Comunicado URIHI - Jan/2007
A
verdade sobre a saúde dos índios Yanomami
Ficamos
surpresos que a FSP, um dos mais competentes e isentos veículos de comunicação
do país, tenha publicado no dia 12/11/2006 uma matéria, intitulada
“ONGs "ineptas" recebem 54% dos repasses ao setor,
diz TCU” na qual, especificamente sobre a organização
Urihi-Saúde Yanomami, é possível concluir que se trataria
de entidade inepta, criada com o único objetivo de receber dinheiro público
através de convênio com a Fundação Nacional de Saúde
(FUNASA) e com sede na casa de seus dirigentes. Ou seja, uma entidade fantasma.
Só
podemos acreditar que, por um descuido involuntário, o jornal não
teve acesso a informações mínimas sobre a Urihi para a
elaboração da matéria, que, a propósito, poderiam
facilmente ser obtidas com um esforço jornalístico que fosse além
de uma ligação para um telefone desativado da nossa organização.
Para
desmentir cabalmente o conteúdo da reportagem bastaria citar a própria
FSP. Em uma busca nos arquivos do jornal localizamos nada menos que sete matérias
que citam a Urihi e fazem referências extremamente elogiosas ao seu trabalho.
Uma delas, publicada no dia 07/10/2002 com o título “Ação
de ONGs baixa mortalidade de índios” é dedicada
exclusivamente à análise das atividades e dos expressivos e inéditos
resultados da Urihi na atenção à saúde da população
yanomami: “A tragédia das centenas de mortes de índios
ianomâmis no Brasil, iniciada na década de 60 e considerada como
um escândalo internacional, dá sinais de estar no fim”...
“A redução das doenças é muito substancial.
Isso ocorre porque eles [da Urihi] conseguem manter dentro da área ianomâmi,
mesmo com todas as dificuldades, uma equipe de quase 150 pessoas, ininterruptamente.
A decisão política da Funasa é a de manter esses convênios,
pois esse é o caminho,” “afirmou Ubiratan Pedrosa Moreira,
diretor do Departamento de Saúde Indígena da Funasa”.
Mas
uma pesquisa para além das páginas da FSP encontraria muito mais
sobre a Urihi. A sua relevante atuação em questões relacionadas
à saúde dos yanomami foram tema de uma série de quatro
matérias na Revista Época, a primeira delas com o título:
“Odisséia na Selva”. ( Revista
Época 07/01/2002)
No
próprio site da FUNASA podemos destacar o seguinte comentário
sobre a Urihi feito pelo ex-diretor do Departamento de Saúde Indígena,
Dr. Alexandre Padilha, “... o convênio da FUNASA com
a Urihi conseguiu bons resultados na redução da mortalidade infantil
e no controle da malária nas regiões em que atuou entre os Yanomami
nos estados de Roraima e Amazonas.”
(http://www.funasa.gov.br/sitefunasa/not/not2004/not133.htm).
O Distrito Sanitário Yanomami e a Urihi
Durante toda a década de 90, a execução direta das ações
de saúde pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA)
no Distrito Sanitário Yanomami (DSY) foi extremamente mal sucedida demonstrando-se
incapaz de resolver a situação de calamidade epidemiológica
dos Yanomami. O quadro sanitário lastimável, ampla e regularmente
divulgado pela imprensa nacional e internacional, chegou a despertar uma preocupação
mundial quanto à sobrevivência desta etnia. O Estado brasileiro,
constrangido por esta péssima publicidade, respondia às denúncias
constantes sobre o “genocídio Yanomami” com a liberação
de volumosos recursos financeiros que foram desperdiçados pela FUNASA
local (Roraima) num modelo de execução direta totalmente ineficiente
e altamente prejudicado por irregularidades e desvios financeiros, comprovados
em sucessivas auditorias da própria FUNASA.
Ao mesmo tempo, entre 1994 e 1998, uma pequena parcela da população
Yanomami vinha recebendo a assistência à saúde diretamente
de uma organização não governamental, a Comissão
Pró-Yanomami (CCPY, fundada em 1978), através do repasse de recursos
da FUNASA. Em contraste com as aldeias Yanomami que recebiam assistência
direta da FUNASA, neste modelo pioneiro de parceria com uma ONG todos os objetivos
estavam sendo alcançados com melhora expressiva nos indicadores de saúde,
o que apontava para as potencialidades da parceria entre o terceiro setor e
a administração sanitária governamental.
Diante do exemplo piloto positivo da parceria com a CCPY e da também
grave situação de saúde dos demais povos indígenas
de todo o Brasil, que apresentavam os piores indicadores de saúde em
comparação com qualquer outro grupo populacional do país,
em 1999 o governo brasileiro decide implantar os Distritos Sanitários
Especiais Indígenas (ao todo 34 DSEIs) estabelecendo parcerias para a
execução das ações de saúde em áreas
indígenas preferencialmente com organizações não-governamentais.
Assim, em meados de 1999, a FUNASA convida insistentemente a CCPY a expandir
o seu programa de saúde para cerca de 50 % da população
do DSY. Ante a eminente dizimação dos Yanomami, a CCPY aceita
o convite e, através de seus membros diretamente envolvidos na experiência
bem sucedida de seu programa de saúde, funda uma nova organização
totalmente direcionada para atender às novas demandas ampliadas da assistência
e da educação em saúde. Assim, a URIHI-Saúde Yanomami
é fundada em setembro desse mesmo ano e, através de convênio
com a FUNASA, inicia as suas atividades no campo em janeiro de 2000. Ao contrário
do que foi publicado, a sede da Urihi e sua base operacional nunca foram na
casa de seus dirigentes e sim em um imóvel alugado na cidade de Boa Vista.
Ao longo dos seus 4,5 anos de atividades, a URIHI alcançou extraordinários
resultados. A incidência de malária, principal causa mortis na
década anterior, foi reduzida em mais de 99% durante o período
e, desde 2001 até junho de 2004, não ocorreu nenhum óbito
por esta doença nas áreas assistidas pela ONG. Trinta e um jovens
yanomami foram capacitados no diagnóstico laboratorial da malária
em suas comunidades. A mortalidade infantil foi reduzida em 65 % e a tuberculose
começou a ser diagnosticada precocemente e sempre que possível
tratada na área indígena. A cobertura vacinal em crianças
menores de um ano atingiu pela primeira vez as metas preconizadas pelo Ministério
da Saúde e o tratamento da oncocercose, doença restrita no país
à área yanomami e em relação à qual o Brasil
tem um compromisso internacional pela sua erradicação, alcançou
uma das mais altas coberturas das Américas. O estado nutricional das
crianças menores de cinco anos era acompanhado mensalmente, identificando
a necessidade de intervenção nos casos freqüentes de desnutrição.
Estas medidas permitiram um crescimento demográfico de cerca de 4% ao
ano.
Desta
forma, após quase cinco anos de trabalho exemplar, reconhecido internacionalmente,
a URIHI conseguiu reverter nas aldeias yanomami sob sua assistência (7.500
índios) a situação de risco de extermínio gerado
pela altíssima incidência de doenças e pela ineficiência
dos serviços de saúde prestados anteriormente pelo Estado brasileiro.
No
entanto, a URIHI decidiu não renovar a partir de julho de 2004 o seu
convênio com a FUNASA em função de discordância nas
mudanças na política de saúde indígena determinadas
pelas Portarias Ministeriais Nº 69 e 70. Essa decisão, amplamente
divulgada no meio indigenista e na imprensa em geral, baseou-se no fato de que
as referidas Portarias voltavam a centralizar nas coordenações
regionais da FUNASA as operações para a assistência nos
DSEIs, sem que o órgão tivesse se preparado técnica, administrativa
e politicamente para assumir esta tarefa, limitando a ação das
ONGs, basicamente, à contratação de recursos humanos, caracterizando
uma irregular triangulação de pagamento de pessoal para o exercício
de atividades diretamente executadas pelo poder público.
Por
ocasião da decisão da URIHI em não mais renovar o convênio
com a FUNASA, não apenas o órgão reconheceu o bom desempenho
técnico e administrativo da URIHI à frente dos convênios
como também lamentava a decisão da organização de
não continuar com a parceria, como pode ser comprovado pelas palavras
do ex-secretário executivo da FUNASA, Sr. Lenildo Morais, em entrevista
à revista Época “Não tenho nenhuma ressalva
a fazer sobre a atuação técnica e administrativa da Urihi.
Eles trabalham muito bem e ficamos tristes que não houve acerto.”
(Revista Época 31/05/2004).
Cabe
relembrar também que, durante toda a década dos vários
convênios da CCPY e da URIHI para a assistência à saúde
dos Yanomami (período de 1994 a 2004), todas as prestações
de contas dos recursos recebidos foram aprovadas pela FUNASA. Inclusive, uma
cláusula dos convênios impedia que novas parcelas fossem liberadas
pela FUNASA sem que as prestações de contas das parcelas anteriormente
liberadas tivessem sido devidamente aprovadas pelo Setor Financeiro e pela Gerência
de Convênios do órgão.
Com
o fim do convênio da Urihi, os sócios da organização,
aproveitando a vasta experiência sobre a saúde dos yanomami, têm
se dedicado, voluntariamente, a produzir relatórios e análises
da situação da assistência e da saúde no DSY. A sede
atual da organização permanece na cidade de Boa Vista em um imóvel
da CCPY.
Caos, aumento dos gastos e perseguição política
O
retorno da execução direta das ações de saúde
pela FUNASA no DSY foi desastroso. Em um contexto de loteamento de suas Coordenações
Regionais, que no caso de Roraima contemplou grupos políticos historicamente
anti-indígenas, o resultado foi uma degradação da assistência
à saúde e um aumento das doenças e da mortalidade que foram
denunciadas reiteradamente por lideranças e conselheiros indígenas
do DSY desde 2004 e tiveram grande repercussão na imprensa local, nacional
e internacional. A incidência da malária teve um catastrófico
aumento de 470% em 2006, voltando aos níveis epidêmicos da década
de 90, e mortes pela doença voltaram a ocorrer. Ao mesmo tempo, para
aumentar a indignação, os gastos no DSY foram triplicados.
Toda
essa situação vem sendo denunciada amplamente pela Urihi em muitos
documentos e em reportagens nos principais veículos de comunicação
do país. Ironicamente, o Senador por Roraima, Mozarildo Cavalcante, um
empenhado defensor das causas anti-indígenas, “preocupado”
com os indícios de irregularidades, pede ao TCU uma investigação
especificamente sobre as contas do convênio da URIHI e também do
Conselho Indígena de Roraima (CIR), organização indígena
que teve um papel fundamental na estruturação do Distrito Sanitário
do Leste de Roraima e ousou lutar contra políticos e grileiros do estado
pelo direito constitucional de demarcação da terra indígena
Raposa Serra do Sol.
Prestar
contas ao TCU não seria nenhum problema não fosse o fato que a
legislação vigente à época para a execução
de convênios pelas ONGs era por demais omissa e subjetiva, permitindo
hoje uma interpretação pelo TCU muito diferente, e conveniente
aos interesses políticos atuais, da adotada pela FUNASA no governo anterior.
Procedimentos administrativos que eram oficialmente recomendados são
agora considerados como “irregularidades” por não seguirem
estritamente as formalidades da lei 8666 (“lei das licitações”
da administração pública), ainda que as ONGs não
estivessem sujeitas à lei e não tenha havido, por parte da Urihi,
desvio ou desperdício de dinheiro público. A FUNASA, por sua vez,
a quem caberia agora dar as devidas explicações aos Yanomami e
apoio às organizações conveniadas, se omite e aproveita
a oportunidade para tentar desmoralizar e calar aqueles que criticam a sua má
gestão e denunciam o seu loteamento político.
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Urihi-Saúde
Yanomami
Janeiro de 2007 |