que foi realizado com o apoio da Comissão Pró-Yanomami
(CPY).
Laise Diniz mostra aos professores Yanomami o mapa com as comunidades do Alto
Rio Negro.
A
língua usada para a comunicação entre os grupos foi o português,
mas como estavam presentes falantes de quatro línguas indígenas,
duas do tronco lingüístico Tukano Oriental (Tukano e Wanano), uma
do tronco lingüístico Aruak (Baniwa) e da língua Yanomami,
em vários momentos as línguas próprias de cada povo foram
utilizadas, com a troca de informações sobre as diferentes formas
de denominarem animais, plantas e outros objetos.
Educação
escolar indígena
Durante
toda a estadia em Roraima o grupo visitante buscou entender o programa de educação
escolar Yanomami, que visa incentivar a manutenção e o desenvolvimento
da língua própria deste povo. Todo o ensino é feito nessa
língua, colocando-a em grau de importância maior do que o português.
O processo de ensino/aprendizagem está organizado em dois grupos de alunos,
os que estão iniciando a vida escolar e aprendendo a ler e escrever e
os que já sabem ler e escrever. Com o primeiro grupo os professores atuam
principalmente com a alfabetização, sempre na língua Yanomami.
Aula em maloca Yanomami com grupo de Agentes de Manejo
e Agentes de Saúde.
Com
o segundo grupo são introduzidos estudos mais avançados organizados
em áreas temáticas, como direito indígena, história,
geografia, matemática e ciências. Mas, nessa etapa, a língua
de instrução é o Yanomami e a língua portuguesa
é introduzida através da conversação. Para os professores
do Alto Rio Negro a organização de todo o ensino na língua
trouxe a certeza de uma educação própria dos Yanomami:
“Eles estão realizando sua própria educação
escolar, sem seguir os modelos que já existiam antes, isso vai fazer
com que tenham avanços grandes e rápidos nas suas organizações
e projetos”, disse Mário Farias.
O
que é percebido nas escolas das malocas Yanomami é que os professores
e os demais desejam que sua língua tradicional seja usada para formular,
analisar e sistematizar os conhecimentos, favorecendo o fortalecimento das suas
tradições e o desenvolvimento de sua língua. As políticas
lingüísticas no ensino foram temas das conversas, pois também
a região do Alto Rio Negro tem optado pela alfabetização
nas línguas próprias e o português é usado como segunda
língua em níveis mais avançados, ou seja, a partir do terceiro
ciclo de ensino.
Professor Yanomami
Genivaldo Krepuna, da Maloca Tihinaki, registra o intercâmbio em vídeo.
Manejo
de recursos naturais
Sobre
os objetivos das escolas nas comunidades indígenas foram discutidos temas
que são desafios atuais para esses povos: o manejo ambiental referente
à diversidade das roças e o manejo dos recursos pesqueiros e caça.
Neste contexto, os representantes das escolas pilotos do Rio Negro (que recebem
apoio do Unicef e da Rainforest da Noruega) relataram a estratégia que
tem sido usada na região, através do ensino e pesquisa, pela qual
professores e alunos têm realizado em vários contextos o manejo
ambiental dos seus territórios, com o registro dos conhecimentos tradicionais
e experiências práticas como a piscicultura.
Professores
Yanomami na despedida do intercâmbio com parentes do Rio Negro na maloca
Xokotha.
No
tema do manejo ambiental, as escolas-piloto do Alto Rio Negro tiveram muito
a acrescentar, apresentando a filosofia do ensino via pesquisa, que tem como
base de trabalho o diagnóstico de seus territórios e se relacionam
com a busca de caminhos possíveis para a melhoria da qualidade de vida
das comunidades. A estratégia também envolve elaboração
de livros, informativos e apostilas - que foram entregues aos professores Yanomami.
Os
professores Yanomami apresentaram suas idéias futuras de educação,
como um projeto enviado ao Ministério da Educação para
a Construção de um Centro de Formação, onde funcionarão
os níveis mais avançados da escola da maloca, e onde poderão
ser instalados computadores e estruturadas bibliotecas. Na avaliação
da equipe visitante, o centro de formação irá fortalecer
o processo educativo próprio dos Yanomami, pois assim terão como
discutir também a formação dos Agentes Indígenas
de Saúde e Agentes de Manejo.
Antenor Azevedo e Vicente de Paulo Vilas Boas recebem
de presente adornos Yanomami.
O
projeto de viveiros de mudas implementado pelos Yanomami foi apontado como sendo
muito importante pelos professores, pois irá garantir o plantio das variedades
de bananas, batatas e outras plantas que servem para alimentação.
A idéia é garantir uma segurança alimentar e ao mesmo tempo
a manutenção dos conhecimentos tradicionais sobre essas plantas.
Esse projeto foi pensado porque o plantio de macaxeira tornou-se importante
devido à produção de caxiri, cujo consumo aumentou com
o contato com os garimpeiros, trazendo diversos problemas nutricionais e sociais.
A equipe do Rio Negro relatou também os problemas que existem em sua
região referentes à saúde e ao consumo do caxiri, bebida
tradicional nessa região.
A
vida e as aulas na maloca
Nas
atividades de aula, nas malocas Maharau e Xokotha, é possível
perceber que na escola da maloca estão todos diretamente ou indiretamente
envolvidos, num espaço aberto ao debate e à construção
dos conhecimentos. Assim, os jovens têm aula sobre matemática,
história, ciências, geografia, manejo, direito, e ao mesmo tempo
acompanham os acontecimentos do entorno e todos os que estão na maloca
participam desse processo. Esta experiência é valiosa para o Rio
Negro, de acordo com Vicente Azevedo. “Ver como outros parentes estão
fazendo sua própria educação só nos dá força
para continuar na luta de ter o nosso direito cumprido. A escola diferenciada
é importante não só para os povos do rio Negro e para os
Yanomami, mas para todos os indígenas”, afirma.
Professores
e alunos Yanomami ornamentados para festa na despedida do grupo do Rio Negro
Viver
estes poucos dias dentro das malocas junto com os Yanomami trouxe reflexões
sobre as diferentes formas de organizações dos povos indígenas
e os processos de contatos. As comunidades Yanomami estão organizadas
por malocas, com seus espaços de transmissão de conhecimento,
cerimônias tradicionais, produção de alimentos e escolas.
Muito diferente das comunidades do Alto Rio Negro, que estão organizadas
em casas familiares e contam uma casa separada destinada ao funcionamento da
escola. Como agradecimento à estadia nas malocas e a todo o aprendizado
de vida, os representantes dos povos do Alto Rio Negro fizeram um dabucuri,
na maloca Sikamapiu, com a dança do mawako, entregaram livros, informativos,
artesanatos e presentes que levaram para os Yanomami.
ISA,
Laise Lopes Diniz.